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relevância política, devemos nos deter por um momento sobre a fraternidade, tal
como a entendia o século xviii. Lessing também estava bem familiarizado com
ela; ele falou dos “sentimentos filantrópicos”, de um apego fraternal a outros
seres humanos que brota do ódio ao mundo onde os homens são tratados
“inumanamente”. Para nossos propósitos, porém, é importante o fato de a
humanidade se manifestar mais freqüentemente nessa fraternidade em “tempos
sombrios”. Esse tipo de humanidade realmente se torna inevitável quando os
tempos se tornam tão extremadamente sombrios para certos grupos de pessoas
que não mais lhes cabe, à sua percepção ou à sua escolha, retirar-se do mundo. A
humanidade sob a forma de fraternidade, de modo invariável, aparece
historicamente entre povos perseguidos e grupos escravizados; e, na Europa do
século xviii, deve ter sido absolutamente natural detectá-la entre os judeus, que
eram então recém-chegados nos círculos literários. Esse tipo de humanidade é o
grande privilégio de povos párias; é a vantagem que os párias deste mundo,
sempre e em todas as circunstâncias, podem ter sobre os outros. O privilégio é
obtido a alto preço; freqüentemente vem acompanhado de uma perda tão radical
do mundo, por uma atrofia tão imensa de todos os órgãos com que reagimos a
ele — começando desde o senso comum com que nos orientamos num mundo
comum a nós e outros, e indo até o senso de beleza ou gosto estético com que
amamos o mundo —, que em casos extremos, onde o caráter pária persiste
durante séculos, podemos falar de uma real ausência de mundanidade. E a
ausência de mundanidade — ai! — é sempre uma forma de barbarismo.
Nessa humanidade por assim dizer organicamente evoluída, é como se, sob a
pressão da perseguição, os perseguidos tivessem se aproximado tanto entre si
que o espaço intermediário que chamamos mundo (e que, evidentemente, existia,
antes da perseguição, mantendo uma distância entre eles) simplesmente
desapareceu. Isso provoca um calor nas relações humanas que pode surpreender
como um fenômeno quase físico quem teve alguma experiência com esses
grupos. É claro que não pretendo sugerir que esse calor dos povos perseguidos
não seja uma grande coisa. Em seu pleno desenvolvimento, pode nutrir uma
generosidade e uma pura bondade de que os seres humanos, de outra forma,
dificilmente são capazes. Muitas vezes, é também a fonte de uma vitalidade e
alegria pelo simples fato de estarem vivos, antes sugerindo que a vida só se
realiza plenamente entre os que, em termos mundanos, são os insultados e
injuriados. Mas, ao dizer isso, não podemos esquecer que o encanto e a
intensidade da atmosfera que se desenvolve devem-se também ao fato de que os
párias deste mundo desfrutam do grande privilégio de não arcarem com a