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Homens Em Tempos Sombrios - Hannah Arendt

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O pensar não tem um objetivo real e, a menos que encontre seu sentido em si

mesmo, não tem absolutamente nenhum sentido. (Isso, evidentemente, aplica-se

apenas à atividade de pensar em si, não ao escrever pensamentos, ato este que

tem muito mais a ver com processos artísticos e criativos do que com o pensar

em si. O escrever os pensamentos tem de fato um objetivo e um propósito; como

todas as atividades produtoras, tem um começo e um fim.) Pensar não tem

começo nem fim; pensamos enquanto vivemos, pois não podemos fazer de outra

forma. É por isso que, em última análise, o “Eu penso” de Kant deve

acompanhar não só todas as “noções”, mas todas as atividades e passividades

humanas.

Precisamente aquilo que Broch chamaria de “valor cognitivo” do pensar tem

uma natureza antes dúbia, e o que a filosofia chama de verdade é totalmente

diferente da determinação correta dos fatos objetivamente dados no mundo ou

dos dados de consciência; mas também as proposições provável e

demonstravelmente corretas ainda não constituem a verdade — sejam elas

governadas pelo axioma aristotélico da não contradição ou pela dialética

hegeliana ou, como no caso da lógica de Broch, exclusivamente por seu

conteúdo aparecer como obrigatoriamente necessário, isto é, auto-evidente e,

portanto, absolutamente válido. Que tal auto-evidência só possa ser expressa por

proposições tautológicas não é de forma alguma, como Broch repetidas vezes

ressalta, algo que a desacredite: o “valor cognitivo” da tautologia reside no fato

de que apresenta diretamente a qualidade obrigatória que é o atributo de todas as

proposições válidas. O problema está apenas em resgatar a tautologia de sua

formalidade e do círculo que a prende; e Broch julgava ter resolvido esse

problema com a sua descoberta do absoluto terreno, que possui tanto a força

auto-evidente tautológica como um conteúdo demonstravelmente dado. Mas a

cognição, seja sob a forma da descoberta ou da lógica, é diferente do pensar

(como se manifesta na literatura e na filosofia), na medida em que apenas ela é

obrigatória, apenas ela pode levar a uma necessidade e um absoluto obrigatório

e, conseqüentemente, só ela pode dar origem a uma teoria da ação (política ou

ética) que consiga esperar se alçar, por assim dizer, por sobre a imprevisibilidade

e impredizibilidade da ação humana.

Broch sempre foi consciente dessa diferença entre filosofia e cognição.

Revelou essa sua consciência em seus primeiros escritos ao atribuir maior

potencial de conhecimento à arte do que à filosofia. Esta última, dizia ele, “desde

que foi expulsa de sua associação teológica”, não era mais capaz de “um

conhecimento que abarque a totalidade”, o qual agora teria de ser deixado à

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