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1922): para Kafka, era “incompreensível que tivessem-no deixado viver por
tanto tempo”. 20 O que finalmente determinava a agudeza do problema era o fato
de não se ter manifestado simplesmente, ou mesmo primariamente, como uma
ruptura com a geração a que se poderia escapar abandonando lar e família. O
problema se apresentou dessa forma apenas a pouquíssimos escritores judaicoalemães,
e esses poucos estavam cercados por todos os outros já esquecidos, mas
dos quais só hoje se distinguem nitidamente, depois que a posteridade definiu
quem é quem. (“Sua função política”, escreveu Benjamin, “é estabelecer não
partidos, mas panelinhas, sua função literária é produzir não escolas, mas modas,
e sua função econômica é pôr no mundo não produtores, mas vendedores.
Vendedores ou espertinhos que sabem como gastar sua miséria como se fossem
ricos e que se regozijam com sua tediosa vacuidade. Não é possível se
estabelecer mais comodamente numa situação incômoda.” 21 Kafka, que
exemplificou essa situação na carta acima mencionada com “impossibilidades
lingüísticas”, acrescentando que “também [poderiam] ser chamadas de algo
completamente diferente”, indica uma “classe média lingüística” entre, por
assim dizer, o dialeto proletário e a prosa da classe alta; não são “nada além de
cinzas que podem ganhar uma aparência de vida somente com mãos judaicas
ultra-ávidas remexendo ansiosamente entre elas”. Nem é preciso acrescentar que
a maioria esmagadora dos judeus intelectuais pertencia a essa “classe média”;
segundo Kafka, constituíam “o inferno das letras, judaico-alemãs”, onde Karl
Kraus dominava como “o grande supervisor e chefe de serviços”, sem perceber o
quanto “ele mesmo pertence a esse inferno entre os que ali estão para serem
punidos”. 22 O fato de que essas coisas podem ser vistas de modo totalmente
diferente de uma perspectiva não judaica torna-se evidente quando se lê, num
dos ensaios de Benjamin, o que disse Brecht a respeito de Karl Kraus: “Quando
a era morreu por suas próprias mãos, ele foi essa mão” (Schriften, vol. ii, p. 174).
Para os judeus daquela geração (Kafka e Moritz Goldstein tinham apenas dez
anos a mais que Benjamin), as formas disponíveis de rebelião eram o sionismo e
o comunismo, e é de se notar que seus pais muitas vezes condenavam a rebelião
sionista mais asperamente que a comunista. Ambas eram caminhos de fuga da
ilusão para a realidade, da hipocrisia e auto-engano para a existência honesta.
Mas assim aparece apenas retrospectivamente. Na época em que Benjamin
tentou pela primeira vez um sionismo sem entusiasmo e a seguir um comunismo
basicamente não mais entusiasta, as duas ideologias se confrontavam com a
maior hostilidade: os comunistas difamavam os sionistas como fascistas
judeus, 23 e os sionistas chamavam os jovens judeus comunistas de