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viver num lugar onde ocorrem coisas piores que o fuzilamento àqueles que
discordam dos que tomaram o poder de fato. O próprio Brecht não foi molestado
— nem mesmo nos anos que precederam à morte de Stálin. Mas, como não era
bobo, devia saber que sua segurança pessoal derivava do fato de que Berlim
Oriental era um lugar excepcional, a vitrina de exposição do Leste durante os
anos 1950, em concorrência desesperada com o setor ocidental da cidade, apenas
a duas estações de metrô adiante. Nessa concorrência, o Berliner Ensemble — a
companhia de teatro que Brecht, sob a égide do governo alemão oriental,
formou, liderou, produziu e dirigiu — era, e continua até hoje a ser, o maior
trunfo do regime alemão oriental, da mesma forma como é talvez a única
realização cultural importante da Alemanha pós-guerra. Assim, por sete anos,
Brecht viveu e trabalhou em paz sob as vistas — de fato, sob a proteção — de
observadores ocidentais, mas agora em contato infinitamente mais próximo do
que nunca com um Estado totalitário, vendo os sofrimentos de seu próprio povo
com seus próprios olhos. E a conseqüência foi que nesses sete anos não produziu
uma única peça nem um único grande poema, tampouco concluiu a Salzburger
Totentanz, iniciada em Zurique, e que — a julgar pelos fragmentos que só
conheço pela tradução de Eric Bentley — poderia ter sido uma de suas grandes
peças. 15 Brecht sabia desse transe, sabia que não conseguiria escrever em Berlim
Oriental. Pouco antes de sua morte, segundo registros, ele comprou uma casa na
Dinamarca e também pensou em se mudar para a Suíça. 16 Ninguém se mostrara
mais ansioso para voltar para casa — “Não ponha nenhum prego na parede,
jogue o paletó na cadeira. [...] Por que abrir a gramática estrangeira? A notícia
que o chama para casa está escrita em língua familiar” — e, quando estava para
morrer, tudo em que pensava era no exílio.
Portanto, ao lado do grande poeta e dramaturgo, há também o caso de Bertolt
Brecht. E esse caso se refere a todos os cidadãos que desejam partilhar seu
mundo com os poetas. Não pode ser deixado aos departamentos de literatura,
mas é também assunto dos cientistas políticos. O mau comportamento crônico
dos poetas e artistas é um problema político, e às vezes moral, que vem desde a
antiguidade. Na discussão subseqüente deste caso, eu me prenderei aos dois
pressupostos mencionados. Em primeiro lugar, embora no geral Goethe estivesse
certo e aos poetas seja permitido mais do que aos comuns mortais, eles também
podem pecar tão gravemente que têm de arcar com toda sua carga de culpa e
responsabilidade. E, em segundo lugar, a única forma de determinar
inequivocamente o peso de seus pecados é ouvir sua poesia — o que significa,
suponho, que a faculdade de escrever um bom verso não depende