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ser, mais do que quer que tenha feito ou executado. Em sua juventude, antes de
adotar a “utilidade” como o padrão último para o julgamento das pessoas, Brecht
sabia disso melhor do que ninguém. Há uma “Balada sobre os segredos de todo e
cada homem”, no Manual de devoção, cuja primeira estrofe, na tradução de
Bentley, diz o seguinte:
Todos sabem o que é um homem. Ele tem um nome.
Ele anda na rua. Ele se senta no bar.
Todos vocês podem ver seu rosto. Todos vocês podem ouvir sua voz
E uma mulher lavou sua camisa e uma mulher penteia seu cabelo.
Mas matem-no! Por que não, se de fato
Ele nunca foi senão
O agente de suas más ações ou
O agente de suas boas ações.
O padrão que rege nesse domínio da desigualdade encontra-se ainda no velho
dito romano Quod licet Iovi non licet bovi, o que é permitido a Júpiter não é
permitido a um boi. Mas, para nosso consolo, essa desigualdade opera nos dois
sentidos. Um dos sinais de que um poeta tem direito a privilégios tais como os
que aqui reivindico para ele é que existem certas coisas que ele não pode fazer e,
ainda assim, continua a ser o que é. A tarefa do poeta é cunhar as palavras pelas
quais vivemos, e certamente ninguém vai viver pelas palavras que Brecht
escreveu em louvor a Stálin. O simples fato de ter sido capaz de escrever versos
tão indizivelmente ruins, muito piores do que faria um versejador de garatujas de
quinta categoria culpado dos mesmos pecados, mostra que quod licet bovi non
licet Iovi, o que é permitido a um boi não é permitido a Júpiter. Pois, possa-se ou
não louvar a tirania com “vozes primorosas”, é certo que os meros intelectuais
ou literatos não são punidos pelos seus pecados com a perda do talento. Nenhum
deus se reclinou sobre seu berço; nenhum deus se vingará. Há muitíssimas coisas
permitidas a um boi e não a Júpiter; isto é, não àqueles que têm algo de Júpiter
— ou melhor, são abençoados por Apolo. Assim o fio do velho dito corta pelos
dois gumes, e o exemplo do “pobre B. B.”, que nunca desperdiçou nenhuma
partícula de piedade consigo mesmo, pode nos ensinar quão difícil é ser poeta no
século xx ou em qualquer outra época.
1 Quase todos os poemas de Brecht existem em várias versões. Citarei, exceto em indicação contrária,
pelas Obras reunidas publicadas a partir do final dos anos 1950 pela Suhrkamp, na Alemanha Ocidental, e
Aufbau-Verlag em Berlim Oriental. As duas primeiras citações estão em “Hollywood” e “Sonett in der
Emigration”, Gedichte 1941-1947, vol. vi. As duas primeiras estrofes do “Sonett in der Emigration” são