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iii. o pescador de pérolas
A cinco braças jaz teu pai,
De seus ossos fez-se coral,
Essas são pérolas que foram seus olhos.
Nada dele desaparece
Mas sofre uma transformação marinha
Em algo rico e estranho.
A tempestade, i, 2
Na medida em que o passado foi transmitido como tradição, possui autoridade;
na medida em que a autoridade se apresenta historicamente, converte-se em
tradição. Walter Benjamin sabia que a ruptura da tradição e a perda de
autoridade que ocorriam durante sua vida eram irreparáveis e concluiu que teria
de descobrir novas formas de tratar o passado. Nisso tornou-se mestre ao
descobrir que a transmissibilidade do passado fora substituída pela sua
citabilidade e que, no lugar de sua autoridade, surgira um estranho poder de se
assentar aos poucos no presente e de privá-lo da “paz mental”, a paz descuidada
da complacência. “As citações em minhas obras são como assaltantes à beira da
estrada que fazem um assalto armado e aliviam um ocioso de suas convicções”
(Schriften, vol. i, p. 571). Essa descoberta da função moderna das citações,
segundo Benjamin, que a exemplificava com Karl Kraus, nascera do desespero
— não o desespero de um passado que recusa “lançar sua luz sobre o futuro” e
deixa a mente humana “vaguear na escuridão”, como em Tocqueville, mas o
desespero do presente e o desejo de destruí-lo; daí que seu poder seja “não a
força para preservar, mas para limpar, arrancar do contexto, destruir” (Schriften,
vol. ii, p. 192). Ainda assim, os descobridores e amantes desse poder destrutivo
estavam originalmente inspirados por uma intenção totalmente diferente, a
intenção de preservar; e só porque não se deixaram enganar pelos
“preservadores” profissionais a seu redor é que finalmente descobriram que o
poder destrutivo das citações era “o único que ainda traz a esperança de que
sobreviva algo deste período — por nenhuma outra razão além da de ter sido
arrancado dele”. Sob essa forma de “fragmentos do pensamento”, as citações
têm a dupla tarefa de interromper o fluxo da apresentação com uma “força
transcendente” (Schriften, vol. i, pp. 142-3) e, ao mesmo tempo, de concentrar
em si o que é apresentado. Quanto ao seu peso nos textos de Benjamin, as
citações só se comparam às referências bíblicas muito díspares que tantas vezes