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no sentido dessa rebelião dupla contra o lar familiar e a vida literária judaicoalemã.
Dois anos depois, encontrou Gerhard Scholem, vendo nele pela primeira
e única vez o “judaísmo em forma viva”; logo a seguir, veio o começo daquela
avaliação curiosa e interminável, que se estendeu por um período de quase vinte
anos, sobre a emigração para a Palestina. “Sob certas, mas de modo algum
impossíveis, condições, estou pronto, se não determinado [a ir para a Palestina].
Aqui na Áustria, os judeus (os decentes, aqueles que não estão ganhando
dinheiro) não falam de outra coisa.” Assim escreveu em 1919 (Briefe, vol. i, p.
222), mas ao mesmo tempo considerava esse plano como um “ato de violência”
(Briefe, vol. i, p. 208), impraticável a menos que se mostrasse necessário.
Sempre que surgia essa necessidade política ou financeira, ele reconsiderava o
projeto e não ia. É difícil dizer se ainda levava isso a sério, depois da sua
separação da esposa, que provinha de um ambiente sionista. Mas é certo que,
mesmo durante seu exílio em Paris, anunciou que poderia ir “a Jerusalém em
outubro ou novembro, após uma conclusão mais ou menos definitiva de meus
estudos” (Briefe, vol. ii, p. 655). O que surpreende como uma indecisão nas
cartas, como se estivesse vacilando entre o sionismo e o marxismo, na verdade
provavelmente se devia à sua amarga percepção de que todas as soluções eram
não só objetivamente falsas e inadequadas à realidade, mas também o
conduziriam pessoalmente a uma falsa salvação, chamasse-se ela Moscou ou
Jerusalém. Sentia que se privaria das oportunidades cognitivas positivas de sua
própria posição — “no alto de um mastro que já se desmorona” ou “morto
durante a vida e o verdadeiro sobrevivente” entre as ruínas. Ele se estabelecera
nas condições desesperadas que correspondiam à realidade; lá queria permanecer
a fim de “desnaturar” seus textos “como álcool metílico [...] sob o risco de tornálos
impróprios para consumo” de qualquer pessoa então viva, mas com a chance
de serem preservados da forma mais confiável para um futuro desconhecido.
Pois a insolubilidade da questão judaica para aquela geração de forma alguma
consistia apenas no fato de falarem e escreverem em alemão, ou de que sua
“fábrica de produção” se localizasse na Europa — no caso de Benjamin, em
Berlim Oeste ou em Paris, coisa sobre a qual ele “não [tinha] a menor ilusão”
(Briefe, vol. ii, p. 531). O decisivo era que esses homens não queriam “voltar”
para as fileiras do povo judeu ou para o judaísmo, e nem poderiam querê-lo —
não só porque acreditavam no “progresso” e num desaparecimento automático
do anti-semitismo ou por estarem muito “assimilados” e muito alienados de sua
herança judaica, mas porque todas as tradições e culturas, bem como todas as
“pertenças”, tinham se tornado igualmente questionáveis para eles. Era isso o