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sua fórmula matemática. “A rosa-dos-ventos cuja função é mostrar de qual parte
do mundo está soprando o vento da história; com sua inscrição ‘O Justo Faz o
Poder’ ela aponta para o Paraíso, com ‘O Poder faz o Injusto’ aponta para o
Purgatório, com ‘O Injusto faz o Poder’ aponta para o Inferno, mas com ‘O
Poder faz o Justo’ aponta para a vida comum na Terra; e como o que
repetidamente ameaça troar sobre a humanidade é a tempestade do demônio, o
homem em geral se contenta modestamente com o terreno ‘O Poder faz o Justo’,
embora à espera das brisas paradisíacas — quando então não haverá mais
nenhuma pena de morte sobre toda a vasta orbe da Terra —, sabendo porém que
o milagre só virá quando estiver pronto para vir. O milagre de ‘O Justo faz o
Poder’ exige primeiro e acima de tudo que o Justo seja dotado de Poder.” 91
Por trás dessas frases, sentimos nitidamente o que Broch não diz e, nesse
contexto, provavelmente nem pretendeu dizer. Sabemos, a partir de A morte de
Virgílio e também do caráter do doutor em O tentador, que para Broch todas as
relações com os homens são ultimamente governadas pela idéia de
“prestimosidade”, pela imperatividade do pedido de auxílio. O absoluto do
“apelo ético” (“a unidade do conceito se mantém inviolada, inviolado o requisito
ético”) 92 era algo que admitia tão plenamente que julgava não precisar sequer de
demonstração. “O propósito do apelo ético reside no absoluto e no infinito”, 93 o
que significa que todo gesto ético é realizado na esfera do absoluto e o pedido de
auxílio dos homens entre si é interminável e inesgotável. Assim como Broch
admitia plenamente dever abandonar imediatamente qualquer trabalho, qualquer
atividade, a fim de prestar auxílio quando necessário, da mesma forma admitia
última e plenamente dever abandonar a literatura, pois começara a duvidar que
esta pudesse satisfazer sua “obrigação para com o absoluto da cognição”. 94
Começara sobretudo a duvidar que a literatura e a cognição pudessem sequer
efetuar o salto a partir do conhecimento do que é necessário para auxiliar os que
precisam. A “missão” de que tanto falava Broch, a “tarefa inelutavelmente
imposta” que via por todos os lugares, tinha uma natureza última que não era
lógica nem epistemológica, embora a tomasse e demonstrasse sua presença geral
na lógica e na epistemologia. A missão era o imperativo ético, e a tarefa à qual se
podia escapar era o pedido de auxílio dos homens.
1 “Gedankenzum Problem der Erkenntnis in der Musik”, in Essays (Zurique, 1955), vol. ii, p. 100.
2 “Hofmannsthal und seine Zeit”, op. cit., vol. i, p. 140.
3 Infelizmente, só se veio a saber tarde demais, a partir de seus papéis póstumos, que Broch pretendera
chamá-lo Der Wanderer [O andarilho], fato que não é insignificante, pois fornece a evidência de que, ao
longo de sua última revisão, Broch considerou como herói do livro o caráter do doutor, e não o de Marius
Ratti.
4 Esse milagre de remodelação não pode ser mais detectado na edição atual, onde, para facilitar a leitura,