11.01.2022 Views

O grande desafio e a conquista de um destino - 09-07-19

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Fernando Araya

Jussara Mello

Marília Papaleo Fitchner

O Grande

Desafio e

a conquista de um destino

Admirável Desígnio

2017


Copyright © 2017 by Fernandes Editora Ltda.

Curitiba – PR

Impresso no Brasil/Printed in Brazil,

com depósito legal na Biblioteca Nacional,

conforme Decreto nº 1.825, de 20 de dezembro de 1907.

Todos os direitos reservados.

É proibida a reprodução total ou parcial de qualquer parte desta edição,

por qualquer meio, sem a expressa autorização da editora.

A violação dos direitos de autor (Lei nº 9.610/1998) é crime

estabelecido pelo art. 184 do Código Penal.

Edição: Fernandes Editora Ltda.

Preparação de originais: Tiago Krelling Marinaska

Revisão: Schirley Horácio de Gois Hartmann

Admirável Desígnio Edições

Rua Mamoré, 218 ‒ Bairro São Francisco ‒ Curitiba ‒ PR

Nota do autor: Este livro faz parte do projeto Um Mundo Melhor, realizado em parceria

com as professoras Jussara Mello e Marília Papaleo Fitchner, de Porto Alegre.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação

Bibliotecária responsável: Mara Rejane Vicente Teixeira

Araya, Fernando

O Grande Desafio e a conquista de um destino / Fernando

Araya. ‒ Curitiba, PR: Admirável Desígnio, 2017.

111 p ; 21 cm.

ISBN 978-85-5622-003-5

1. Jovens – Conduta – Planejamento. I. Título.

CDD (22ª ed.)

158.1


Capítulo I

Ela é a Nina

Ana Carolina ‒ “Nina”, como a chamavam ‒ já estava quase entrando

na adolescência. Era alta e, por isso, parecia mais velha que suas amigas.

Seu quarto, Nina tinha reparado já há algum tempo, não fazia mais

parte de sua vida ‒ apesar de já ter feito vários arranjos e desarranjos,

trocando o lugar da cama pelo do armário e do armário pelo da

cômoda, ela achava que ainda lembrava um pouco um estilo infantil,

que ela queria evitar de qualquer jeito. As coisas de menina tinham

de ficar para trás.

Certo dia, a jovem garota estava penteando o cabelo em frente ao

espelho de sua cômoda, pensativa, com o olhar distante. Era o início

do mês de dezembro e faltavam algumas semanas para o começo do

verão. Nina fazia um balanço daquele ano, e tudo parecia nos eixos:

em casa, tudo ia bem com a mãe, Helena, seu pai, Eduardo, e sua irmã

mais nova, Maria Eduarda, que todos chamavam de “Duda”. Na escola,

havia passado de ano em todas as matérias no terceiro bimestre, e com

louvor na disciplina de Matemática, pela qual era apaixonada, o que

lhe rendeu o apelido de “a mágica dos números”.

Entretanto, o ano anterior tinha sido uma bomba, uma tragédia.

Nina havia reprovado justamente em Matemática! O estranho é que

ela conseguia fazer inúmeros cálculos de olhos fechados, assim como

enxergava a presença dos números em todas as coisas: sabia determinar

a (baixa) probabilidade de o time de futebol do pai ganhar o

3


campeonato da empresa (todos os jogadores eram esportistas de fim

de semana e “pernas de pau”), o tempo exato que sua mãe levava para

ficar nervosa quando via o quarto de Nina desarrumado e a quantidade

precisa dos flocos de milho que sua irmã mais nova derrubava toda

manhã na hora do café.

Em razão da reprovação, Nina teve de fazer o ano inteiro novamente;

além disso, precisou mudar de escola, o que a obrigou a abandonar

toda a sua turma de amigos. A despedida foi muito dura para ela.

