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Homens Em Tempos Sombrios - Hannah Arendt

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mais famoso. Pertence a Svendborger Gedichte, uma série de poemas escritos

durante o exílio na Dinamarca, durante os anos 1930, e se intitula “Aos nascidos

depois de nós”. 26 Como no anterior “Sobre o pobre B. B.”, a ênfase recai sobre

as catástrofes da época pelo mundo e sobre a necessidade de se manter um

estoicismo em relação a tudo o que ocorre à pessoa. Mas agora que os

“terremotos vindouros” chegaram, desapareceram todas as alusões estritamente

biográficas. (“Sobre o pobre B. B.” começa e termina com a história real de sua

origem: “Eu, Bertolt Brecht, vim das florestas negras. Minha mãe me levou para

as cidades quando estava dentro dela. E o frio das florestas ficará comigo até o

dia de minha morte”. Sua mãe vinha da Floresta Negra, e sabemos, a partir de

poemas sobre sua morte publicados postumamente, que ela era muito próxima a

ele.) 27 É um poema sobre os que “vivem em tempos sombrios” e seus versos

principais dizem:

Às cidades cheguei em tempo de desordem, quando reinava a fome. Entre os

homens cheguei em tempo de revolta, e me revoltei com eles. Assim passou o

tempo que me foi dado na terra.

Comi entre batalhas, dormi entre assassinos, era descuidado no amor e

olhava impaciente a natureza. Assim passou o tempo que me foi dado na terra.

Quando vivi, a rua levava ao pântano. A fala me denunciou ao carniceiro.

Pouco poderia fazer. Mas, esperava, os governantes ficavam mais seguros sem

mim. Assim passou o tempo que me foi dado na terra.

[...] Vocês que emergirão da torrente em que nos afogamos, lembrem-se, ao

falar de nossa fraqueza, do tempo sombrio a que escaparam.

[...] Ai, nós que queríamos preparar o terreno para a bondade não podíamos

ser bons.

[...] Lembrem-se de nós com indulgência.

Sim, realmente, façamos isso, lembremo-nos dele com indulgência, quando

menos por ter sido muito mais marcado pelas catástrofes da época pelo mundo

do que por qualquer outra coisa que lhe dissesse respeito. E não esqueçamos que

o sucesso nunca virou sua cabeça. Ele sabia que “wenn mein Glück aussetzt, bin

ich verloren” (“quando minha sorte me deixar, estarei perdido”). E seu orgulho

era confiar antes em sua sorte do que em seus dons, crer-se antes afortunado do

que extraordinário. Num poema escrito poucos anos depois, durante a guerra,

onde contava suas perdas em termos de amigos mortos — para mencionar

apenas os que ele mesmo mencionou, Margarete Steffin, “professorinha da

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