Homens Em Tempos Sombrios - Hannah Arendt
Und man siehet die im LichteDie im Dunkln sieht man nicht. 50Desde a Revolução Francesa, quando pela primeira vez o imenso fluxo dospobres irrompeu como uma torrente nas ruas da Europa, muitos foram osrevolucionários que, como Brecht, agiram por compaixão e a ocultaram porvergonha sob a capa de teorias científicas e retórica insensível. Contudo, unspouquíssimos entre eles entenderam o insulto que se acrescentava às vidasinsultadas dos pobres com o fato de seus sofrimentos permanecerem nassombras e não serem sequer registrados na memória da humanidade.Mitkämpfend fügen die grossen umstürzenden Lehrer des VolkesZu der Geschichte der herrschenden Klassen die der beherrschten. 51Eis como Brecht o formulou na sua versão poética curiosamente barroca do“Manifesto Comunista”, planejada como parte de um longo poema didático“Sobre a natureza do homem”, moldado pelo “Sobre a natureza das coisas” deLucrécio, e que é um fracasso praticamente total. De qualquer forma, eleentendeu e se sentiu ultrajado não só pelos sofrimentos dos pobres, comotambém pela sua obscuridade; como John Adams, considerava o pobre como ohomem invisível. E foi por esse sentimento de ultraje, talvez ainda mais do quepor piedade e vergonha, que começou a esperar pelo dia em que se inverteria asituação, quando as palavras de Saint-Just — “Les malhereux sont la puissancede la terre” — se converteriam em realidade.Além disso, foi por um sentimento de solidariedade para com os oprimidos eesmagados que Brecht escreveu boa parte de sua poesia em forma de balada.(Como outros mestres do século — W. H. Auden, por exemplo —, ele contavacom a vantagem do retardatário em relação aos gêneros do passado e portantotinha liberdade de escolha.) Pois a balada, gerada a partir de canções do povo edas ruas, e, como os spirituals negros, com estrofes intermináveis onde ascriadas na cozinha lamentavam os amantes infiéis e os infanticidas inocentes —“Die Mörder, denen viel Leides geschah” (“Os assassinos dolorosamenteatormentados pelo desgosto”) — sempre constituiu o veio da poesia não escrita,a forma de arte, se é que foi, em que as pessoas condenadas à obscuridade e aoesquecimento tentaram registrar suas histórias pessoais e criar sua imortalidadepoética própria. É desnecessário dizer que a canção popular inspirou umagrandiosa poética em língua alemã antes de Brecht. As vozes das criadas soam
em algumas das mais belas canções alemãs, desde Mörike ao jovemHofmannsthal, e o diretor do Moritat, antes de Brecht, foi Frank Wedekind. Eainda a balada onde o poeta se torna um contador de histórias tinha grandesantecedentes, incluindo Schiller e poetas antes e depois dele, graças a quemperdeu, além de sua crueza original, boa parte de sua popularidade. Mas nenhumpoeta antes de Brecht aderira com tal coerência a essas formas populares e foratão bem-sucedido em obter para elas a categoria de grande poesia.Se somamos todas essas coisas — a ausência de peso e o anelo antes pelagravitação do que pela força da gravidade, por um ponto central que seriarelevante no cenário do mundo moderno; a compaixão, a incapacidade quasenatural ou, como Brecht diria, animal, de suportar a visão do sofrimento deoutras pessoas —, torna-se fácil entender, sob as circunstâncias da época, a suadecisão de se alinhar ao Partido Comunista. No que se referia a Brecht, oprincipal fator dessa decisão foi que o Partido não só assumiu como sua a causados infelizes, como também contava com um conjunto de textos que podiamservir a todas as circunstâncias e ser citados tão interminavelmente como asSagradas Escrituras. Esse era o maior deleite de Brecht. Muito antes de ter lidotodos os livros — na verdade, logo após se unir a seus novos camaradas —,começou a se referir a Marx, Engels e Lênin como os “clássicos”. 52 Mas oprincipal foi que o Partido o levou a um contato diário com aquilo que suacompaixão já lhe dissera ser a realidade: a obscuridade e o grande frio nesse valede lágrimas.Bedenkt das Dunkel und die grosse KälteIn diesem Tale, das von Jammer schallt. 53Doravante não teria de comer seu chapéu; havia algo mais a fazer.E é aí, claro, que seus problemas, e nossos problemas com ele, começaram.Tão logo se uniu aos comunistas, descobriu que, para transformar um maumundo num mundo bom, não bastava “não ser bom”, mas era preciso que aprópria pessoa se tornasse má, e para exterminar a mesquinharia não devia havernada mesquinho que a pessoa não se dispusesse prontamente a fazer. Pois“Quem é você? Afunde na lama, beije o carniceiro, mas mude o mundo, omundo precisa mudar”. Mesmo no exílio, Trotski proclamava: “Só podemosestar certos com e pelo Partido, pois a história não providenciou nenhuma outraforma de se estar certo”. E Brecht elaborou: “Um homem tem dois olhos, oPartido tem mil olhos, o Partido vê sete países, um homem vê uma cidade. [...]
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Und man siehet die im Lichte
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Desde a Revolução Francesa, quando pela primeira vez o imenso fluxo dos
pobres irrompeu como uma torrente nas ruas da Europa, muitos foram os
revolucionários que, como Brecht, agiram por compaixão e a ocultaram por
vergonha sob a capa de teorias científicas e retórica insensível. Contudo, uns
pouquíssimos entre eles entenderam o insulto que se acrescentava às vidas
insultadas dos pobres com o fato de seus sofrimentos permanecerem nas
sombras e não serem sequer registrados na memória da humanidade.
Mitkämpfend fügen die grossen umstürzenden Lehrer des Volkes
Zu der Geschichte der herrschenden Klassen die der beherrschten. 51
Eis como Brecht o formulou na sua versão poética curiosamente barroca do
“Manifesto Comunista”, planejada como parte de um longo poema didático
“Sobre a natureza do homem”, moldado pelo “Sobre a natureza das coisas” de
Lucrécio, e que é um fracasso praticamente total. De qualquer forma, ele
entendeu e se sentiu ultrajado não só pelos sofrimentos dos pobres, como
também pela sua obscuridade; como John Adams, considerava o pobre como o
homem invisível. E foi por esse sentimento de ultraje, talvez ainda mais do que
por piedade e vergonha, que começou a esperar pelo dia em que se inverteria a
situação, quando as palavras de Saint-Just — “Les malhereux sont la puissance
de la terre” — se converteriam em realidade.
Além disso, foi por um sentimento de solidariedade para com os oprimidos e
esmagados que Brecht escreveu boa parte de sua poesia em forma de balada.
(Como outros mestres do século — W. H. Auden, por exemplo —, ele contava
com a vantagem do retardatário em relação aos gêneros do passado e portanto
tinha liberdade de escolha.) Pois a balada, gerada a partir de canções do povo e
das ruas, e, como os spirituals negros, com estrofes intermináveis onde as
criadas na cozinha lamentavam os amantes infiéis e os infanticidas inocentes —
“Die Mörder, denen viel Leides geschah” (“Os assassinos dolorosamente
atormentados pelo desgosto”) — sempre constituiu o veio da poesia não escrita,
a forma de arte, se é que foi, em que as pessoas condenadas à obscuridade e ao
esquecimento tentaram registrar suas histórias pessoais e criar sua imortalidade
poética própria. É desnecessário dizer que a canção popular inspirou uma
grandiosa poética em língua alemã antes de Brecht. As vozes das criadas soam