Ainda assim, apesar dessa situação confusa e tumultuada em que se

encontrava, Nina reagiu bem: lidou com seus sentimentos da melhor

forma que pôde e estudou como nunca havia feito antes. O melhor de

tudo é que ela havia gostado de se sentir desafiada pelas circunstâncias

e por ela mesma. Acima de tudo, sentia-se feliz por poder contar com o

apoio da família em toda essa embolação. Nunca tinha recebido tantos

cafunés do pai; a mãe se dispunha a levá-la para encontros com os

antigos amigos da escola; e Duda havia parado de pegar páginas de

seus livros para fazer barcos, para suas brincadeiras na chuva.

A aparente calma que reinava em seu quarto foi quebrada por gritos

que vinham de fora de sua casa e, de repente, por um baque forte que

veio da direção da janela ‒ uma bola havia acertado o vidro. Furiosa

com aquela intromissão, Nina foi até a janela e viu que algumas crianças

brincavam na rua, lideradas por Duda, que tinha pouco mais de

8 anos. Ela não parava de rir e falar junto com suas amigas na farra

que estavam fazendo naquele dia. Nina largou a escova sobre a cama,

abriu a janela e gritou olhando para Duda:

– Ei, Duda, podem parar com essa gritaria? Ora, que destrambelhadas

vocês são! Quase quebram o vidro da janela... Vão brincar em outro

lugar! E cuidado com essa bola, hein?

Duda e as amiguinhas pegaram a bola e saíram correndo, gargalhando

da bronca que tinham levado.

– Essas crianças... – disse Nina, que logo começou a rir sozinha por

perceber que já não se identificava com as brincadeiras de criança...

Agora ela se sentia a irmã mais velha mesmo, com todas as responsabilidades

(e poderes) que esse “cargo” lhe trazia...

Essa revelação ajudou Nina a entender por que aquele quarto não

4


combinava mais com ela: era o início da adolescência e, com ela, das

mudanças radicais de sensações, desejos e prioridades da vida.

Nina voltou a olhar para o espelho. Apesar de estar com a sensação

de dever cumprido, sabia que estava crescendo e que buscava uma

série de respostas para a sua vida ‒ ou melhor, para essa nova vida que

estava à sua frente. Além disso, queria ser mais independente, ter mais

amigos e ser menos cobrada, principalmente em relação à arrumação

do quarto... Ai, ninguém merece!

Mas o que mais a angustiava de verdade era a sensação de estar

fazendo pouca coisa para seu próprio crescimento. As perguntas que

mais martelavam em sua cabeça eram: “Como seria sua vida? Qual

seria seu futuro?”. Ela sabia, é claro, que essas questões não teriam

respostas definitivas, ainda mais na sua idade; mesmo assim, ela não

queria esperar sentada por soluções para os seus problemas.

Este último pensamento fez Nina respirar fundo e tomar uma decisão:

ela começaria a cuidar de seu futuro ‒ criaria metas e objetivos para se

tornar muito mais que uma simples menina e se transformar em uma

grande mulher. Não sabia muito bem como faria isso, mas tinha plena

certeza de que, de agora em diante, teria de ser muito melhor e mais

forte; teria de ser dona do seu destino! Para garantir isso, iria tomar as

devidas providências e não esconderia isso de ninguém!

De repente, Duda entrou com sua tropa correndo no quarto. Com

os cabelos todos emaranhados e um sorriso lindo de se ver, a menina

sapeca perguntou:

– Nina, que tal a gente brincar de esconde-esconde? Você conta, é

claro!

– Não vai dar não, Duda... – respondeu Nina.

– Ué, por que não? ‒ perguntou Duda, frustrada. ‒ A gente quer que

você brinque! Vamos!

– De agora em diante, não vou me esconder de mais nada que aparecer

na minha frente – disse Nina, saindo triunfante e enigmática do quarto.

