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envolvido pela maquinaria do mundo exterior, pudesse ser ordenada por
categorias que, em sua origem, fossem políticas. “Pois a agitação e o alvoroço do
mundo pouco podem resultar em algo além da anarquia”, e “a política é a
mecânica do alvoroço exterior”. 60 A agitação do mundo deve ser submetida à
mesma necessidade evidente obrigatória à qual se sujeita o eu; e, para validar
essa compulsão, deve-se demonstrar que a coerção é efetivamente uma coerção
humana, isto é, emerge realmente da humanidade do homem. A tarefa éticopolítica
da teoria do conhecimento é proceder a essa demonstração. A teoria
deve mostrar que a humanidade do homem é uma necessidade obrigatória e
assim oferece uma salvação ante a anarquia.
A essa altura, deve estar claro que o que de fato temos aqui é um sistema cujas
linhas gerais podem ser facilmente esboçadas a partir dos fragmentos que
chegaram a nós. A tarefa é ainda mais atraente porque os traços fundamentais do
sistema de Broch, apesar de todas as alterações de ênfase que sofreu ao longo
dos anos, permaneceram constantes desde o início. Nesse sistema, a
simultaneidade e a função de abolir o tempo que cabem à cognição tinham de ser
demonstráveis com a sua aplicação a duas ordens de problemas concretos:
teriam de ser capazes de abolir a anarquia do mundo, isto é, coordenar o eu
inteiramente desprovido de mundo com o mundo inteiramente desprovido de eu;
e teriam de substituir a “profecia mítica” pela “profecia lógica”, de modo a
compelir o futuro para a simultaneidade com o presente, com a mesma certeza
com que a memória redime o passado de sua perecibilidade, trazendo-o para o
presente. Teriam de “demonstrar a unidade entre a memória e a profecia” 61 que
fora invocada por A morte de Virgílio apenas poeticamente.
No que concerne ao primeiro problema, a coordenação entre o eu e o mundo, a
redenção do eu daquele subjetivismo radical onde “tudo o que ‘é’ o homem
pertence ao eu, tudo o que ele ‘tem’ encontra-se junto ao eu, e tudo o mais, todo
o resto do mundo [...] [é] estranho, hostil ao eu, repleto de morte” 62 — no que
concerne a esse problema, Broch parece simplesmente ter tomado a via que todo
subjetivismo sério tomara antes dele, e cujo grande predecessor é Leibniz. É a
via da “harmonia preestabelecida”, a via de construir duas “casas idênticas na
planta e também nos alicerces, mas, devido à sua infinita extensão, a priori não
suscetível de conclusão, casas cuja estrutura visível foi iniciada por ângulos
diferentes, de modo que, durante seu tempo infinito de construção, tornam-se
cada vez mais idênticas entre si, mas na prática nunca podem atingir uma
identidade completa e, se se quiser, uma intercambialidade”. 63
À questão de como pode o homem “apreender intuitivamente o parentesco