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salvadora que dissolve a consciência da morte”. 30 É desnecessário levantar aqui
a objeção que intervém de início: esta não é senão uma nova variante da
confusão, tão crucial para a história da moralidade ocidental, entre maldade e
mal, entre o radicalmente mau e o summum malum; para Broch, sua identidade
profunda é antes a garantia de existência de uma norma ética absoluta. Por
sabermos que a morte é o mal absoluto, o summum malum, podemos dizer que o
assassínio é absolutamente mau. Se a maldade não se radicasse no mal,
simplesmente não haveria nenhum padrão para medi-la.
É evidente que essa tese se baseia na convicção de que a pior coisa que pode
fazer um homem é matar e, por conseguinte, não há nenhum castigo mais severo
que a pena de morte. 31 (Aqui temos a base concreta para o limite do absoluto
apresentado nos dois capítulos póstumos de sua Política.) Essa concepção da
morte e do assassínio sugere uma limitação empírica peculiar não só a Broch,
mas a toda sua geração. Foi característico da geração da guerra e da filosofia dos
anos 1920 na Alemanha que a experiência da morte alcançasse uma dignidade
filosófica até então desconhecida, dignidade que só tivera uma vez antes na
filosofia política de Hobbes, e mesmo então apenas aparentemente. Pois, embora
o medo à morte desempenhe um papel central em Hobbes, não é o medo à
mortalidade inevitável, mas à “morte violenta”. Sem dúvida, a experiência da
guerra vinha ligada ao medo à morte violenta; mas o que foi precisamente
característico da geração da guerra foi que esse medo se tornou o pretexto para a
apresentação do fenômeno muitíssimo mais geral e central da ansiedade. Mas o
que quer que pensemos acerca da dignidade filosófica da experiência da morte, é
claro que Broch se manteve limitado a esse horizonte da experiência de sua
geração; e é decisivo que esse horizonte tenha se rompido com a geração para
quem a experiência básica crucial foram, não a morte, mas as formas totalitárias
de governo. Pois hoje sabemos que o matar está longe de ser o pior que o
homem pode infligir ao homem e que, por outro lado, a morte não é de forma
alguma aquilo que o homem mais teme. A morte não é “a quintessência de todo
o aterrorizante”, e infelizmente podem existir penas muito mais severas que a
pena de morte. A frase “Se não houvesse morte, não haveria medo na terra” 32
pode ser alterada, para dar lugar à dor insuportável, ao lado da morte. Além
disso, não fosse a morte, tal dor seria ainda mais insuportável para o homem. O
horror das punições eternas do inferno consiste exatamente nisso, e não teriam
sido inventadas se não correspondessem a uma ameaça maior que a morte
eterna. À luz de nossas experiências, pode ter chegado o momento para se
investigar a dignidade filosófica da experiência da dor, que a filosofia atual