– Hããã? – perguntou-se Duda, que ficou com o olhar perdido, sem

entender do que Nina estava falando. Decepcionadas, a moleca e suas

5


amigas viram a irmã mais velha dar as costas e sair do quarto.

Mal sabia Nina, ao deixar seu refúgio, que o próprio destino,

que ela tanto desejava conquistar, já lhe havia reservado inúmeros

desafios. Tudo o que ela já tinha vivido, ou pensado em viver, não

se comparava em nada ao que muito em breve iria lhe acontecer: do

espelho do quarto, agora vazio, surgiram algumas figuras estranhas

interessadas naquela jovem; figuras do passado longínquo da família

de Nina: os Mágicos e os Matemágicos.

Capítulo II

Mágicos e Matemágicos

Deixemos Nina um pouco de lado para falar das duas famílias

fundamentais (malucas) que farão parte da história de nossa heroína:

os Mágicos e os Matemágicos.

É difícil precisar quando os homens começaram a realizar as primeiras

magias e a criar as poções milagrosas mais elaboradas do Mundo

Antigo. Dizem alguns que pode ter sido há milhares de anos, quando

os primeiros agricultores, vindos de terras longínquas, estabeleceram-

-se na antiga Mesopotâmia.

No início, as poções e as magias eram feitas não só para que os

seres humanos se comunicassem melhor com a natureza, mas para

que a Mãe de Todos os Seres fosse bondosa com a agricultura e trouxesse

sol e chuva nas horas certas. Com o tempo, homens e mulheres

capazes de entrar em contato com a vida do planeta começaram a ser

requisitados para os mais diversos tipos de resolução de problemas

que podiam surgir na Antiguidade, tornando-se desde fazedores de

chuva, arrancadores de dentes até assessores de homens poderosos,

transformando-se em importantes conselheiros das mais variadas

cortes, participando do seu dia a dia como depositários dos mais íntimos

segredos de reis e rainhas nos mais suntuosos palácios no mundo

inteiro. Por essas vantagens, esses seres extraordinários atraíram muitas

pessoas que compartilhavam de suas causas nobres e que os viam

como verdadeiros símbolos de sabedoria; mas também chamaram a

atenção de muitos descontentes com o poder que os Mágicos haviam

6


conquistado, principalmente porque eles não desejavam utilizar suas

capacidades para interesses pessoais, como a busca por riquezas ou a

criação de armas para combater possíveis adversários. Com o tempo,

uma dessas pessoas invejosas encontrou uma forma de entrar em

contato com os sábios, usando o pretexto de ajudá-los em seus grandes

projetos. Pacientemente, aprendeu tudo (e mais um pouco) que os

místicos, extremamente generosos com seus conhecimentos, tinham

a ensinar. Anos mais tarde, essa figura seria a responsável por uma

transformação radical na vida dos místicos sábios.

Há também aqueles que dizem que foi no Antigo Egito, logo após

a construção das Grandes Pirâmides, que essas figuras começaram

a obter uma identidade própria, sejam como mágicos, sejam como

alquimistas. Ao longo dos séculos, esses estudiosos do mundo místico

foram aprimorando suas técnicas, incluindo a de promover grandes

festas ‒ todos muito divertidos e com uma fraqueza por belas refeições.

Os Mágicos começaram a se especializar na arte da gastronomia;

aliás, não havia na Antiguidade laboratórios melhores que as próprias

cozinhas. Por isso esses indivíduos ficaram famosos por promoverem

banquetes fantásticos, sempre regados com muita alegria e magia.

Algumas pessoas dizem que um grande pintor, arquiteto e alquimista

da Idade Média, conhecido como Leonardo da Vinci, começou a revolucionar

o mundo com suas teorias e a influenciar muitos Mágicos,

que começaram a introduzir elementos matemáticos em seus feitiços

e na elaboração de suas poções, passando então a denominar a si

mesmos de “Matemágicos”. Então, Mágicos e Matemágicos começaram

a divergir em alguns pontos de suas práticas: havia aqueles que

desejavam manter as tradições e outros que se aventuravam no estudo

de elementos da lógica e da química. Assim, os Mágicos continuaram

com a alquimia, e sua especialidade na gastronomia eram as comidas

doces; os Matemágicos, por sua vez, elegeram a lógica e a química

como caminhos para o conhecimento e dominavam os pratos salgados.

