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Para qualquer ponto da vida de Benjamin que se olhe, encontrar-se-á o
corcundinha. Muito antes da irrupção do Terceiro Reich, estava pregando suas
peças maldosas, fazendo com que editores que tinham prometido a Benjamin um
pagamento anual pela leitura de manuscritos ou edição de um periódico fossem à
falência antes de surgir o primeiro número. Mais tarde, o corcunda permitiu que
fosse impressa uma coletânea de magníficas cartas alemãs, feita com infinito
cuidado e acompanhada dos comentários mais maravilhosos — com o título
Deutsche Menschen e o lema “Von Ehre ohne Ruhm/ Von Grösse ohne Glanz/
Von Würde ohne Sold” [Da Honra sem Fama/ Da Grandeza sem Esplendor/ Da
Dignidade sem Remuneração]; mas a seguir providenciou que terminasse no
porão do editor suíço falido, ao invés de ser distribuída na Alemanha nazista,
como pretendia Benjamin, que assinara a coletânea com um pseudônimo. E a
edição foi descoberta nesse porão em 1962, no mesmo momento em que acabava
de sair uma nova edição na Alemanha. (Também se poderia atribuir ao
corcundinha o freqüente fato de que as poucas coisas que se encaminhariam bem
inicialmente se apresentavam sob um disfarce desagradável. Um caso desses é a
tradução de Anábase, de Alexis Saint-Léger Léger [St. John Perse], empreendida
por Benjamin, que julgava a obra “de pouca importância” (Briefe, vol. i, p. 381),
porque a tarefa, tal como a tradução de Proust, fora-lhe atribuída por
Hofmannsthal. A tradução só apareceu na Alemanha depois da guerra, mas foi a
ela que Benjamin deveu seu contato com Léger, o qual, sendo diplomata, pôde
intervir e persuadir o governo francês a poupar Benjamin de um segundo
internamento na França durante a guerra — privilégio de que pouquíssimos
outros refugiados desfrutaram.) E, então, à desventura seguiram-se “os montes
de escombros”, sendo que o último antes da catástrofe na fronteira espanhola foi
a ameaça, que sentia desde 1938, que o Instituto de Pesquisa Social em Nova
York, o único “apoio material e moral” da sua vida em Paris (Briefe, vol. ii, p.
839), o abandonasse. “As mesmas circunstâncias que ameaçam enormemente
minha situação européia provavelmente tornarão impossível para mim a
emigração para os eua”, escreveu em abril de 1939 (Briefe, vol. ii, p. 810), ainda
sob o impacto do “golpe” que a carta de Adorno, recusando a primeira versão do
estudo sobre Baudelaire, aplicara a ele em novembro de 1938 (Briefe, vol. ii, p.
790).
Scholem certamente tem razão quando diz que, entre os autores
contemporâneos, depois de Proust, Benjamin sentia a afinidade pessoal mais
próxima com Kafka, e sem dúvida Benjamin tinha em mente o “campo de ruínas