Homens Em Tempos Sombrios - Hannah Arendt
especulativamente metafísicos, que o verbo tornado carne é o próprio homem,então a demonstração, no interior do âmbito terreno e sem nenhum vôotranscendental, fica dotada de uma “imagem em si mesma”, e visto que, na“imagem em si mesma”, o homem também se tornou independente d’Ele dequem é imagem, o tempo e a morte foram por conseguinte anulados. Essa seria aredenção do homem na Terra.
iv. o absoluto terrenoTudo o que Broch pensou segundo essas linhas e deixou sob formafragmentária está contido, em sua quintessência, no conceito, ou antes, nadescoberta do “absoluto terreno”. Se quisermos entender o que realmente seentende pelo absoluto terreno, temos de evitar uma equivalência entre asprimeiras observações de Broch acerca da morte enquanto absoluto da existênciahumana na Terra — observações que ocasionalmente podem ser encontradasmesmo nas obras posteriores — e a efetiva descoberta de seu último período. Oque une as duas concepções é apenas o fato — embora seja certamente umgrande fato — de que ambas estão associadas à morte, ambas sãofundamentalmente determinadas pela experiência da morte. No entanto, adiferença é muito nítida. Quando a morte é entendida como o absoluto limiteirremovível da vida, é possível afirmar que não há “nenhum fenômeno queconsiga possivelmente ser mais distante deste mundo e mais metafísico no seusignificado para a vida” do que a morte; 77 que, do ponto de vista humano, subspecie aeternitatis sempre significa também sub specie mortis; 78 que a busca deum valor absoluto é incitada pela morte, esse “não-valor em si”; e que “seuabsoluto, que é o único absoluto da realidade e da natureza, deve encontrar umacontraposição num absoluto que, sustentado pela vontade humana, seja capaz decriar o absoluto da alma, o absoluto da cultura”. 79 E sem dúvida Broch jamaisabandonou sua convicção básica de que, “onde não existe uma relação autênticacom a morte e onde sua qualidade absoluta no aqui e no agora não éperpetuamente reconhecida, não pode haver nenhuma verdadeira ética”. 80 Essaconvicção básica era de fato tão forte que, em sua Política — isto é, na aplicaçãode sua teoria do conhecimento ao âmbito das coisas por natureza anárquicas —,novamente recorreu à morte como o único absoluto que surge no âmbito terreno.Isto é, ele baseou todo seu sistema legal e político no fato de que a pena de morterepresenta um máximo natural que estabelece um limite à punição. Contudo, oconceito do absoluto terreno de Broch não se referia apenas à morte. O absolutoinerente à morte, afinal, é por natureza não terreno; obviamente só se inicia, porassim dizer, após a morte; está para além da morte, embora se manifeste noâmbito terreno apenas através da morte. De fato, o pecado mortal do secularismofoi converter esse absoluto além-túmulo transcendente em algo mundano efinito, o que levou ao colapso dos valores e à desintegração do mundo.A relação entre o absoluto terreno e a morte tem uma natureza diversa. Aí setrata de abolir na vida a consciência da morte, de liberar a vida, enquanto viva,
- Page 75 and 76: idade tão avançada, é como que u
- Page 77 and 78: KARL JASPERS: CIDADÃO DO MUNDO?Nin
- Page 79 and 80: que a solidariedade da humanidade s
- Page 81 and 82: ousou questionar “todos os pensam
- Page 83 and 84: mundiais e essas origens, em sua pr
- Page 85 and 86: Para apreender a relevância filos
- Page 87 and 88: um quadro de acordos mútuos univer
- Page 89 and 90: ISAK DINESEN: 1885-1963Les grandes
- Page 91 and 92: e constantemente fiel à história
- Page 93 and 94: oferecida pelo amor, mútuo amor
- Page 95 and 96: aceitável, quanto desdenhosa em re
- Page 97 and 98: entanto, o ponto da questão é que
- Page 99 and 100: suficiente para ter um pouco mais d
- Page 101 and 102: fazer com que o sonho de uma outra
- Page 103 and 104: i. o poeta relutanteHermann Broch f
- Page 105 and 106: algumas novas histórias, incluindo
- Page 107 and 108: compreensão última de Broch, o de
- Page 109 and 110: Posteriormente foi-lhe posta, com i
- Page 111 and 112: ii. a teoria do valorEm seu estági
- Page 113 and 114: essa transformação das idéias em
- Page 115 and 116: salvadora que dissolve a consciênc