Apesar de haver aqueles que ficaram temerosos e furiosos com

essa mudança, o fato é que o mundo ganhou em riqueza com essa

discordância.

Mas a história dessa antiga família foi manchada por uma grande

tragédia, cujas razões poucos conhecem hoje: os Mágicos foram

7


condenados a uma grande cisão. Ainda assim, o grupo conseguiu

encontrar seu lugar no mundo.

Em determinado momento da história, a figura maligna que havia

estudado com os Mágicos conseguiu arquitetar um plano para destruí-

-los, envolvendo-os em um evento muito conturbado, cujo resultado foi

a invocação de uma maldição que forçou a separação definitiva entre os

dois grupos. Então, ambas as famílias cresceram em número, separadamente,

e nunca mais se sentaram à mesma mesa nem compartilharam

da mesma comida ou das mesmas aspirações, fato que enfraqueceu os

místicos. O problema é que a maldição imposta às duas famílias não

visava apenas à separação delas, mas também à sua extinção.

Até o presente momento, ninguém sabe o que o destino lhes reservaria

‒ se a salvação ou a destruição final. Apenas sabemos que uma

bela e inteligente rainha propôs uma forma de reverter essa catastrófica

e terrível maldição ‒ a da realização do que ela chamou de “Grande

Desafio”.

Para isso, era necessário encontrar uma pessoa que pudesse cumpri-lo

por completo. Essa figura deveria ser um grande nobre, primogênito,

que fosse fruto das duas famílias.

Muitos integrantes dos dois grupos viram nessa determinação a

condenação de todos. Era mais fácil achar a quadratura do círculo que

unir Mágicos e Matemágicos novamente. Até agora...

Capítulo III

A passagem

– Mããããe! Onde você está? – gritou Nina, descendo a escada de

sua casa.

– Aqui na cozinha, filha, venha! – disse Helena, a mãe de Nina, que

era uma mulher muito inteligente, bonita, de cabelos ruivos e encaracolados.

Sempre disposta a ajudar, nunca dava o conhecimento pronto,

mas mostrava os melhores caminhos para o saber.

Nina estava indo pelo corredor que levava à copa, logo chegando à

grande cozinha. Essa não era uma cozinha muito comum de se ver, pois

8


contava com dois fogões, duas pias e duas geladeiras. Era a cozinha

de Helena e Eduardo: numa parte, comandada por Helena, faziam-se

as comidas doces; na outra, encabeçada por Eduardo, eram elaboradas

as comidas salgadas.

(Sim! Nina fazia parte de uma família de Mágicos e Matemágicos...)

– Sabe, mãe, estou um pouco confusa com o que quero fazer de

minha vida... – lamentou Nina.

– Ora, isso é normal em sua idade ‒ tranquilizou Helena. ‒ Na

realidade, muitas pessoas, mais velhas que você, também se sentem

confusas assim hoje em dia – complementou.

– É que eu queria poder me organizar para saber como posso melhorar

‒ explicou Nina.

– Olha só! ‒ disse Helena, muito admirada. ‒ Fico muito feliz que

você esteja pensando nisso agora...

No decorrer da conversa, Nina percebeu que a mãe estava diferente

naquele dia ‒ parecia nervosa e apressada, um pouco apreensiva; algo

havia acontecido naquela cozinha ou em algum outro lugar...

– Mãe, você está parecendo meio nervo... – começou a falar Nina,

quando foi interrompida.

– O quê? Eu? Imagina, Nina, não... ‒ desconversou Helena. Nesse

momento, como do nada, apareceu Eduardo.

