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Homens Em Tempos Sombrios - Hannah Arendt

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que queria era responder à pergunta que colocara em sua juventude: “O que

faremos então?”.

Agir e fazer diferem entre si tanto quanto pensar e conhecer. Assim como o

conhecer, enquanto oposto ao pensar, tem um objetivo de cognição e uma tarefa

cognitiva, também o fazer tem propósitos específicos e deve ser governado por

padrões específicos de modo a alcançá-los, ao passo que o agir sempre ocorre

onde quer que os seres humanos estejam juntos, mesmo que não haja nada a se

alcançar. A categoria fins-meios, a que estão necessariamente vinculados todo

fazer e todo produzir, sempre se demonstra catastrófica quando aplicada ao agir.

Pois o fazer, como o produzir, inicia-se com o pressuposto de que o sujeito dos

“atos” conhece plenamente o fim a ser atingido e o objeto a ser produzido, de

modo que o único problema é encontrar os meios adequados para realizar esses

fins. Tal pressuposto por sua vez supõe um mundo onde há uma única vontade,

ou que é disposto de tal forma que todos os sujeitos-eu ativos nele existentes

estão suficientemente isolados entre si para não haver interferência mútua nos

seus fins e propósitos. O inverso é verdadeiro para a ação; há uma infinidade de

intenções e propósitos que se intersectam e se interferem reciprocamente e,

tomados todos em conjunto em sua complexa imensidade, representam o mundo

onde cada homem deve situar sua ação, embora nesse mundo nenhum fim e

nenhuma intenção jamais tenham se realizado tal como originalmente se

pretendera. Mesmo essa descrição, e a conseqüente natureza frustrante de todos

os atos, a ostensiva futilidade da ação, é inadequada e enganadora pois vem

efetivamente concebida em termos do fazer, e isso significa em termos da

categoria meios-fins. Dentro dessas categorias, só podemos concordar com a

frase do Evangelho: “Pois eles não sabem o que fazem”; nesse sentido, nenhum

agente jamais sabe o que está fazendo; ele não pode saber e, para o bem da

liberdade humana, não lhe é permitido saber. Pois a liberdade depende da

imprevisibilidade absoluta das ações humanas. Se quisermos exprimi-lo

paradoxalmente — e invariavelmente nos emaranhamos em paradoxos, tão logo

tentemos julgar e agir segundo os padrões do fazer —, podemos dizer: toda boa

ação por um mau fim efetivamente acrescenta ao mundo uma parcela de bem;

toda má ação por um bom fim efetivamente acrescenta ao mundo uma parcela de

mal. Em outras palavras, enquanto para o fazer e o produzir os fins predominam

totalmente sobre os meios, para o agir é exatamente o oposto: os meios são

sempre o fator decisivo.

Como Broch colocara epistemologicamente o eu privado de mundo na

“câmara escura”, naturalmente interpretou o agir no sentido de fazer, e o ator no

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