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sentido de um eu produtor isolado, o sujeito de atos específicos. Mas o que tem
uma importância muito mais decisiva é que, sendo um artista, ele interpretou o
fazer como uma espécie de criação do mundo e exigiu dele o tipo de “recriação
do mundo” que originalmente requisitara da obra de arte. Se a política pudesse
algum dia se converter no que ele dela exigiu, seria de fato uma “obra de arte
ética”. No fazer, coincidem as duas capacidades fundamentais do homem: a
faculdade criativa envolvida na literatura e a faculdade cognitiva de domínio do
mundo envolvida na ciência. Para Broch, portanto, a política era realmente uma
arte, criação do mundo convertida em ciência e, simultaneamente, ciência
convertida em arte. É verdade que ele nunca formulou as coisas dessa forma,
mas o material fragmentário de que dispomos nos permite ao menos conjeturar
sobre as linhas básicas de sua concepção fundamental.
Isso, de qualquer maneira, é o que em última análise pretende a cognição: ela
deseja o feito. Como a literatura não fazia nada, Broch afastou-se da literatura,
rejeitou a filosofia porque esta se limitava à mera contemplação e ao
pensamento, e terminou por colocar todas as suas esperanças na política. A
preocupação central de Broch é sempre a redenção, a redenção da morte, tanto
em sua política, como em sua epistemologia e sua ficção. Os elementos utópicos
de uma política orientada para a redenção não podem ser deixados de lado.
Entretanto, devemos evitar subestimar o realismo que guiou Broch em suas
reflexões concretas e que o impediu de aplicar dogmática e equivocadamente à
política o absoluto terreno que vislumbrara na teoria do conhecimento.
A crença última de Broch encontrava-se no absoluto terreno. Reconfortou-se
com a percepção de que se pode encontrar e demonstrar algo absoluto na Terra, e
que mesmo o âmbito político — isto é, a conglomeração intrinsecamente
anárquica de seres humanos nas condições da vida na Terra — contém um
absoluto limitador. Isso significava que devia existir algo como uma “justiça
absoluta” de onde derivaria uma nova declaração dos “direitos do homem”, que
então manteria a mesma relação com as atualidades políticas que mantém a
matemática com a física. Sob sua soberania, um “sujeito criador de direito (e
portanto mentalmente justo)” produtor de direito corresponderia exatamente à
“pessoa física” ou ao “ato de ver em si”. 90 Graças a essas percepções, que
tendiam cada vez mais a se centrar em torno do “homem em sua máxima
abstração”, Broch podia se resignar aos fatos do âmbito político tal como o
matemático está preparado para se resignar aos fatos do espaço físico. Assim
talvez a bela figura poética de linguagem que uma vez empregou para formular
os fatos e as possibilidades da vida política deva também ter lhe parecido como