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Homens Em Tempos Sombrios - Hannah Arendt

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finalmente, o quadro inesquecível do último imperador e sua solidão 8 — tudo

isso, evidentemente, tomou corpo porque ele era um escritor e, embora fosse

tudo visto pelos olhos de Hofmannsthal (principalmente o retrato do imperador),

ainda era visto pelos olhos, olhos de poeta, de Broch.

Sua última novela, se fosse concluída, provavelmente seria uma outra da

envergadura de A morte de Virgílio, ainda que escrita num estilo totalmente

diferente, antes épico que lírico. Não obstante, também foi escrita

conscientemente à sua revelia. Pois, embora ele possa ter se submetido com certa

relutância e entusiasmo parcial ao primado da ação na vida, estava totalmente

convencido nos últimos anos de sua vida, em relação à criatividade e ao

trabalho, da primazia do conhecimento sobre a literatura, da ciência sobre a arte.

E no final de sua vida, estava persuadido de que havia ainda uma espécie de

prioridade, se não primazia, de uma teoria geral do conhecimento para a ciência

e a política. (Ele tinha algumas noções sobre essa teoria que colocaria a ciência e

a política sobre uma nova base; ela existia em sua mente sob o título de

Psicologia de massas.) Assim, uma mescla de circunstâncias externas e internas

produziu o arrebatamento peculiar em que o traço fundamental de sua natureza,

que existia realmente sem conflito, resultou quase que somente em conflitos. Por

trás da novela em que estava trabalhando, e que considerava como de todo

supérflua (erroneamente, é claro, mas o que importa?), encontrava-se o torso da

Psicologia de massas, a carga de trabalho já nela investida e a carga ainda maior

de trabalho que ainda nem sequer começara. Mas, por trás de ambas, com uma

pressão ainda maior, uma depressão ainda maior, estava a sua ansiedade em

relação à teoria do conhecimento. Inicialmente pretendera expor suas idéias

sobre epistemologia apenas numa série de apêndices à teoria da psicologia de

massas. Mas, ao longo do trabalho, veio a considerá-la como seu tema

apropriado, de fato o único tema essencial.

Por trás da novela, onde a contragosto completou sua evolução como escritor,

alcançando o estilo da era antiga, e por trás dos resultados de suas pesquisas

eruditas sobre psicologia e história, permaneceu até o fim sua fatigante e

incansável busca de um absoluto. Essa busca provavelmente fê-lo iniciar seu

caminho e, ao final, ofereceu-lhe a noção de um “absoluto terreno” como a

solução que satisfaria seu intelecto e consolaria seu coração.

O que Broch tinha objetivamente a dizer sobre o destino de ser um poeta à sua

revelia pode se encontrar em quase todos os seus ensaios. Contudo, para uma

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