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homem viajou com as coisas que eram mais suas: com terra e cavalo, com
firmeza e silêncio, então se reuniram a ele abutres e céu. Por três dias viajou, de
noite e de manhã, até envelhecer o suficiente para não mais sofrer, quando
amparado e esgotado até a morte, viajou para o grande abrigo, para o descanso
eterno.” Há uma vitalidade gloriosa, triunfante nessa canção fúnebre, e é a
mesma vitalidade — o sentimento de que é divertido viver e que se divertir com
tudo é um sinal de vida — que nos deleita no cinismo e sarcasmo lírico das
canções de A ópera dos três vinténs. Não foi à toa que Brecht se serviu tão
generosamente de uma tradução alemã de Villon — coisa que a justiça alemã,
infelizmente, chamava de plágio. Ele celebra o mesmo amor pelo mundo, a
mesma gratidão para com o céu e a terra, para com o simples fato de ter nascido
e estar vivo, e tenho certeza de que Villon não se importaria.
Segundo nossa tradição, o deus desse amor arrojado, despreocupado, feliz pelo
céu e pela terra é o grande ídolo fenício Baal, o deus dos bêbados, glutões,
fornicadores. “Sim, esse planeta agrada a Baal, quando menos por não existir
nenhum outro”, diz o jovem Brecht no “Coral do homem Baal”, cujas primeira e
última estrofes são excelente poesia, principalmente quando reunidas:
Als im weissen Mutterschosse aufwuchs Baal
War der Himmel schon so gross und still und fahl
Jung und nackt und ungeheuer wundersam
Wie ihn Baal dann liebte, als Baal kam.
Als im dunklen Erdenschosse faulte Baal
War der Himmel noch so gross und still und fahl
Jung und nackt und ungeheuer wunderbar
Wie ihn Baal einst liebte, als Baal war. 37
O que importa, uma vez mais, é o céu, o céu que lá estava antes que existisse o
homem e lá estará depois que ele se for, de modo que a melhor coisa que pode
fazer o homem é amar aquilo que por um breve tempo é seu. Se eu fosse crítica
literária, continuaria a comentar o papel absolutamente importante
desempenhado pelo céu nos poemas de Brecht, em especial em seus poucos e
lindíssimos poemas de amor. O amor, em “Recordação de Marie A.”, 38 é o
pequeno e puro branco de uma nuvem contra o azul cerúleo ainda mais puro do
céu de verão, aí florescendo por alguns instantes e desvanecendo-se com o
vento. Ou, em A ascensão e queda da cidade de Mahagonny, o amor é o vôo das