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que se refere todo o pensamento” (“A tarefa do tradutor”), e esta é “a verdadeira
linguagem” cuja existência pressupomos inconscientemente tão logo traduzimos
de uma para outra língua. Eis por que Benjamin coloca no centro de seu ensaio
“A tarefa do tradutor” a surpreendente citação de Mallarmé, onde as línguas
faladas em sua multiplicidade e diversidade sufocam, por assim dizer, em virtude
de seu tumulto babélico, a immortelle parole, que não pode ser sequer pensada,
visto que “pensar é escrever sem implementos ou sussurros, silenciosamente”, e
assim impede que a voz da verdade seja ouvida na Terra com a força da
evidência material e tangível. Quaisquer revisões teóricas que Benjamin possa
posteriormente ter efetuado nessas convicções teológico-metafísicas, sua
abordagem básica, decisiva para todos os seus estudos literários, manteve-se
inalterada: não investigar as funções utilitárias ou comunicativas das criações
lingüísticas, mas compreendê-las em sua forma cristalizada, e portanto
finalmente fragmentária, como enunciações não intencionais e não
comunicativas de uma “essência do mundo”. O que isso significa senão que ele
entendia a linguagem como um fenômeno essencialmente poético? E é
precisamente o que a última frase do aforismo de Mallarmé, que ele não cita, diz
com clareza inequívoca: “Seulement, sachons n’existerait pas le vers: lui,
philosophiquement remunère le défaut des langues, complément supérieur” —
tudo isso seria verdadeiro se a poesia não existisse, o poema que filosoficamente
torna bom o defeito das línguas é o seu complemento superior. 32 Tudo isso diz
apenas, ainda que de forma ligeiramente mais complexa, o que mencionei antes
— a saber, tratamos aqui de algo que pode não ser único, mas com certeza é
extremamente raro: o dom de pensar poeticamente.
E esse pensar, alimentado pelo presente, trabalha com os “fragmentos do
pensamento” que consegue extorquir do passado e reunir sobre si. Como um
pescador de pérolas que desce ao fundo do mar, não para escavá-lo e trazê-lo à
luz, mas para extrair o rico e o estranho, as pérolas e o coral das profundezas, e
trazê-los à superfície, esse pensar sonda as profundezas do passado — mas não
para ressuscitá-lo tal como era e contribuir para a renovação de eras extintas. O
que guia esse pensar é a convicção de que, embora o vivo esteja sujeito à ruína
do tempo, o processo de decadência é ao mesmo tempo um processo de
cristalização, que nas profundezas do mar, onde afunda e se dissolve aquilo que
outrora era vivo, algumas coisas “sofrem uma transformação marinha” e
sobrevivem em novas formas e contornos cristalizados que se mantêm imunes
aos elementos, como se apenas esperassem o pescador de pérolas que um dia
descerá até elas e as trará ao mundo dos vivos — como “fragmentos do