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Homens Em Tempos Sombrios - Hannah Arendt

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sobre Hofmannsthal, escrito doze anos depois, mesmo a poesia de Dante

“dificilmente [pode] ser ainda caracterizada como propriamente mítica”. 22 O

ensaio sobre Joyce foi escrito com a mesma disposição que irrompe tão

vigorosamente dos ritmos líricos ondulantes de A morte de Virgílio e conclui

com a esperança de um “novo mythos”, um “mundo se ordenando novamente”,

como culminação da realização literária total dos tempos. Mas no estudo sobre

Hofmannsthal ouvimos apenas sobre a “ânsia de toda arte, toda grande arte [...]

em poder se tornar mythos uma vez mais, representar uma vez mais a totalidade

do universo”. 23 E já essa ânsia é perigosamente próxima a uma ilusão.

Esse desencantamento foi decisivo no desenvolvimento de Broch como

escritor, visto que, para ele, o próprio escrever deve ter sido indubitavelmente

uma espécie de êxtase. Mas, pondo-se de lado todo o desencantamento, ele

sempre soube uma coisa: nenhum poema pode se tornar a pedra fundamental de

uma religião e, acima de tudo, nenhum poeta tem o direito de tentá-lo. Eis por

que tinha uma consideração tão grande por Hofmannsthal (e por que as

“declarações religiosas poéticas” 24 de Rilke lhe pareciam tão suspeitas, embora

evidentemente soubesse que Rilke era um poeta maior), que nunca confundiu

religião e literatura, nunca envolveu a beleza com “o nimbo da religiosidade”. 25

E quando, ao prosseguir e ir além de Hofmannsthal, disse que a arte “nunca

consegue se elevar a um absoluto e, portanto, deve se manter cognitivamente

muda”, 26 estava fazendo uma afirmação que não poderia ter formulado tão

aguda e categoricamente em seus anos anteriores, mas que sempre fez parte de

seu pensamento.

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