You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
essa transformação das idéias em padrões e medidas para se “medir” a conduta
humana já pode se encontrar em Platão, e assim o mal-entendido, se o é, poderia
ser atribuído ao mal-entendido de Platão em relação a si mesmo. O que é crucial
é que, para Broch, a medida absoluta que se aplica a todas as “áreas de valor”, de
qualquer espécie, é sempre um padrão ético. Isso por si só explica por que, com
o desaparecimento do padrão, todas as áreas de valor se transformaram, numa
única investida violenta, em áreas de não-valor, todo o bem em mal: o padrão
absoluto e absolutamente transcendente é um absoluto ético que, sozinho,
confere “valor” à vida do homem em seus vários aspectos. E isso simplesmente
não se aplicaria a Platão, mesmo porque o conceito de ética tal como
encontramos em Broch está inseparavelmente ligado ao cristianismo.
Fiquemos com os próprios exemplos de Broch. Segundo ele, o “valor”
inerente à vocação do homem de negócios, o valor com que se mede tudo e que
seria também o único propósito da atividade comercial, é a honestidade. A
riqueza que pode surgir da atividade comercial deve ser um subproduto, um
efeito nunca pretendido enquanto tal, assim como a beleza é um subproduto para
o artista, que deveria pretender apenas a “boa”, e não a “bela” obra. Desejar a
riqueza, desejar a beleza é, moralmente falando, representar para a galeria;
esteticamente falando, é kitsch, e no sentido da teoria do valor é uma
absolutização dogmática de uma área específica. 28 Se Platão tivesse alguma vez
escolhido esse exemplo (o que não teria feito, visto que, mantendo as
concepções gregas, ele via o comércio apenas em termos de ganância e,
portanto, considerava-o como uma ocupação totalmente insensata), teria visto o
objetivo inerente da vocação como um intercâmbio de bens entre homens e
nações. A noção de honestidade provavelmente jamais lhe ocorreria nesse
contexto. Ou, invertamos o caso e escolhamos um exemplo platônico apenas
insinuado na obra de Broch. Platão define o objetivo real de toda a arte médica
como a preservação ou recuperação da saúde. Broch substituiria saúde por
auxílio. O médico como alguém preocupado com a saúde e o médico como
auxiliar — as duas concepções são incompatíveis. O próprio Platão não permite
dúvidas sobre a questão, pois explica, com se fosse uma verdade auto-evidente,
que um dos deveres do médico é permitir que morram aqueles que ele não
consegue curar, sem prolongar as vidas dos doentes por artes médicas
injustificadas. Isto é, a vida humana não tem uma importância decisiva. Os
assuntos dos homens estão subordinados a um padrão extra-humano. O homem
“não [é] a medida de todas as coisas”; ademais, a vida mesma não pode ser a
medida de todas as coisas humanas. Esses princípios se encontram no centro da