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Homens Em Tempos Sombrios - Hannah Arendt

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dado, muito embora tenha de ser buscado de fora do sistema matemático.

Podemos dizer que uma ciência sempre recebe o que lhe é absoluto a partir da

ciência “superior seguinte”, de modo que surge uma hierarquia entre as ciências

cujo princípio poderia ser apreendido por uma via sistemática unificadora e

totalmente abrangente. A física recebe seu absoluto da matemática, a matemática

da epistemologia, a epistemologia da lógica, e a lógica depende de uma

metalógica.

Mas essa cadeia, onde o absoluto é a cada vez transmitido de uma forma

diferente de ciência a ciência, de sistema cognitivo a sistema cognitivo, a cada

caso tornando afinal possíveis a ciência e a cognição, não continua nem se repete

infinitamente. Em todos os casos, o que funciona como um absoluto, como um

padrão absoluto, não observado pela pessoa que o emprega justamente porque o

está empregando, é o sujeito que usa o padrão; é o “ato de ver em si”, a “pessoa

física” na física, que corresponde à “pessoa matemática”, ao suporte do “número

enquanto tal”, a pessoa lógica, o sujeito da “operacionalidade lógica” enquanto

tal. Assim, o absoluto nessas ciências não é apenas dado “conteudisticamente”

— nenhuma ciência poderia operar se seu conteúdo não lhe fosse trazido de fora

—, mas sua fonte é totalmente terrena e positiva, o que em termos

epistemológicos equivale a dizer: demonstrável numa base lógico-positivista; é a

“personalidade humana em máxima abstração”. O conteúdo dessa abstração

pode variar — desde o “ato de ver enquanto tal” ao ato de contar enquanto tal e à

operação lógica enquanto tal. Isso não significa que o homem com todas as

propriedades do corpo, alma e mente tenha se tornado a medida de todas as

coisas, mas sim que o homem, na medida em que não é senão o sujeito

cognitivo, o suporte dos atos de cognição, é a fonte do absoluto. A origem do

absoluto, em sua validade absoluta, necessária e obrigatória, pertence a este

mundo.

Broch acreditava que sua teoria do absoluto terreno poderia ser diretamente

aplicada à política, e nos dois capítulos da Psicologia de massas “condensada”

ele efetivamente, ainda que de modo fragmentário, traduziu sua epistemologia

em idéias da política prática. Isso lhe pareceu possível pois construiu todas as

ações políticas em termos daqueles atos que desempenham o papel central em

sua teoria do conhecimento, e que são concebidos como em si mesmos privados

de mundo, ou, como colocou ele, “numa câmara escura”. 89 Em outras palavras,

não estava efetivamente preocupado com a ação política ou a ação em geral; o

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