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Homens Em Tempos Sombrios - Hannah Arendt

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mostrar que ele brota objetivamente da evolução da vida orgânica, e ao mesmo

tempo demonstrar que todos os sistemas dedutivos repousam sobre um

fundamento empírico absoluto que não pode ser derivado do próprio sistema, ou

seja, pelo contrário, mostrar que toda forma se encrava no conteúdo. 86 Em outras

palavras, a demonstração de que o terreno, por sua própria essência, alcança o

absoluto, converte-se nele, por assim dizer, encontra seu paralelo na

contrademonstração de que todo absoluto está vinculado ao terreno. Isso é mais

evidente no caso da matemática. A coisa mesma que é matemática sobre a

matemática obviamente não é comprovável ou demonstrável matematicamente;

permanece para a matemática como um “desconhecido adicional”, isto é, reside

numa esfera que se encontra fora da matemática. Isso vale tanto para a base

efetiva de onde surge toda matemática, que Broch identifica como “o número

enquanto tal”, como para os “impulsos do problema”, que levam a avanços no

entendimento matemático. De fato, para seus avanços, a matemática mantém-se

na dependência da física. 87 Mas é verdadeiro também em relação à teoria do

conhecimento, ou para a própria lógica, que se pode considerar tendo

inicialmente suprido a matemática com “o número enquanto tal”, e portanto

tendo oferecido em primeiro lugar a base para as operações matemáticas. Pois “o

lógico tem exatamente uma relação tão ingenuamente realista com suas

investigações quanto o matemático na sua relação; isto é, de um lado — pelo

menos enquanto não volta suas considerações para o plano superior seguinte, o

da metalógica — ele descartará o conhecimento sobre o sistema lógico como um

todo e sobre a operacionalidade lógica como um concomitante auto-evidente da

pesquisa, que dispensa qualquer atenção especial, e de outro lado será sempre

menos inclinado que o matemático a dedicar qualquer atenção ao sujeito ou

suporte daquele conhecimento”. 88

Há, portanto, duas coisas que as ciências dedutivas, lógica e matemática,

sempre e necessariamente deixarão de lado: primeiramente, elas não conseguem

ver o que faz da lógica ou da matemática precisamente o que são, isto é, sua

logicidade ou matematicidade, tanto quanto uma pessoa de pé não consegue

enxergar o próprio chão em que se sustenta; em segundo lugar, não conseguem

observar o sujeito das operações lógicas e matemáticas. Sempre vêem, por assim

dizer, suas próprias sombras, mas não a si mesmas. Assim é natural que a

matematicidade da matemática, em outras palavras, “o número enquanto tal”,

deva ser o “absoluto” para a matemática; e esse mesmo absoluto é dado à

matemática a partir de fora, existindo demonstravelmente fora de seu próprio

sistema. Esse absoluto não é absolutamente transcendente, mas empiricamente

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