– Olá, Nina. Tudo bem? – perguntou Eduardo. Ele tinha um porte

grande, usava óculos e também aparentava um semblante nervoso.

– Sim... – respondeu Nina, um tanto desconfiada.

– Helena, precisamos conversar – falou Eduardo, muito nervoso.

Helena pediu a Nina que visse o que Duda estava fazendo com suas

amigas. Quando a filha mais velha saiu, os pais começaram a conversar

baixinho. De acordo com Eduardo, parecia que estava para acontecer

alguma coisa grave nas famílias dos Mágicos e Matemágicos. Nina

estava indo pelo corredor em direção à sala quando os dois falaram

um pouco mais alto e ela ouviu:

– Mas não é possível! Você sabe por que isso está acontecendo

9


agora? – perguntou a mãe.

Nina então não se conteve: pé ante pé, voltou para a porta da cozinha,

que havia ficado entreaberta, e começou a escutar a continuação

da conversa:

– Você está dizendo que está chegando o momento de nossas famílias

serem extintas? – perguntou Helena. ‒ Mas por quê? Ainda não apareceu

o nobre tão esperado? ‒ reiterou, apesar de já saber a resposta.

– Acabei de vir da ilha, Helena. A situação é desoladora: até o

momento, não apareceu o nobre capaz de realizar o desafio por completo.

Para piorar, de acordo com o que falam os integrantes do conselho,

o prazo final está se acabando, e todos têm muito receio das ameaças

que podem deflagrar o ataque final contra a ilha – relatou Eduardo,

com o ar derrotado.

– Então eu vou lá, Eduardo! ‒ afirmou Helena, resoluta. ‒ Preciso

falar com meus pais. Vou aproveitar e falar com os seus também,

temos que tirá-los de lá! Fique com as crianças, que eu retorno assim

que puder – propôs a esposa.

– Vá, minha querida! Vá logo e tome cuidado – concordou Eduardo,

dando um abraço em Helena.

Nina não havia entendido muito bem o porquê da conversa. Chegou

mais perto da cozinha e, olhando pela abertura da porta, viu que a mãe

foi andando em direção aos fundos do cômodo, onde havia um velho

armário embutido. Em determinado momento, a jovem ficou boquiaberta

com o que parecia ser um truque de mágica: o móvel começou

a ficar transparente, mostrando assim uma abertura atrás dele que a

menina nunca havia visto. Helena foi andando na direção do armário

e ... outra surpresa! Em vez de a mãe da adolescente bater de frente

com o objeto, ela foi como que absorvida por ele e então desapareceu.

Nina, sem saber o que fazer e sem querer revelar que tinha ouvido

toda a conversa, ficou assustada e saiu correndo para o seu quarto,

bastante confusa. Deitada na cama, não conseguia entender o que havia

acontecido com sua mãe e ficou nervosa com o que tinha presenciado.

Que conversa era aquela de ilha? A única ilha que sua família havia

visitado era a Ilha do Mel, e ela tinha certeza de não ter parentes lá. E

10


aquela história de conselho e de teste? Seus pais pareciam dois malucos,

falando como se estivessem em um daqueles filmes de fantasia,

que, aliás, Nina detestava. Tentando se acalmar e ao mesmo tempo

rejeitar o que havia presenciado, em determinado momento chegou a

se convencer de que estava sonhando, fechou os olhos e dormiu.

A noite caiu. Helena ainda não havia voltado e Eduardo chamou

Nina e Duda na cozinha para jantarem.

– Olá, crianças! A Helena foi visitar seus avós e ainda não voltou...

Devem estar tendo uma longa conversa, como sempre. Vocês já sabem

como é, não é mesmo? ‒ Eduardo explicou, tentando ser o mais natural

possível. Até Duda percebeu que havia algo errado. ‒ Que tal, vamos

comer? ‒ propôs o pai.

