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olhos de um deus, que o abarcaria total e simultaneamente. O homem está
fadado a se sentir aparentado a esse deus devido à alienação do eu humano em
relação ao mundo e ao tempo (para Broch, são o mesmo). A estrutura do núcleo
do eu, que é atemporal, indica que o homem está realmente destinado a viver em
tal absoluto. Que assim é fica evidente em todos os modos especificamente
humanos de comportamento. Fica evidente sobretudo na estrutura da linguagem,
a qual, para Broch, nunca é um meio de comunicação, nem tem relação alguma
com o fato de que, na Terra, habita uma pluralidade de homens, e não o Homem,
os quais devem se comunicar entre si. Ele não o diz, mas é como se sustentasse
que, para os fins de comunicação entre os seres humanos, bastariam sons
animais. Para ele, o essencial quanto à linguagem é o fato de ela indicar
sintaticamente uma anulação do tempo “no interior da frase”, pois
necessariamente “coloca o sujeito e o objeto numa relação de simultaneidade”. 54
A “atribuição” que é imposta ao enunciador é a de “tornar audíveis e visíveis as
unidades cognitivas”, e é esta “a única tarefa da linguagem”. 55 O que quer que se
congele na simultaneidade da frase — a saber, o pensamento, que “num único
momento pode abranger conjuntos de extensão extraordinária” — é arrancado à
passagem do tempo. Certamente nem seria preciso dizer que essas considerações
oferecem, inter alia, um comentário sobre o estilo lírico de Broch, que é lírico
apenas na aparência, com suas frases extraordinariamente longas e as repetições
extraordinariamente exatas em seu interior.
Essas especulações lingüísticas datam dos últimos anos da vida de Broch,
quando tentava resolver o problema da simultaneidade no âmbito do logos. Mas
a convicção de que a simultaneidade da expressão lingüística oferece um
vislumbre da eternidade, que nela o “logos e a vida” podem se converter “uma
vez mais em uno”, 56 e que na verdade “a exigência de simultaneidade é o
objetivo real de toda época, de toda poesia” 57 — tudo isso já se pode encontrar
no ensaio muito anterior sobre Joyce. Lá, como posteriormente, ele estava
preocupado em “trazer para uma unidade a experiência e as impressões
consecutivas, empurrando a sucessão de volta para a unidade do simultâneo,
relegando o que é temporalmente restrito à atemporalidade da mônada”, que
mais tarde chamaria de “núcleo do eu” 58 (grifo meu). No período posterior,
porém, não mais se satisfazia em “estabelecer a supratemporalidade na obra de
arte”, mas queria imprimir a mesma supratemporalidade da simultaneidade à
própria vida. Na época do ensaio sobre Joyce, ele ainda concedia que “esse
empenho pela simultaneidade [...] não pode romper a necessidade de que a
coexistência e a concatenação devam ser expressas por uma seqüência, o único