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Homens Em Tempos Sombrios - Hannah Arendt

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detrimento da República espanhola, usando as desventuras dos espanhóis para se

desforrarem de todos os anti-stalinistas dentro e fora do Partido. (Ele disse em

1938: “Realmente não tenho amigos lá [em Moscou]; e as pessoas em Moscou

tampouco têm amigos — como os mortos”.) 13 E não veio quando, na época do

pacto Hitler-Stálin, Brecht não foi capaz de falar claramente, muito menos de

romper suas relações com o Partido; pelo contrário, os anos que passou no

exílio, primeiro na cidade dinamarquesa de Svendborg e a seguir em Santa

Monica, foram em termos criativos os melhores anos de sua vida, comparável

em pura produtividade apenas à sua juventude, quando ainda não estava

influenciado pela ideologia e não se submetera a nenhuma disciplina política.

Ela finalmente veio depois de ter se estabelecido em Berlim Oriental, onde podia

ver, dia após dia, o que significava para as pessoas viver sob um regime

comunista.

Não que ele quisesse se estabelecer lá; de dezembro de 1947 ao outono de

1949 esperara em Zurique a permissão para se estabelecer em Munique, 14 e

apenas quando teve de abandonar qualquer esperança de obtê-la é que decidiu ir

para casa como melhor conseguisse — bem prevenido contra todos os riscos,

com um passaporte tchecoslovaco a ser logo trocado por um austríaco, uma

conta bancária na Suíça e um editor alemão ocidental. Até aquele infeliz

momento, tivera o máximo cuidado em não entrar em contato íntimo com seus

amigos no Leste. Em 1933, quando muitos de seus amigos tolamente

acreditavam que encontrariam asilo na Rússia Soviética, ele foi para a

Dinamarca e, quando fugiu da Europa no início da guerra, embora chegasse aos

Estados Unidos via Vladivostok, mal parou em Moscou, nunca sequer

considerando a Rússia — era a época do pacto Hitler-Stálin — como um

possível local de refúgio. Independentemente do fato de nunca ter caído nas

graças do Partido Comunista Russo — do princípio ao fim ele só foi apreciado

por platéias livres dos países ocidentais —, deve ter tido um pressentimento de

que a distância poética que conseguiria manter em relação à política comunista,

mesmo quando se encontrava mais profundamente comprometido com a “causa”

(ao que parece, nunca chegou a se filiar ao Partido), não resistiria à violência da

realidade soviética, tal como não resistiu à violência infinitamente menos

horrível da realidade da Alemanha de Ulbricht. O elemento jocoso, tão

importante em sua obra, possivelmente não conseguiria sobreviver com a

proximidade dos mesmos horrores que jocosamente ele abordava. Afinal, uma

coisa é dizer aos amigos e conhecidos com opiniões discordantes: “Fuzilaremos

vocês também quando tomarmos o poder”, e outra coisa totalmente diferente é

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