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compreensão última de Broch, o decisivo é o modo como ele resolveu em sua
ficção os conflitos e problemas resultantes, e os papéis que aí atribuiu à
literatura, ao conhecimento e à ação. Para esse fim, precisamos voltar a A morte
de Virgílio, onde, para o bem do conhecimento, deve-se queimar a Eneida, sendo
então esse conhecimento sacrificado à amizade entre Virgílio e o imperador e às
exigências políticas extremamente práticas da época, incluídas nessa amizade
particular. Que “a literatura é apenas impaciência por parte do conhecimento”; 9
que a máxima “A confissão não é nada, o conhecimento é tudo” 10 seja
especialmente válida para a poesia; que o tempo, porém, requer não o
conhecimento, mas sim a ação, não uma “obra de arte científica”, mas uma “obra
de arte ética”, 11 embora a arte, devido à sua função cognitiva, nunca possa
romper com o “espírito da época”, 12 e ainda menos com sua ciência; que
finalmente a “missão extraordinária” da literatura contemporânea, que “teve
primeiro de passar por todos os infernos de l’art pour l’art”, é “verter todo o
estético para o poder do ético” 13 — todos esses eram princípios de que ele nunca
duvidou, desde os primeiros inícios de seu trabalho criativo até seu último fim.
Ele nunca questionou a primazia absoluta e inviolável da ética, a primazia da
ação. Tampouco jamais duvidou da modernidade específica — podemos chamála
de limitação da contemporaneidade, se quisermos —, que o compeliu a
expressar a atitude fundamental e as fundamentais exigências de sua natureza
somente numa vida determinada por conflitos e problemas.
Este último, certamente, é um assunto do qual ele nunca falou de forma direta,
provavelmente devido à sua reserva particular extremamente característica sobre
todas as coisas que pertencem de modo muito direto ao âmbito pessoal. “O
homem como tal é o problema da nossa época; os problemas dos indivíduos
estão desaparecendo e são até proibidos, moralmente proibidos. O problema
pessoal do indivíduo tornou-se objeto de risos para os deuses, e estão certos em
sua falta de piedade.” 14 Broch parece nunca ter tido um diário; entre seus papéis
não foram encontrados sequer cadernos de notas; e é quase comovente ver que,
na única vez em que ele falou diretamente sobre seus problemas mais pessoais, e
não indiretamente sobre sua transformação poética, referiu-se não a si, mas a
Kafka, assim mais uma vez dizendo dissimuladamente o que quisera dizer em A
morte de Virgílio, porém sem conseguir pela simples razão de que a força
literária do livro era grandiosa demais para que sua “mensagem”, o ataque à
literatura enquanto tal, obtivesse seu pleno impacto. Portanto, ao escrever em
inglês sobre Kafka, porém efetivamente empenhado numa oculta autointerpretação,
ele afirmou o que, com maior justiça, poderia se dizer a respeito