Eduardo preparou a mesa e os três começaram a comer quando o

telefone da sala tocou. O pai levantou e foi atender. Enquanto isso,

Nina olhou para Duda e falou:

– Duda, não sei se foi sonho ou não, mas está acontecendo algo

muito estranho aqui em casa! A mãe foi visitar nossos avós, mas ela

não saiu da cozinha...

– Mas, Nina, como você sabe de uma coisa dessas? – perguntou Duda.

– Eu vi ou acho que vi...

Num lapso, Nina pegou Duda pelo braço e disse:

‒ Venha! É por aqui, é uma coisa muito estranha!

Duda saiu toda frustrada, pois o jantar estava ótimo. Pegou uma

coxinha do frango assado preparado pelo pai e acompanhou a irmã,

apesar de achar tudo aquilo uma perda de tempo.

As duas levantaram e foram andando devagar em direção a um dos

cantos da cozinha onde se encontrava o armário. Quanto mais perto

chegavam, mais intensa era a impressão de que o armário ficava transparente,

deixando à vista uma entrada que dava acesso a um corredor

escuro. Se essa era uma porta que levava a algum lugar, parecia que

ainda estava ativada, aguardando a volta de Helena.

– Venha, Duda, me dê sua mão! É por aqui que vi a mãe entrar –

explicou Nina, puxando a irmã, que não gostava muito do que estava

11


vendo. Receosa e também com certo ar de medo, a caçula apertou com

força a mão da irmã e as duas foram passo a passo caminhando em

direção ao armário e entrando na passagem.

As duas começaram a entrar no túnel de mãos dadas. Em certo

momento, ao olharem para trás, viram que tudo tinha ficado muito

escuro e perceberam que não podiam mais voltar, pois haviam perdido

a noção de onde estavam; não viam mais entrada nem saída. Foram

em frente, por onde acharam que fosse a saída, até tocarem no que

pareceu ser uma cortina muito escura. Empurraram-na para o lado e

sentiram de imediato seu grande peso, que exigiu esforço das duas

meninas. Logo depois vieram outras cortinas escuras e, por fim, uma

cor de chumbo, outra cinza e, finalmente, uma mais clara.

A cada passo que as irmãs davam, as cortinas ficavam mais leves.

Depois de um tempo, começaram a passar por cortinas de diversas

cores ‒ laranja, vermelhas, verdes, todas iluminadas por uma intensa

luz que parecia ser do Sol e que realçava ainda mais as diferentes

tonalidades. Também começou a soprar uma leve e morna brisa que

fazia as cortinas se abrirem assim que as meninas faziam menção de

dar um passo adiante.

De repente, as duas garotas foram pegas de surpresa ao darem mais

alguns passos: sem querer, tropeçaram num degrau que apareceu do

nada e as duas caíram de joelhos. Olhando para baixo, perceberam

que haviam caído sobre areia, uma areia branca. Levantaram o olhar

e viram que estavam em uma praia linda e tranquila. À sua frente,

podiam ver uma mata com belas árvores, cipós e coqueiros. Elas então

olharam para trás, virando-se em direção de onde tinham vindo, mas

não viram mais a passagem nem as cortinas multicoloridas ‒ apenas

um mar verde-claro maravilhoso.

Capítulo IV

As convidadas

Nina e Duda estavam em uma verdadeira praia dos sonhos. A irmã

mais velha percebeu que, saindo da mata à sua frente, havia uma

movimentação colorida e saltitante que parecia distorcida pelo ar

12


quente da praia. A agitação ia aumentando, à medida que caminhavam

e começaram a ouvir sons de crianças alegres rindo e falando alto.

Aquela massa multicolorida foi aos poucos se definindo. Tratava-se

de um grupo considerável de crianças, correndo, saltando, agitando

os braços e gritando palavras de boas-vindas.

– Oba! Tudo bem com vocês? Eu sou a Dione – falou a maior das

crianças do grupo, aparentando não estranhar a presença daquelas

duas crianças esquisitas, com roupas que não tinham cor nenhuma e

que cheiravam a... frango.