- Page 117 and 118: iii. a teoria do conhecimentoComo c
- Page 119 and 120: arte. 41 E no estudo sobre Hofmanns
- Page 121 and 122: olhos de um deus, que o abarcaria t
- Page 123 and 124: envolvido pela maquinaria do mundo
- Page 125: é apenas um outro nome para a “p
- Page 129 and 130: correspondem a dois tipos de ciênc
- Page 131 and 132: mostrar que ele brota objetivamente
- Page 133 and 134: que queria era responder à pergunt
- Page 135 and 136: sua fórmula matemática. “A rosa
- Page 137 and 138: 51 Ibid., p. 74.52 “Der Zerfall d
- Page 139 and 140: i. o corcundaA Fama, aquela deusa m
- Page 141 and 142: a sociedade menos pode concordar e
- Page 143 and 144: Männlein”, um personagem de cont
- Page 145 and 146: crítica literária alemã e no cam
- Page 147 and 148: adversidades da vida exterior que
- Page 149 and 150: “A verdadeira imagem do passado p
- Page 151 and 152: poeta alemão vivo se encontrou com
- Page 153 and 154: e a área de desastres” de sua pr
- Page 155 and 156: ii. os tempos sombriosA pessoa que
- Page 157 and 158: inúmeros cafés que delineiam as r
- Page 159 and 160: escolhido expressar essa ambição
- Page 161 and 162: Além disso, em sua atitude diante
- Page 163 and 164: sua base material de modo tão cata
- Page 165 and 166: batizar”. Mas mesmo que desse cer
- Page 167 and 168: 1922): para Kafka, era “incompree
- Page 169 and 170: no sentido dessa rebelião dupla co
- Page 171 and 172: inclinado a supor que nosso planeta
- Page 173 and 174: substituem a coerência interna da
- Page 175 and 176: inesperadamente uma pesada garra”
iv. o absoluto terreno
Tudo o que Broch pensou segundo essas linhas e deixou sob forma
fragmentária está contido, em sua quintessência, no conceito, ou antes, na
descoberta do “absoluto terreno”. Se quisermos entender o que realmente se
entende pelo absoluto terreno, temos de evitar uma equivalência entre as
primeiras observações de Broch acerca da morte enquanto absoluto da existência
humana na Terra — observações que ocasionalmente podem ser encontradas
mesmo nas obras posteriores — e a efetiva descoberta de seu último período. O
que une as duas concepções é apenas o fato — embora seja certamente um
grande fato — de que ambas estão associadas à morte, ambas são
fundamentalmente determinadas pela experiência da morte. No entanto, a
diferença é muito nítida. Quando a morte é entendida como o absoluto limite
irremovível da vida, é possível afirmar que não há “nenhum fenômeno que
consiga possivelmente ser mais distante deste mundo e mais metafísico no seu
significado para a vida” do que a morte; 77 que, do ponto de vista humano, sub
specie aeternitatis sempre significa também sub specie mortis; 78 que a busca de
um valor absoluto é incitada pela morte, esse “não-valor em si”; e que “seu
absoluto, que é o único absoluto da realidade e da natureza, deve encontrar uma
contraposição num absoluto que, sustentado pela vontade humana, seja capaz de
criar o absoluto da alma, o absoluto da cultura”. 79 E sem dúvida Broch jamais
abandonou sua convicção básica de que, “onde não existe uma relação autêntica
com a morte e onde sua qualidade absoluta no aqui e no agora não é
perpetuamente reconhecida, não pode haver nenhuma verdadeira ética”. 80 Essa
convicção básica era de fato tão forte que, em sua Política — isto é, na aplicação
de sua teoria do conhecimento ao âmbito das coisas por natureza anárquicas —,
novamente recorreu à morte como o único absoluto que surge no âmbito terreno.
Isto é, ele baseou todo seu sistema legal e político no fato de que a pena de morte
representa um máximo natural que estabelece um limite à punição. Contudo, o
conceito do absoluto terreno de Broch não se referia apenas à morte. O absoluto
inerente à morte, afinal, é por natureza não terreno; obviamente só se inicia, por
assim dizer, após a morte; está para além da morte, embora se manifeste no
âmbito terreno apenas através da morte. De fato, o pecado mortal do secularismo
foi converter esse absoluto além-túmulo transcendente em algo mundano e
finito, o que levou ao colapso dos valores e à desintegração do mundo.
A relação entre o absoluto terreno e a morte tem uma natureza diversa. Aí se
trata de abolir na vida a consciência da morte, de liberar a vida, enquanto viva,