23.03.2022 Views

Homens Em Tempos Sombrios - Hannah Arendt

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

“A verdadeira imagem do passado passa rapidamente” (“Sobre o conceito da

História”), e apenas o flâneur, que ociosamente vagueia, recebe a mensagem.

Com grande acuidade Adorno indicou o elemento estático em Benjamin: “Para

entender adequadamente Benjamin, é preciso sentir por trás de cada frase a

conversão da extrema agitação em algo estático, na verdade, a noção estática do

próprio movimento” (Schriften, vol. i, p. xix). Naturalmente, nada poderia ser

mais “não dialético” que essa atitude, onde o “anjo da história” (na nona tese de

“Sobre o conceito da História”) não avança dialeticamente para o futuro, mas

tem seu rosto “voltado para o passado”. “Onde aparece para nós uma cadeia de

acontecimentos, ele vê uma única catástrofe que continua a amontoar destroços

sobre destroços e os arroja aos seus pés. O anjo gostaria de se deter, despertar os

mortos e reunir o que foi despedaçado.” (O que presumivelmente significaria o

fim da história.) “Mas está soprando uma tempestade no Paraíso” e “impele-o

irresistivelmente para o futuro a que volta suas costas, enquanto o monte de

ruínas à sua frente cresce em direção ao céu. O que chamamos progresso é esta

tempestade.” Nesse anjo, que Benjamin viu no Angelus Novus de Klee, o flâneur

vive a experiência de sua transfiguração final. Pois assim como o flâneur, com o

gestus do vaguear a esmo, volta suas costas à multidão mesmo quando é por ela

impelido e varrido, da mesma forma o “anjo da história”, que não olha senão

para o aumento das ruínas do passado, é empurrado de costas para o futuro pela

tempestade do progresso. Parece absurdo que tal pensamento algum dia tenha se

preocupado com um processo coerente, dialeticamente sensato, racionalmente

explicável.

Também ficaria evidente que tal pensamento não pretendia nem poderia

chegar a afirmações obrigatórias de validade geral, mas que estas foram

substituídas, como Adorno observa criticamente, “por afirmações metafóricas”

(Briefe, vol. ii, p. 785). Em sua preocupação com fatos concretos direta e

efetivamente demonstráveis, com eventos e acontecimentos únicos cujo

“significado” é evidente, Benjamin não estava muito interessado em teorias ou

“idéias” que não assumissem imediatamente a mais precisa forma exterior

imaginável. Para esse modo de pensamento muito complexo, mas ainda

altamente realista, a relação marxista entre superestrutura e infra-estrutura

converteu-se, num sentido preciso, numa relação metafórica. Se, por exemplo —

e isso certamente concordaria com o espírito do pensamento de Benjamin —, o

conceito abstrato Vernunft (razão) é remontado até sua origem no verbo

vernehmen (perceber, ouvir), pode-se pensar que uma palavra da esfera

superestrutural recebeu de volta sua infra-estrutura sensorial, ou, inversamente,

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!