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Homens Em Tempos Sombrios - Hannah Arendt

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“assimilacionistas vermelhos”. De modo notável e provavelmente único,

Benjamin manteve ambos os caminhos abertos para si durante anos; continuou a

considerar o caminho para a Palestina muito tempo depois de ter se tornado

marxista, sem se permitir ser desviado, por mínimo que fosse, pelas opiniões de

seus amigos de orientação marxista, principalmente os judeus. Isso mostra

claramente quão pouco lhe interessava o aspecto “positivo” dessas ideologias, e

que o que lhe importava em ambos os casos era o fator “negativo” de crítica às

condições existentes, um caminho para fora da hipocrisia e das ilusões

burguesas, uma posição fora da instituição literária e também acadêmica. Ele era

muito jovem quando adotou essa atitude radicalmente crítica, provavelmente

sem suspeitar a que isolamento e solidão ela ao final o conduziria. Assim, por

exemplo, lemos numa carta escrita em 1918 que Walther Rathenau,

reivindicando representar a Alemanha nos assuntos estrangeiros, e Rudolf

Borchardt, fazendo uma reivindicação semelhante em relação aos assuntos

espirituais alemães, tinham em comum a “vontade de mentir”, “a hipocrisia

objetiva” (Briefe, vol. i, pp. 189 e ss.). Nenhum queria “servir” uma causa com

suas obras — no caso de Borchardt, os “recursos espirituais e lingüísticos” do

povo; no de Rathenau, a nação —, mas ambos usavam suas obras e talentos

como “meios soberanos a serviço de uma vontade absoluta de poder”. Além do

mais, havia os littérateurs que punham seus dotes a serviço de uma carreira e

status social: “Ser um littérateur é viver sob o signo do mero intelecto, assim

como a prostituição é viver sob o signo do mero sexo” (Schriften, vol. ii, p. 179).

Assim como uma prostituta trai o amor sexual, um littérateur trai a mente, e era

essa traição da mente que os melhores dentre os judeus não podiam perdoar aos

seus colegas de vida literária. Com o mesmo tom, Benjamin escreveu cinco anos

depois — um ano após o assassinato de Rathenau — a um amigo íntimo alemão:

“os judeus hoje arruínam até a melhor causa alemã que publicamente defendem,

porque sua declaração pública é necessariamente venal (num sentido mais

profundo) e não pode dar provas de sua autenticidade” (Briefe, vol. i, p. 310).

Continuava dizendo que apenas as relações privadas, quase “secretas entre

alemães e judeus”, eram legítimas, ao passo que “tudo nas relações judaicoalemãs

que opera publicamente é prejudicial”. Havia muita verdade nessas

palavras. Escritas da perspectiva da questão judaica naquela época, fornecem

evidências sobre o caráter sombrio de um período em que se poderia dizer com

razão: “A luz do público obscurece tudo” (Heidegger).

Já em 1913, Benjamin avaliou a posição do sionismo “como uma

possibilidade e então talvez um compromisso necessário” (Briefe, vol. i, p. 44),

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