23.03.2022 Views

Homens Em Tempos Sombrios - Hannah Arendt

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

em si a desonestidade do aproveitador inescrupuloso, e assim como, na Primeira

Guerra Mundial, a máxima evidente “Guerra é guerra” já transformara a guerra

numa carnificina em massa.

Há vários elementos característicos nessa filosofia do valor de Broch. Não é

apenas que ele tenha definido o kitsch como “o mal no sistema valorativo da

arte”. É que ele viu o elemento criminoso e o elemento do mal radical

personificados na figura do homem literário estetizante (categoria onde colocou,

por exemplo, Nero e também Hitler), equivalentes e idênticos ao kitsch. E isso

tampouco porque o mal se revelasse ao escritor, compreensivelmente antes de

tudo, em seu “sistema valorativo” pessoal. Devia-se antes à sua percepção sobre

o caráter peculiar da arte e sua imensa atração sobre o homem. Conforme

considerava, o real caráter sedutor do mal, a qualidade de sedução na figura do

demônio, é basicamente um fenômeno estético. Estético em seu sentido mais

amplo; o homem de negócios cujo credo é “Negócio é negócio” e o estadista que

sustenta “Guerra é guerra” são literatos estetizantes no “vácuo de valores”. São

estetas na medida em que estão encantados pela coerência de seu próprio

sistema, e se convertem em assassinos pois estão preparados para sacrificar tudo

a essa coerência, essa “bela” coerência. A partir de tais linhas de pensamento,

que se encontrariam com muitas variações em seus primeiros ensaios, Broch

desenvolveu, de modo absolutamente natural ou, de qualquer forma, sem

nenhuma ruptura visível, a distinção posterior entre “sistemas abertos e

fechados” e a identificação entre o dogmatismo e o próprio mal.

Falamos acima do platonismo de Broch. No período inicial de sua obra

criativa, que se estendeu de Os sonâmbulos a A morte de Virgílio, ou seja, do

final de seus vinte anos ao início ou meados dos quarenta, Broch se dizia com

freqüência um platonista. Mas, se quisermos entender o sentido e a motivação do

seu giro posterior para um absoluto terreno e uma epistemologia lógicopositivista,

precisamos compreender que Broch nunca foi um platonista

incondicional. Não é de importância central o fato de ter interpretado a teoria das

idéias de Platão exclusivamente no sentido de uma teoria de padrões, isto é, de

ter transformado a transcendência das idéias, originalmente de forma alguma

absoluta, mas antes nitidamente vinculada à terra (na parábola da caverna em A

república, o céu das idéias se curva sobre a terra e não é de modo algum

absolutamente transcendente a ela), na transcendência absoluta e logicamente

necessária de um padrão; os padrões, como as medidas, afinal não conseguem

medir nada a menos que sejam de uma ordem totalmente diferente e se apliquem

externamente aos objetos a serem medidos. Isso não é crucial mesmo porque

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!