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Homens Em Tempos Sombrios - Hannah Arendt

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obter uma posição segura muitíssimo confortável no mundo acadêmico. Mas a

única coisa que não deveria ter feito era uma escalada contra o membro

acadêmico mais proeminente e capaz daquele círculo, de modo tão veemente que

todos ficavam condenados a saber, como mais tarde explicou

retrospectivamente, que ele tinha “tão pouco a ver com a academia [...] como

com os monumentos erigidos por homens como Gundolf ou Ernst Bertram”

(Briefe, vol. ii, p. 523). Sim, eis como foi. E foi a falta de jeito ou de sorte de

Benjamin que fez com que o anunciasse ao mundo antes de ser admitido na

universidade.

Mas certamente não se pode dizer que não tivesse levado em conta,

conscientemente, o devido cuidado. Pelo contrário, tinha consciência de que “o

sr. Desajeitado manda lembranças” e tomava mais precauções do que qualquer

outra pessoa que conheci. Mas seu sistema de providências contra possíveis

perigos, incluindo a “cortesia chinesa” mencionada por Scholem 2 ,

invariavelmente, de modo estranho e misterioso, não levava em conta o perigo

real. Pois, da mesma forma como, no início da guerra, fugira da segura Paris

para a perigosa Meaux — para a frente, por assim dizer —, seu ensaio sobre

Goethe lhe inspirou a preocupação totalmente desnecessária de que

Hofmannsthal pudesse levar a mal uma observação crítica muito cuidadosa sobre

Rudolf Borchardt, um dos principais colaboradores do seu periódico. Mas

esperava apenas boas coisas do fato de ter encontrado para esse “ataque à

ideologia da escola de George [...] esse único lugar onde lhes parecerá difícil

ignorar a invectiva” (Briefe, vol. i, p. 341). Não lhes pareceu difícil de forma

alguma. Pois ninguém estava mais isolado que Benjamin, tão totalmente sozinho

como ele. Nem mesmo a autoridade de Hofmannsthal — “o novo patrono”,

como o chamou Benjamin no primeiro ímpeto de felicidade (Briefe, vol. i, p.

327) — poderia alterar a situação. Sua voz pouco importava em comparação

com o poder muito efetivo da escola de George, um influente grupo onde, como

em todas as entidades semelhantes, contava apenas a fidelidade ideológica, visto

que somente a ideologia, não o nível e a qualidade, pode manter um grupo

coeso. Apesar de afetarem se situar acima da política, os discípulos de George

estavam tão inteiramente familiarizados com os princípios básicos de manobras

literárias quanto os professores o estavam com os rudimentos da política

acadêmica, ou os escritores por encomenda e jornalistas com o abecê do “um

bom favor merece outro”.

Benjamin, porém, não conhecia o jogo. Nunca soube como tratar dessas

coisas, nunca foi capaz de se mover entre tais pessoas nem mesmo quando “as

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