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Homens Em Tempos Sombrios - Hannah Arendt

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arte. 41 E no estudo sobre Hofmannsthal, declarou que este aprendera com

Goethe “que a poesia, se é para levar à purificação e à auto-identificação do

homem, tem de mergulhar nas profundezas das antinomias do homem, em

contraste absoluto com a filosofia, que permanece à beira do abismo e, sem

arriscar o salto, contenta-se com a simples análise do que viu”. 42 Nos primeiros

textos, ele relegou não só a filosofia, mas também a ciência a um lugar

subordinado em relação à literatura, no que tange ao valor e ao conteúdo do

conhecimento. Naqueles dias, Broch ainda podia dizer que “o sistema cognitivo

da ciência nunca alcança aquele absoluto [que a arte atinge] da totalidade do

mundo que, afinal, é o que importa”, ao passo que cada “obra de arte individual

é o espelho da totalidade”. 43 Mas é precisamente essa concepção que se altera

em seus escritos posteriores, notavelmente na oposição que estabelecera entre

valor e verdade. Uma vez afastado o pensamento da associação teológica, a

verdade “fora despojada de seu terreno real de demonstração”. 44 A partir daí, a

verdade teria de se transformar em conhecimento. Só assim o valor poderia

surgir. De fato, o valor é “a verdade que foi transformada em conhecimento”. 45

A objeção original à filosofia permanece: “o pensar (ao rejeitar abordagens

místicas extralógicas do tipo hindu), puramente a partir de si mesmo e de sua

lógica de cognição, não pode oferecer nenhum resultado final”. Onde o tenta,

torna-se “apenas fantasia verbal sem conteúdo”. 46 Mas agora Broch não mais

considera a literatura como capaz de assumir a tarefa das mãos impotentes da

filosofia. É antes a ciência que pode resgatá-la. Assim, “o problema da

tautologia ilícita é, certamente, um problema filosófico, mas a decisão sobre sua

resolubilidade está nas mãos da prática matemática”, e a teoria da relatividade

mostrou que a filosofia, encarada como antinomias insolúveis, pode se converter

em “equações solúveis”. 47

Todas essas objeções por parte de Broch são inteiramente corretas. Dadas as

exigências de Broch — vitória sobre a mortalidade do eu, sobre a contingência,

sobre a “anarquia” do mundo, que fora obtida pela visão católica do mundo,

através de seu mythos do filho do homem e filho de Deus morto e ressurrecto —,

dadas essas exigências, a filosofia só poderia demonstrar sua inadequação. A

filosofia apenas levanta as questões que o mythos outrora respondera na religião

e na poesia, e que atualmente a ciência deve responder na pesquisa e na

epistemologia. Mythos e logos, ou, para pôr em termos padronizados, a religião e

a lógica se relacionam mutuamente na medida em que ambas “nasceram da

estrutura fundamental do homem”. Elas “dominam” a exterioridade do universo

e, portanto, “representam a atemporalidade em si” para o homem. 48 Mas essa

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