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ser tida como a melhor do que a mais medrosa. Ambas as emoções, por serem
puramente passivas, impossibilitam a ação. É por isso que Aristóteles tratava a
compaixão e o medo juntos. No entanto, seria totalmente equivocado reduzir a
compaixão ao medo — como se os sofrimentos de outros suscitassem em nós
medo por nós mesmos — ou o medo à compaixão — como se, no medo,
sentíssemos apenas compaixão por nós próprios. Surpreendemo-nos ainda mais
quando ouvimos (de Cícero em Tusculanae disputationes, iii, 21) que os estóicos
consideravam a paixão e a inveja nos mesmos termos: “Pois o homem que sofre
com a infelicidade de outro sofre também com a prosperidade de outro”. O
próprio Cícero se aproxima consideravelmente do núcleo da questão quando
indaga (ibid., iv, 56): “Por que a piedade ao invés de dar assistência, se possível?
Ou somos incapazes de ser generosos sem piedade?”. Em outras palavras, seriam
os seres humanos tão mesquinhos a ponto de serem incapazes de agir
humanamente, a menos que se sintam instigados e por assim dizer compelidos
pela sua própria dor, ao ver outros sofrerem?
Ao avaliar esses afetos, de pouco adianta levantarmos a questão do
desprendimento pessoal, ou antes a questão da abertura aos outros, que é de fato
a precondição para a “humanidade”, em qualquer acepção do termo. Parece
evidente que, a esse respeito, partilhar a alegria é absolutamente superior a
partilhar o sofrimento. A alegria, não a tristeza, é loquaz, e o diálogo
verdadeiramente humano difere da simples conversa, ou mesmo da discussão,
por ser inteiramente permeado pelo prazer com a outra pessoa e o que diz.
Poderíamos dizer que é ajustado à chave da alegria. O obstáculo para essa
alegria é a inveja, que na esfera da humanidade é o pior vício; mas a antítese da
compaixão não é a inveja, e sim a crueldade, que, como a compaixão, é um
afeto, pois é uma perversão, um sentimento de prazer ali onde naturalmente se
sentiria dor. O fato decisivo é que o prazer e a dor, como tudo que é instintivo,
tendem à mudez e, embora possam produzir sons, não produzem fala e,
certamente, tampouco diálogo.
Tudo isso é apenas uma forma de dizer que o humanitarismo da fraternidade
dificilmente condiz com os que não pertencem aos insultados e injuriados e que
só podem dela partilhar através de sua compaixão. A cordialidade dos povos
párias não pode legitimamente se estender àqueles cuja posição diferente no
mundo lhes impõe uma responsabilidade pelo mundo e não lhes permite
partilhar da alegre despreocupação dos párias. Mas é verdade que, em “tempos
sombrios”, a cordialidade, que é o substituto da luz para os párias, exerce um
grande fascínio sobre todos os que se sentem tão envergonhados pelo mundo tal