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dizia: ‘Já que vocês não me lerão, garanto que não conseguirão’”. Todas essas
queixas eram bastante comuns, de fato tão comuns que, de início, eu não
conseguia entender por que afinal ele se incomodava com elas. Apenas aos
poucos descobri que ele não queria pertencer aos “poucos felizes que, dia a dia,
são cada vez mais poucos e mais infelizes”, pela simples razão de ser um
democrata sincero, com “uma educação científica e uma juventude radical”,
“antiquado o suficiente para acreditar, como Goethe, no Progresso”. E devo
confessar que demorei ainda mais para perceber que sua maravilhosa presença
de espírito, como entendo a precisão de seu riso, não era a simples conseqüência
de sua descrença em qualquer tipo de facilidade e vulgaridade, ou de sua crença
no fato de que qualquer pessoa com quem entrasse em contato tinha o seu
próprio sentimento absoluto (como a absoluta intensidade) pela qualidade, esse
juízo infalível em assuntos artístico, e em todos os assuntos humanos, mas que
existia também, como ele mesmo indicou em “A obscuridade do poeta”, o
irônico e auto-irônico “tom de alguém acostumado à impotência”. Confiei na
própria exuberância de sua cordialidade, julguei ou esperei que seria suficiente
para aparar todos os perigos a que ele estava tão evidentemente exposto, pois eu
achava que seu riso tinha essa exatidão tão perfeita. Como, afinal, alguma das
asneiras eruditas ou sofisticadas sobre a “adaptação” poderia esperar sobreviver
a essa sua única frase (em Pictures from an Institution [Retratos de uma
instituição]): “O presidente Robbins estava tão bem adaptado ao seu ambiente
que às vezes você não conseguiria dizer o que era o ambiente e o que era o
presidente Robbins”? E se você não consegue esquecer a asneira com o riso,
qual o remédio? Refutar ponto a ponto todos os absurdos produzidos pelo século
xx exigiria o prazo de dez vidas, e ao final os refutadores se distinguiram tão
pouco de suas vítimas quanto o presidente da Instituição em relação ao seu
ambiente. Randall, de qualquer forma, nada tinha a protegê-lo contra o mundo
além do seu esplêndido riso, e a imensa coragem nua por trás dele.
Quando o vi pela última vez, não muito antes de sua morte, o riso quase se
fora, e ele estava quase prestes a admitir a derrota. Era a mesma derrota que ele
previra mais de dez anos antes, no poema intitulado “A Conversation with the
Devil” [Uma conversa com o demônio]:
Indulgente, ou cândido, ou incomum leitor
— Tenho alguns: uma esposa, uma freira, um fantasma ou dois —
Se escrevo para alguém, escrevi para você;
Então sussurre, quando eu morrer, Éramos muito poucos;