Homens Em Tempos Sombrios - Hannah Arendt

hernandesjuan81
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23.03.2022 Views

Keine Höhlung in des Stuhls Geflecht.Sondern es gestattet, dass auf seinemPlatz ein anderer sich reicher zeigt.Wirklich er verwehrt es keinemDort zu reden, wo er schweigt.Esse auto-retrato, o retrato brechtiano do poeta quando jovem — pois é nissoque realmente consiste o poema —, apresentando o poeta em toda a suadistância, sua mescla de orgulho e humildade, “um estranho e amigo de todos”,portanto rejeitado e bem-vindo, bom só para “Hin- und Widerreden” (“conversae réplica”), inútil para a vida cotidiana, silencioso sobre si próprio, como se nãotivesse nada a comentar, curioso e com uma desesperada necessidade dequalquer pedacinho de realidade que consiga apreender, oferece-nos ao menosuma sugestão das enormes dificuldades que o jovem Brecht deve ter enfrentadopara se pôr à vontade no mundo de seus companheiros humanos. (Existe umoutro depoimento pessoal, uma espécie de poema em prosa, de um períodoposterior: “Cresci como filho de gente próspera. Meus pais colocaram um colarem meu pescoço, educaram-me nos hábitos de ser servido e ensinaram-me a artede dar ordens. Mas, quando cresci e olhei à minha volta, não gostei da gente daminha classe, nem de dar ordens ou de ser servido. E abandonei minha classe eme juntei à companhia de gente simples”. 20 Provavelmente é verdade, embora jásoe um pouco programático. Não é um auto-retrato, mas um certo estilo de falarsobre si.) O fato de só podermos adivinhar quem era ele, dessa maneira maispessoal, através de alguns versos dos seus primeiros poemas é algo que depõeinteiramente a seu favor. E ainda há certos aspectos de seu comportamentoposterior, abertamente reconhecido, que podem ser entendidos com o auxíliodesses primeiros versos.Em primeiro lugar, e desde o princípio, havia a estranha inclinação de Brechtpara o anonimato e uma extraordinária aversão a qualquer estardalhaço — à poseda torre de marfim, mas também à má fé ainda mais irritante dos “profetas dopovo” ou das “vozes” da História, e a tudo o que “a venda de valores” (“derAusverkauf der Werte” era uma espécie de lema da época) oferecia aos seusclientes nos anos 1920. Mas aí havia mais do que uma repulsa natural de umhomem muito inteligente e altamente cultivado pelos maus modos intelectuaisque o cercavam. Brecht desejava ardentemente ser (ou, de qualquer forma, sertomado por) um homem comum — não ser diferenciado pela posse de dons

especiais, mas ser como todo mundo. E é claro que essas duas disposiçõespessoais intimamente ligadas — o anônimo e o comum — se desenvolveramplenamente muito antes que as adotasse como pose. Elas o predispuseram a duasatitudes aparentemente opostas, que mais tarde desempenharam um grande papelem sua obra: sua perigosa predileção pelo trabalho ilegal, que exige que seeliminem todos os traços, esconda-se o rosto, apague-se a identidade, perca-se onome, “fale-se mas oculte-se o falante, conquiste-se mas oculte-se oconquistador, morra-se mas oculte-se a morte” 21 — bem jovem, muito antes depensar em qualquer “Elogio ao trabalho clandestino”, 22 escrevera um poemasobre seu irmão falecido, que tinha “morrido secretamente e rapidamente sedesintegrou pois pensava que ninguém o via” 23 — e sua singular insistência emreunir em torno de si os chamados “colaboradores”, que eram muitas vezesmediocridades indescritíveis, como se alegasse incessantemente: Todos podemfazer o que estou fazendo; é uma questão de se aprender, e não precisa ou nem seexige nenhum dom especial. Numa muito precoce “Epístola sobre o suicídio”,publicada postumamente, ele discute as razões que se poderiam dar para talgesto, as quais não seriam as verdadeiras razões, pois estas pareceriamdemasiado “grandiosas”: “De qualquer forma, não deve parecer que a pessoatenha uma opinião muito elevada sobre si mesma”. 24 Exatamente, e isso é talvezduplamente verdadeiro para pessoas que, como Brecht, são tentadas, não porfama ou lisonja, mas pela manifestação objetiva de dons que dificilmenteconseguiriam ignorar, a ter uma opinião muito elevada a seu próprio respeito. Ese ele levou essa atitude a extremos absurdos — uma superestimação absurda doaparato clandestino do Partido Comunista, exigências absurdas de que seus“colaboradores” aprendessem o que estava além da aprendizagem —, é precisoadmitir que o meio literário e intelectual dos anos 1920 na Alemanharepresentava uma tentação de esvaziar a pomposidade a que, mesmo sem adisposição específica de Brecht, era difícil de resistir. Os versos zombeteirossobre o comportamento de seus colegas poetas em A ópera dos três vinténsacertam bem no alvo:Ich selber könnte mich durchaus begreifenWenn ich mich lieber gross und einsam säheDoch sah ich solche Leute aus der NäheDa sagt ich mir: Das musst du dir verkneifen. 25Há mais um poema onde Brecht fala explicitamente de si, e provavelmente é o

