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própria obra, que traz a prosa alemã mais pura do século, é a melhor refutação de
seus pontos de vista. Mas tal demonstração, além de ser de mau gosto, é
totalmente supérflua, pois o próprio Kafka estava muito consciente dela — “Se
escrevo indiscriminadamente uma frase”, anotou uma vez em seus Diários, “ela
já é perfeita” 18 —, assim como era o único a saber que o “Mauscheln” (falando
um alemão iidichizado), embora desprezado por todos que falavam o alemão,
judeus ou não judeus, tinha um lugar legítimo na língua alemã, não sendo senão
um entre os numerosos dialetos alemães. E como ele corretamente pensava que,
“dentro da língua alemã, somente os dialetos e, além deles, o alto-alemão mais
pessoal estão realmente vivos”, era naturalmente tão legítimo mudar do
Mauscheln ou do iídiche para o alto-alemão, quanto mudar do baixo-alemão ou
do dialeto alemânico. Se se lêem as anotações de Kafka sobre a trupe de atores
judeus que tanto o fascinou, torna-se claro que o que o atraiu foram menos os
elementos especificamente judaicos do que a vivacidade da língua e dos gestos.
Obviamente hoje temos uma certa dificuldade em entender ou levar a sério
esses problemas, principalmente visto que é muito tentador interpretá-los mal e
descartá-los como mera reação ao ambiente anti-semita e, portanto, como
expressão de auto-aversão. Mas nada seria mais enganador, ao se tratar de
homens com a estatura humana e o nível intelectual de Kafka, Kraus e
Benjamin. O que deu a amarga agudeza às suas críticas nunca foi o antisemitismo
como tal, mas sim a reação a ele da classe média judaica, com que os
intelectuais de modo algum se identificavam. Aí também não era questão da
atitude apologética freqüentemente vil do judaísmo oficial, com a qual os
intelectuais dificilmente mantinham qualquer contato, mas a recusa mentirosa da
própria existência de um anti-semitismo generalizado, do isolamento da
realidade organizado e efetuado com todos os recursos da auto-ilusão por parte
da burguesia judaica, isolamento que para Kafka, e não só para ele, incluía a
separação muitas vezes hostil e sempre arrogante em relação ao povo judeu, os
chamados Ostjuden (judeus da Europa oriental) a quem responsabilizavam,
embora se soubesse que não era verdade, pelo anti-semitismo. O fator decisivo
nisso tudo era a perda da realidade, auxiliada e favorecida pela riqueza dessas
classes. “Entre as pessoas pobres”, escreveu Kafka, “o mundo, a afobação do
trabalho, por assim dizer, entra irresistivelmente nas choças [...] e não permite
que se crie o ar bolorento, poluído e destruidor da infância de um aposento
familiar belamente mobiliado”. 19 Eles lutavam contra a sociedade judaica pois
esta não lhes permitia viver no mundo tal como ele era, sem ilusões — assim,
por exemplo, a estarem preparados para o assassinato de Walther Rathenau (em