edição de 21 de março de 2022
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fessor associado da Fundação<br />
Dom Cabral (FDC), que lamenta<br />
a disseminação fora <strong>de</strong> controle<br />
das fake news atualmente.<br />
Mas o estudioso concorda<br />
que, se aprovado como está,<br />
o PL das Fake News causará<br />
prejuízo financeiro. E no que<br />
tange ao cruzamento e compartilhamento<br />
<strong>de</strong> informações,<br />
ainda po<strong>de</strong> bater <strong>de</strong> frente com<br />
a Lei Geral <strong>de</strong> Proteção <strong>de</strong> Dados<br />
(LGPD). “Ao consi<strong>de</strong>rar o<br />
tratamento <strong>de</strong> dados pessoais<br />
por terceiros para explorar o<br />
mercado uma infração, o projeto<br />
<strong>de</strong> lei po<strong>de</strong> impedir tecnologias<br />
como a verificação em dois<br />
fatores, envio <strong>de</strong> mensagens<br />
programáticas e o uso <strong>de</strong> controladores<br />
<strong>de</strong> dados”, reforça<br />
Fernan<strong>de</strong>s.<br />
Maurício Tamer, advogado <strong>de</strong> direito digital: “Momento <strong>de</strong> reconstrução”<br />
mais expLicações<br />
Obrigar as plataformas a remunerar<br />
os veículos jornalísticos<br />
é outra queixa. Segundo<br />
Fernan<strong>de</strong>s, os critérios para se<br />
<strong>de</strong>finir quais são as publicações<br />
elegíveis a receberem pelas notícias<br />
exibidas nas plataformas<br />
não está claro. “Esse processo já<br />
<strong>de</strong>veria estar acontecendo através<br />
<strong>de</strong> parcerias legitimadas”,<br />
indica o professor da FDC.<br />
O receio é <strong>de</strong> que apenas os<br />
veículos <strong>de</strong> imprensa tradicionais<br />
sejam contemplados,<br />
em <strong>de</strong>trimento do jornalismo<br />
local e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, limitando<br />
o acesso a fontes diversas.<br />
“Associações <strong>de</strong> jornalismo e<br />
profissionais da imprensa assinaram<br />
um manifesto em 20<strong>21</strong><br />
chamando a atenção para os<br />
efeitos negativos e pedindo a<br />
remoção do artigo no texto do<br />
projeto”, aponta Fernan<strong>de</strong>s.<br />
Um dos riscos seria o cerceamento<br />
da liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> imprensa<br />
com o possível prejuízo a jornalistas<br />
não consi<strong>de</strong>rados como<br />
tais, mas que produzem conteúdo<br />
igualmente verda<strong>de</strong>iro. “A<br />
i<strong>de</strong>ia é boa e bem-intencionada,<br />
mas talvez ainda precise <strong>de</strong><br />
aprofundamento no Congresso<br />
Nacional”, recomenda Tamer,<br />
do Machado Meyer Advogados.<br />
Condições, valor e veículos que<br />
teriam direito à remuneração<br />
também preocupam Felipe Bogéa,<br />
da ESPM. Mesmo assim,<br />
ele encara a discussão como<br />
um avanço, a exemplo do que já<br />
acontece na Austrália, primeiro<br />
país a criar remuneração entre<br />
plataformas e veículos.<br />
“Um ano após a implementação,<br />
ainda vemos dificulda<strong>de</strong>.<br />
Com o tempo, os diferentes<br />
atores <strong>de</strong>veriam ir ajustando<br />
a remuneração. E os legisladores,<br />
com base em dados, <strong>de</strong>veriam<br />
rever a lei <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> dois<br />
ou cinco anos”, exemplifica<br />
Bogéa. Diante da falta <strong>de</strong> regras,<br />
políticas e códigos estruturados,<br />
Bruno Fernan<strong>de</strong>s, da<br />
FDC, propõe que a discussão<br />
“gire em torno da responsabilida<strong>de</strong><br />
das plataformas diante<br />
dos fatos e das ações”.<br />
Dúvidas persistem: plataformas<br />
po<strong>de</strong>m atuar como censoras?<br />
Po<strong>de</strong>m ser punidas pelo<br />
comportamento <strong>de</strong> seus usuários?<br />
Devem assumir o controle<br />
da veracida<strong>de</strong> das informações<br />
compartilhadas em seus meios?<br />
Elas têm capacida<strong>de</strong>, estrutura<br />
e autarquia para tal? “Percebo<br />
ainda um texto dúbio, incipiente<br />
e, ora, arbitrário”, respon<strong>de</strong><br />
Fernan<strong>de</strong>s.<br />
Contestar a formulação <strong>de</strong><br />
leis “é esperado, lógico e lícito<br />
no sentido <strong>de</strong> evitar a regulamentação,<br />
preferindo uma<br />
autorregulação do setor, e<br />
também <strong>de</strong> querer influenciar<br />
no <strong>de</strong>bate e nas leis estabelecidas”,<br />
avalia Felipe Bogéa.<br />
O advogado Maurício Tamer<br />
confirma que parte do papel<br />
das estruturas jurídicas neste<br />
processo é melhorar as normas<br />
com a participação dos agentes<br />
<strong>de</strong> mercado e socieda<strong>de</strong> civil.<br />
“Costumo dizer que as tecnologias<br />
colocam o Direito e as suas<br />
leis em um verda<strong>de</strong>iro divã.<br />
