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Homens Em Tempos Sombrios - Hannah Arendt

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escolhido expressar essa ambição em língua francesa: “Le but que je m’avais

proposé [...] c’est d’être considéré comme le premier critique de la littérature

allemande. La difficulté c’est que, depuis plus de cinquante ans, la critique

littéraire en Allemagne n’est plus considérée comme un genre sérieux. Se faire

une situation dans la critique, cela [...] veut dire: la recréer comme genre” [O

fim que eu me propusera [...] é o de ser considerado como o primeiro crítico da

literatura alemã. O problema é que há mais de cinqüenta anos, a crítica literária

na Alemanha não é mais considerada um gênero sério. Obter uma posição na

crítica [...] significa: recriá-la como gênero] (Briefe, vol. ii, p. 505).

Não há dúvida de que Benjamin devia essa escolha profissional a influências

francesas precoces, à proximidade da grande vizinha do outro lado do Reno, que

lhe inspirava um sentimento tão íntimo de afinidade. Mas é muito mais

sintomático que mesmo essa escolha de uma profissão fosse realmente motivada

por tempos duros e desgraças financeiras. Se se quiser expressar em categorias

sociais a “profissão” para a qual se preparara espontaneamente, ainda que talvez

não deliberadamente, é preciso recuar à Alemanha guilhermina sob a qual

crescera e onde tomaram forma seus primeiros planos para o futuro. Então se

poderia dizer que Benjamin não se preparou senão para a “profissão” de

colecionador particular e estudioso totalmente independente, o que na época se

chamava Privatgelehrter. Sob as condições da época, seus estudos, que iniciara

antes da Primeira Guerra Mundial, só poderiam desembocar numa carreira

universitária, mas os judeus não batizados ainda estavam impedidos de seguir

essa carreira, assim como de qualquer outra carreira no serviço público civil.

Esses judeus podiam prestar uma Habilitation e, no máximo, alcançar o nível de

um Extraordinarius não remunerado; era uma carreira que antes pressupunha

que assegurava um rendimento garantido. O doutorado que Benjamin decidira

fazer apenas “por consideração pela minha família” (Briefe, vol. i, p. 216) e sua

posterior tentativa de Habilitation destinavam-se a constituir a base para a boa

vontade de sua família em pôr esse rendimento à sua disposição.

Essa situação se alterou bruscamente após a guerra: a inflação empobrecera,

até arruinara, vastos contingentes da burguesia, e na República de Weimar a

carreira universitária estava aberta mesmo para judeus não batizados. A infeliz

história da Habilitation mostra claramente quão pouco Benjamin levara em

consideração essas novas circunstâncias e o quanto continuava dominado por

idéias pré-guerra em relação a todos os assuntos financeiros. Pois desde o início

a Habilitation fora apenas pretendida para chamar “à ordem” seu pai,

fornecendo-lhe “evidências do reconhecimento público” (Briefe, vol. i, p. 293),

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