Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
filosofia política platônica. Mas toda a filosofia cristã e pós-cristã assume, de
início tacitamente e, a partir do século xvii, de modo cada vez mais explícito,
que a vida é o mais alto bem, o valor em si, e que o não-valor absoluto é a morte.
É o que faz Broch.
Essa avaliação fundamental da vida e da morte é a constante invariável na obra
de Broch, do começo ao fim. Constitui também o eixo em torno do qual giram
toda a sua crítica social, filosofia da arte, epistemologia, ética e política. Por um
longo período de sua vida, essa concepção aproximou-o muito do cristianismo,
de maneira totalmente não dogmática, independente de qualquer filiação à
Igreja. Pois fora o cristianismo, afinal, que trouxe para o mundo agonizante da
antiguidade clássica as “boas novas” da conquista da morte. O que quer que
originalmente significasse a pregação de Jesus de Nazaré, e como quer que o
cristianismo primitivo entendesse originalmente suas palavras, no mundo pagão
essas novas só podiam significar uma coisa: seus temores pelo mundo, que vocês
julgavam eterno e em nome do qual foram capazes de se reconciliar com a
morte, são justificados; o mundo está condenado, e seu fim está realmente muito
mais próximo do que vocês pensam; mas em compensação, aquilo que vocês
sempre julgaram como a coisa mais transitória de todas, a vida humana em sua
particularidade individual e pessoal, não terá fim. O mundo morrerá, mas vocês
viverão. Eis como devem ter soado as “boas novas” para o mundo da
antiguidade ameaçado de morte, e eis como Broch, com os ouvidos aguçados
pela percepção poética, ouviu-as novamente no mundo agonizante do século xx.
O que uma vez ele chamou de “crime” da Renascença, e repetidamente
diagnosticou a qualidade assassina peculiar do processo de secularização, o
“despedaçamento da visão católica estável do mundo”, 29 é nos tempos modernos
o sacrifício da vida em favor do mundo, em outras palavras, em favor de algo
terrestre que, de qualquer forma, está destinado a morrer. Por sacrifício da vida
humana ele entendia a perda da certeza absoluta quanto à eternidade da vida
como tal.
Essa visão do cristianismo e da secularização deixa de ser importante para a
compreensão dos escritos posteriores de Broch. Mas o que é importante, o que
por si só permite compreender o mais abstrato e aparentemente, mas apenas
aparentemente, mais especializado de todos os argumentos de Broch, é sua
concepção original da vida e da morte. Ele se apegou durante toda a vida ao
pensamento de que “a morte é o não-valor em si”, que nós “experimentamos o
sentido do valor apenas a partir do pólo negativo, a partir do ponto de vista da
morte. O valor significa a superação da morte ou, mais precisamente, a ilusão