especiais, mas ser como todo mundo. E é claro que essas duas disposições

pessoais intimamente ligadas — o anônimo e o comum — se desenvolveram

plenamente muito antes que as adotasse como pose. Elas o predispuseram a duas

atitudes aparentemente opostas, que mais tarde desempenharam um grande papel

em sua obra: sua perigosa predileção pelo trabalho ilegal, que exige que se

eliminem todos os traços, esconda-se o rosto, apague-se a identidade, perca-se o

nome, “fale-se mas oculte-se o falante, conquiste-se mas oculte-se o

conquistador, morra-se mas oculte-se a morte” 21 — bem jovem, muito antes de

pensar em qualquer “Elogio ao trabalho clandestino”, 22 escrevera um poema

sobre seu irmão falecido, que tinha “morrido secretamente e rapidamente se

desintegrou pois pensava que ninguém o via” 23 — e sua singular insistência em

reunir em torno de si os chamados “colaboradores”, que eram muitas vezes

mediocridades indescritíveis, como se alegasse incessantemente: Todos podem

fazer o que estou fazendo; é uma questão de se aprender, e não precisa ou nem se

exige nenhum dom especial. Numa muito precoce “Epístola sobre o suicídio”,

publicada postumamente, ele discute as razões que se poderiam dar para tal

gesto, as quais não seriam as verdadeiras razões, pois estas pareceriam

demasiado “grandiosas”: “De qualquer forma, não deve parecer que a pessoa

tenha uma opinião muito elevada sobre si mesma”. 24 Exatamente, e isso é talvez

duplamente verdadeiro para pessoas que, como Brecht, são tentadas, não por

fama ou lisonja, mas pela manifestação objetiva de dons que dificilmente

conseguiriam ignorar, a ter uma opinião muito elevada a seu próprio respeito. E

se ele levou essa atitude a extremos absurdos — uma superestimação absurda do

aparato clandestino do Partido Comunista, exigências absurdas de que seus

“colaboradores” aprendessem o que estava além da aprendizagem —, é preciso

admitir que o meio literário e intelectual dos anos 1920 na Alemanha

representava uma tentação de esvaziar a pomposidade a que, mesmo sem a

disposição específica de Brecht, era difícil de resistir. Os versos zombeteiros

sobre o comportamento de seus colegas poetas em A ópera dos três vinténs

acertam bem no alvo:

Ich selber könnte mich durchaus begreifen

Wenn ich mich lieber gross und einsam sähe

Doch sah ich solche Leute aus der Nähe

Da sagt ich mir: Das musst du dir verkneifen. 25

Há mais um poema onde Brecht fala explicitamente de si, e provavelmente é o

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