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Um homem pode ser destruído, mas o Partido não pode ser destruído. Pois [...]
ele conduz sua luta com os métodos dos clássicos, que foram extraídos do
conhecimento da realidade”. 54 A conversão de Brecht não foi absolutamente tão
simples quanto parece retrospectivamente. Contradições e heresias se
insinuavam mesmo em seus versos mais militantes: “Não deixe ninguém lhe
falar das coisas, olhe por você mesmo; o que você próprio não sabe, você não
sabe; examine a conta, você terá de pagá-la”. 55 (O Partido não tem mil olhos
para ver o que não posso ver? O Partido não conhece sete países, ao passo que só
conheço a cidade onde moro?) No entanto, eram apenas deslizes ocasionais, e,
quando o Partido — em 1929, no xvi Congresso, depois de Stálin anunciar a
liquidação da Oposição de esquerda e de direita — começou a exterminar seus
próprios membros, Brecht sentiu que o necessário para o Partido naquele
momento era uma defesa da matança dos próprios camaradas e pessoas
inocentes. Em Medida adotada, ele mostra como e por que os inocentes, os
bons, os humanitários, os que se sentem ultrajados pela injustiça e correm para
prestar auxílio estão sendo mortos. Pois a medida adotada é a morte de um
membro do Partido pelos seus camaradas, e a peça não deixa dúvidas sobre o
fato de que ele, humanamente falando, era o melhor deles. Precisamente devido
à sua bondade, revela-se que se convertera num obstáculo à revolução.
Quando a peça foi encenada pela primeira vez em Berlim, no início dos anos
1930, suscitou muita indignação. Hoje compreendemos que o que Brecht dizia
em sua peça era apenas a menor parte da terrível verdade, mas na época — anos
antes dos Processos de Moscou — não era conhecida. Os que, mesmo então,
eram ásperos opositores de Stálin, dentro e fora do Partido, ficaram indignados
que Brecht tivesse escrito uma peça em defesa de Moscou, ao passo que os
stalinistas negavam com toda a veemência que qualquer coisa vista por esse
“intelectual” correspondesse a alguma realidade do comunismo na Rússia. Deus
sabe que Brecht nunca teve menos receptividade entre amigos e camaradas do
que com essa peça. A razão é evidente. Ele fizera o que os poetas sempre fazem
quando a sós: anunciara a verdade ao ponto de então se tornar visível. Pois a
simples verdade da questão era que pessoas inocentes eram mortas e que os
comunistas, embora não tivessem deixado de lutar contra seus inimigos (isso
veio depois), tinham começado a matar seus amigos. Era apenas um começo, e a
maioria das pessoas o justificava como um excesso de zelo revolucionário, mas
Brecht era suficientemente inteligente para ver o método implícito na loucura,
embora certamente não previsse que os que pretendiam trabalhar pelo Paraíso
tinham precisamente começado a estabelecer o Inferno na terra, e que não havia