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discurso entre pensadores. O pensamento de Lessing não é o diálogo silencioso
(platônico) entre mim e mim mesmo, mas um diálogo antecipado com outros, e é
essa a razão de ser essencialmente polêmico. Mas mesmo que tivesse conseguido
realizar seu discurso com outros pensadores independentes e assim escapar a
uma solidão que, para ele em particular, paralisava todas as faculdades,
dificilmente se persuadiria de que isso resolvia tudo. Pois o que estava errado, e
que nenhum diálogo nem pensamento independente jamais poderia resolver, era
o mundo — a saber, a coisa que surge entre as pessoas e na qual tudo o que os
indivíduos trazem inatamente consigo pode se tornar visível e audível. Nos
duzentos anos que nos separam da vida de Lessing, muita coisa mudou a esse
respeito, mas pouco mudou para melhor. Os “pilares das verdades mais bem
conhecidas” (para manter sua metáfora), que naquela época tremiam, hoje estão
despedaçados; não mais precisamos da crítica nem de homens sábios que as
façam tremer. Precisamos apenas olhar em torno para ver que nos encontramos
em meio a um verdadeiro monte de entulhos daqueles pilares.
Agora, num certo sentido, isso poderia ser uma vantagem, promovendo um
novo tipo de pensamento que não necessita de pilares ou arrimos, padrões ou
tradições, para se mover livre e sem muletas por terrenos desconhecidos. Mas
com o mundo tal como está fica difícil aproveitar essa vantagem. Pois há muito
tempo se tornou evidente que os pilares das verdades também eram os pilares da
ordem política, e que o mundo (em oposição às pessoas que nele habitam e se
movem livremente) precisa de tais pilares para garantir a continuidade e
permanência, sem as quais não pode oferecer aos homens mortais o lar
relativamente seguro, relativamente imperecível de que necessitam. Certamente,
a própria humanidade do homem perde sua vitalidade na medida em que ele se
abstém de pensar e deposita sua confiança em velhas ou mesmo novas verdades,
lançando-as como se fossem moedas com que se avaliassem todas as
experiências. E, no entanto, se isso é verdadeiro para o homem, não é verdadeiro
para o mundo. O mundo se torna inumano, inóspito para as necessidades
humanas — que são as necessidades de mortais —, quando violentamente
lançado num movimento onde não existe mais nenhuma espécie de permanência.
É por isso que, desde o grande fracasso da Revolução Francesa, as pessoas
repetidamente vêm reerguendo os velhos pilares que haviam sido então
derrubados, apenas para novamente vê-los de início oscilar e a seguir ruir outra
vez mais. Os erros mais terríveis substituíram as “verdades mais bem
conhecidas”, e o erro dessas doutrinas não constitui nenhuma prova, nenhum
novo pilar para as velhas verdades. No âmbito político, a restauração nunca é um