O momento é <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconstrução<br />
e reconstrução”, corrobora<br />
Tamer.<br />
Para Bogéa, o projeto <strong>de</strong> lei<br />
tem limitações e excessos, mas<br />
Divulgação<br />
“<strong>de</strong>cisões <strong>de</strong> hoje<br />
<strong>de</strong>terminArão<br />
o futuro do<br />
discurso público<br />
e influenciArão<br />
A sociedA<strong>de</strong>”<br />
não vai acabar com a internet<br />
livre. As questões mais polêmicas<br />
estão na mo<strong>de</strong>ração do<br />
conteúdo online, que exigem<br />
mais agilida<strong>de</strong> e flexibilida<strong>de</strong><br />
das plataformas para coibir a<br />
difusão <strong>de</strong> informações falsas;<br />
no excesso <strong>de</strong> obrigações sobre<br />
dados e <strong>de</strong>talhes <strong>de</strong> como os<br />
sistemas funcionam, on<strong>de</strong> a lei<br />
serviria para regular e controlar<br />
sem expor <strong>de</strong>masiadamente<br />
questões intrínsecas das plataformas<br />
e sem ser um peso <strong>de</strong>snecessário<br />
às empresas; além<br />
da restrição ao uso <strong>de</strong> informações<br />
pessoais para segmentação<br />
<strong>de</strong> anúncios. “Isso me<br />
parece um excesso e não tem<br />
uma relação tão direta com a<br />
contenção <strong>de</strong> fake news”, contrapõe<br />
Felipe Bogéa, da ESPM.<br />
perna curta<br />
A história <strong>de</strong>ixa alertas. Em<br />
1944, a então União Soviética<br />
reportou aos Aliados as atrocida<strong>de</strong>s<br />
cometidas pelos alemães<br />
contra o povo ju<strong>de</strong>u. Mas<br />
a mídia à época se recusou a<br />
publicar a história acreditando<br />
que se tratava <strong>de</strong> uma farsa da<br />
propaganda soviética. Quantas<br />
vidas po<strong>de</strong>riam ter sido salvas?<br />
Quem sabe a menina Anne<br />
Frank não contaria ela mesma<br />
as passagens <strong>de</strong> seu diário,<br />
hoje famoso em todo o mundo.<br />
Capturada em 1944 após dois<br />
anos vivendo em um porão na<br />
Holanda, a garota foi levada ao<br />
campo <strong>de</strong> concentração e extermínio<br />
<strong>de</strong> Auschwitz-Birkenau e<br />
<strong>de</strong>pois <strong>de</strong>portada para Bergen-<br />
-Belsen, on<strong>de</strong> morreu vítima<br />
<strong>de</strong> febre tifói<strong>de</strong> em fevereiro <strong>de</strong><br />
1945, apenas três meses antes<br />
do fim da guerra na Europa.<br />
Hoje, o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> editar a realida<strong>de</strong><br />
é empunhado pelas<br />
bigtechs. “Usuários <strong>de</strong> mídia<br />
social têm pouco controle sobre<br />
o conteúdo que veem. As<br />
plataformas usam algoritmos<br />
complexos na escolha dos conteúdos,<br />
expondo as pessoas<br />
a postagens que talvez nunca<br />
tenham procurado por conta<br />
própria”, confirma Bogéa, da<br />
ESPM. A i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que as bigtechs<br />
não passam <strong>de</strong> plataformas<br />
<strong>de</strong> tecnologia, que “apenas”<br />
conectam pessoas, já virou conversa<br />
para boi dormir. “Uma<br />
<strong>de</strong>finição mais assertiva parece<br />
<strong>de</strong>mandar um estudo técnico e<br />
até sociológico”, sugere o advogado<br />
Maurício Tamer.<br />
A concentração <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r<br />
exige equilíbrio para preservar<br />
o regime <strong>de</strong>mocrático, interesse<br />
da socieda<strong>de</strong> e das próprias<br />
bigtechs, “que só existem em<br />
razão da liberda<strong>de</strong> que a <strong>de</strong>mocracia<br />
assegura”, adverte<br />
Tamer. Segundo ele, mais do<br />
que colocá-las na pare<strong>de</strong>, as<br />
plataformas <strong>de</strong>vem ser valorizadas<br />
como agentes <strong>de</strong>ste processo<br />
sob pena <strong>de</strong> se “criar uma<br />
regulação que ignore a realida<strong>de</strong><br />
e, por isso, não funcione”,<br />
finaliza.<br />
Mas não só as leis estabelecem<br />
limites. O tema exige iniciativas<br />
e políticas públicas <strong>de</strong><br />
educação digital. A socieda<strong>de</strong><br />
precisa se engajar na discussão<br />
e cobrar posturas a<strong>de</strong>quadas.<br />
“As <strong>de</strong>cisões das plataformas e<br />
dos reguladores tomadas hoje<br />
<strong>de</strong>terminarão o futuro do discurso<br />
público e influenciarão<br />
os maiores acontecimentos da<br />
socieda<strong>de</strong>”, avisa Felipe Bogéa,<br />
da ESPM. As consequências político-econômicas,<br />
humanitárias<br />
e <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> mental, talvez,<br />
só mesmo a história conseguirá<br />
aferir. E é sempre bom lembrar<br />
que mentira tem perna curta.<br />
jornal propmark - <strong>21</strong> <strong>de</strong> março <strong>de</strong> <strong>2022</strong> 23