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Homens Em Tempos Sombrios - Hannah Arendt

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Posteriormente foi-lhe posta, com insistência crescente, por todas as catástrofes

subseqüentes de nossa época. Mais e mais vezes essa pergunta o esmagava

“como um trovão”. E concluiu que uma resposta, para ser de algum modo válida,

teria de possuir a mesma força coercitiva que possuía o mythos, de um lado, e o

logos, de outro. 18

Pois, embora a questão lhe fosse posta no contexto do século xx, o século “da

mais sombria anarquia, do mais sombrio atavismo, da mais sombria

crueldade”, 19 era também a questão básica do homem vivo e mortal. Por

conseguinte, sua resposta devia ser compatível não só com os tempos, mas

também com o fenômeno da própria morte. A pergunta sobre o que fazer pode

ter sido iluminada pelas tarefas da época; mas, para Broch, era também uma

investigação sobre a possibilidade de uma conquista terrena da morte. Sua

resposta, portanto, devia possuir a mesma necessidade inelutável da própria

morte.

Para Broch, essa formulação inicial do problema, que sustentou por toda sua

vida, era governada pela alternativa entre mythos e logos. Em seus últimos anos,

porém, provavelmente não tinha mais nenhuma fé no “novo mythos”, 20 que

constituíra toda sua esperança desde Os sonâmbulos até A morte de Virgílio. Ao

longo de sua obra sobre Psicologia de massas, de qualquer modo, o peso de seus

resultados se orientou cada vez mais do mythos para o logos, da literatura para a

ciência. Ele buscava cada vez mais um modo estritamente lógico e demonstrável

de conhecimento.

Mas, mesmo que não tivesse perdido essa crença, sua atitude em relação à

literatura após A morte de Virgílio, o que significa evidentemente sua atitude em

relação a si mesmo como poeta, dificilmente poderia assumir qualquer outra

forma. Pois, por relevante que fosse a alteração no pensamento de Broch do

mythos para o logos, por produtivos que se demonstrassem seus efeitos sobre sua

epistemologia (na verdade, foi a origem real da epistemologia), ela não trazia

nenhuma orientação sobre a questão básica de ser um poeta sem querer sê-lo.

Era antes uma questão de crítica social e da posição do artista em seu tempo, a

qual Broch colocou em muitos planos e quase sempre respondeu negativamente.

Visto que a filosofia da arte de Broch sustentava que a real função cognitiva de

uma obra de arte devia ser a de representar a totalidade de outra forma

inatingível de uma era, bem podemos perguntar se um mundo em “desintegração

valorativa” ainda pode ser representado como uma totalidade. Assim, por

exemplo, a questão se põe no ensaio sobre Joyce. Mas, nesse ensaio, a literatura

ainda é encarada como “tarefa mítica e ação mítica”, 21 ao passo que no estudo

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