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No entanto, a biografia política de Brecht, uma espécie de história de caso
sobre a relação incerta entre poesia e política, não é um assunto ligeiro, e agora,
quando sua fama é sólida, pode ter chegado o momento em que é possível
levantar certas questões sem ser mal entendidas. Certamente o fato da adesão
doutrinária e muitas vezes ridícula à ideologia comunista como tal dificilmente
deve suscitar um interesse sério. Num poema escrito nos Estados Unidos durante
a guerra, mas publicado apenas recentemente, o próprio Brecht definiu o único
ponto importante. Dirigindo-se aos seus companheiros poetas alemães sob
Hitler, disse: “Fiquem de guarda, vocês que cantam esse homem Hitler. Eu [...]
sei que ele logo morrerá e, morrendo, terá sobrevivido à sua fama. Mas, mesmo
que ele tivesse tornado a terra inabitável ao conquistá-la, nenhum poema em seu
louvor poderia durar. Certo, muito rapidamente o lamento de dor de continentes
inteiros se desvanece a abafar o hino ao torturador. Certo, os que louvam o
ultraje têm, eles também, vozes primorosas. E no entanto é o canto do cisne
moribundo que é considerado o mais belo: ele canta sem medo”. 4 Brecht estava
certo e errado; nenhum poema em louvor a Hitler ou à guerra hitlerista
sobreviveu à morte de Hitler, porque nenhum celebrante tinha uma “voz
primorosa”. (O único poema alemão da última guerra que perdurará é Cruzada
das crianças de 1939, do próprio Brecht, balada escrita no comovente tom triste
e amargo das canções populares, contando a história de 55 órfãos de guerra e um
cachorro na Polônia que partiram para “ein Land, wo Frieden war” — “uma
terra onde estava a paz” — e não sabiam o caminho.) Mas a voz de Brecht soa
nos versos bastante primorosa para seus companheiros poetas, e simplesmente
não se entende por que não os publicou — a menos que pudesse saber como uma
mera alteração de nomes faria o poema se voltar como um bumerangue contra si:
e sua ode a Stálin e seu louvor aos crimes stalinistas, escritos e publicados
quando estava em Berlim Oriental, mas misericordiosamente omitidos da
coleção de suas obras? Ele não sabia o que estava fazendo? Oh, sim, sabia:
“Ontem à noite num sonho vi dedos apontados a mim como se eu fosse um
leproso. Eram velhos e estavam mutilados. ‘Vocês não sabem!’, gritei com
consciência de culpa”. 5
Falar sobre poetas é uma tarefa incômoda; os poetas são para se citar, não para
se falar. Os especializados em literatura, entre os quais agora encontramos os
“especialistas em Brecht”, aprenderam a superar esse incômodo, mas não sou
um deles. A voz dos poetas, porém, concerne a todos nós, não apenas aos críticos
e especialistas; concerne a nós em nossas vidas privadas e também na medida
em que somos cidadãos. Não precisamos tratar de poetas engagés para nos