Homens Em Tempos Sombrios - Hannah Arendt
discurso entre pensadores. O pensamento de Lessing não é o diálogo silencioso(platônico) entre mim e mim mesmo, mas um diálogo antecipado com outros, e éessa a razão de ser essencialmente polêmico. Mas mesmo que tivesse conseguidorealizar seu discurso com outros pensadores independentes e assim escapar auma solidão que, para ele em particular, paralisava todas as faculdades,dificilmente se persuadiria de que isso resolvia tudo. Pois o que estava errado, eque nenhum diálogo nem pensamento independente jamais poderia resolver, erao mundo — a saber, a coisa que surge entre as pessoas e na qual tudo o que osindivíduos trazem inatamente consigo pode se tornar visível e audível. Nosduzentos anos que nos separam da vida de Lessing, muita coisa mudou a esserespeito, mas pouco mudou para melhor. Os “pilares das verdades mais bemconhecidas” (para manter sua metáfora), que naquela época tremiam, hoje estãodespedaçados; não mais precisamos da crítica nem de homens sábios que asfaçam tremer. Precisamos apenas olhar em torno para ver que nos encontramosem meio a um verdadeiro monte de entulhos daqueles pilares.Agora, num certo sentido, isso poderia ser uma vantagem, promovendo umnovo tipo de pensamento que não necessita de pilares ou arrimos, padrões outradições, para se mover livre e sem muletas por terrenos desconhecidos. Mascom o mundo tal como está fica difícil aproveitar essa vantagem. Pois há muitotempo se tornou evidente que os pilares das verdades também eram os pilares daordem política, e que o mundo (em oposição às pessoas que nele habitam e semovem livremente) precisa de tais pilares para garantir a continuidade epermanência, sem as quais não pode oferecer aos homens mortais o larrelativamente seguro, relativamente imperecível de que necessitam. Certamente,a própria humanidade do homem perde sua vitalidade na medida em que ele seabstém de pensar e deposita sua confiança em velhas ou mesmo novas verdades,lançando-as como se fossem moedas com que se avaliassem todas asexperiências. E, no entanto, se isso é verdadeiro para o homem, não é verdadeiropara o mundo. O mundo se torna inumano, inóspito para as necessidadeshumanas — que são as necessidades de mortais —, quando violentamentelançado num movimento onde não existe mais nenhuma espécie de permanência.É por isso que, desde o grande fracasso da Revolução Francesa, as pessoasrepetidamente vêm reerguendo os velhos pilares que haviam sido entãoderrubados, apenas para novamente vê-los de início oscilar e a seguir ruir outravez mais. Os erros mais terríveis substituíram as “verdades mais bemconhecidas”, e o erro dessas doutrinas não constitui nenhuma prova, nenhumnovo pilar para as velhas verdades. No âmbito político, a restauração nunca é um
substituto para uma nova fundação, mas será, no máximo, uma medida deemergência que se torna inevitável quando o ato de fundação, chamadorevolução, fracassa. Mas é igualmente inevitável que, numa tal constelação,principalmente quando se estende por períodos tão longos de tempo, adesconfiança das pessoas em relação ao mundo e a todos os aspectos do âmbitopúblico deva crescer constantemente. Pois a fragilidade desses esteiosrepetidamente restaurados da ordem pública está fadada a se tornar cada vezmais evidente após cada colapso, de modo que, ao final, a ordem pública sebaseia na sustentação pelas pessoas da auto-evidência justamente daquelas“verdades mais bem conhecidas” em que, intimamente, quase ninguém maisacredita.
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substituto para uma nova fundação, mas será, no máximo, uma medida de
emergência que se torna inevitável quando o ato de fundação, chamado
revolução, fracassa. Mas é igualmente inevitável que, numa tal constelação,
principalmente quando se estende por períodos tão longos de tempo, a
desconfiança das pessoas em relação ao mundo e a todos os aspectos do âmbito
público deva crescer constantemente. Pois a fragilidade desses esteios
repetidamente restaurados da ordem pública está fadada a se tornar cada vez
mais evidente após cada colapso, de modo que, ao final, a ordem pública se
baseia na sustentação pelas pessoas da auto-evidência justamente daquelas
“verdades mais bem conhecidas” em que, intimamente, quase ninguém mais
acredita.