– Eh... sim... Desculpe, podem nos dizer onde estamos? – perguntou

Nina, surpresa pelo fato de Dione não estranhar sua presença. Suas

roupas pareciam ter saído direto de um desfile de escola de samba.

– É que a gente estava jantando em nossa casa agora há pouco –

completou Duda.

– Ora, vocês não sabem? Na Ilha do Meu! – falou uma das crianças.

– Nossa! Ilha do quê? – perguntou Duda.

– Ilha do Meu! ‒ respondeu outra criança. ‒ Vocês querem ser nossas

convidadas para a grande festa?

– Que festa é essa? – perguntou Nina, quase rindo da coincidência

do nome da ilha.

– A grande festa dos Mágicos e Matemágicos, ora! Vai ser a maior

de todos os séculos! – respondeu Dione.

– Oba, que legal, uma festa! Queremos, sim! ‒ animou-se Duda. ‒ Vai

ter doces? – perguntou, pensando mais com o estômago do que com a

cabeça, o que fez Nina lhe dar um leve cutucão de ombro.

– Claro que sim, os melhores doces que já comeram! ‒ respondeu

Dione. ‒ Não se preocupem! É que, pelo jeito, vocês são as últimas que

vão aparecer. Quase todas as crianças da ilha já receberam convidados,

menos nós... Vocês vêm com a gente? – perguntou, estendendo a mão.

Nina começou a reparar nas carinhas meigas das crianças que vestiam

roupas multicoloridas e chapéus de mágicos com penas e adereços dos

mais diferentes tipos.

13


– Já que vocês parecem tão gentis, vamos, sim! Na verdade, a gente

estava procurando nossa mãe. Ela se chama Helena ‒ explicou Nina,

pegando na mão de Dione. – Vocês a conhecem?

– Bem, nós não a conhecemos, mas de uma coisa vocês podem ter

certeza: se ela está na ilha, vocês vão encontrá-la na festa ‒ explicou

Dione.

Atrás das crianças apareceram dois pequenos carrinhos coloridos de

duas rodas. Eles estavam enfeitados com flores e eram puxados pelas

próprias participantes do grupo. Nina e Duda subiram nos carrinhos

e foram levadas para onde começava a floresta. Quando lá chegaram,

receberam coroas de flores e colares de outras crianças.

O chão das trilhas da Ilha do Meu era de areia e estava cheio de

folhas. Todo o trajeto era ladeado por linda vegetação e flores que,

além de formarem um belíssimo túnel verde, protegiam a todos do

sol abrasador que iluminava a ilha. Por onde passavam havia muitas

pessoas, todas vestidas com roupas coloridas como as das crianças,

saudando e agitando as mãos para as duas irmãs. Em meio à gritaria,

sentindo-se contente pelas inúmeras saudações, Nina perguntou:

– Não entendi uma coisa: o nome da ilha é “do Meu”, certo? Mas

“meu” não é um pronome?

– Bom, não sei o que é um pronome, mas é que há muitos anos a ilha

foi dividida entre os Mágicos e os Matemágicos ‒ explicou Dione. ‒

Depois disso, nunca mais existiu “nossa” ilha... E ficou assim: o “meu”

canto, que é dos Mágicos...

– E o “meu” canto, que é dos Matemágicos – falou um menino, com

o nome de Teçá, que estava do outro lado dos carrinhos.

Nina então percebeu que as crianças tinham diversos detalhes nas

roupas: umas tinham círculos e muitas curvas, enquanto outras tinham

quadrados, retângulos e triângulos. A menina pensou: “Nossa, que

pessoal mais maluco!”. Ela já havia ouvido histórias sobre eles, contadas

muitas vezes por Helena e Eduardo; mas vê-los assim, tão de perto,

ela não esperava... “Ainda bem que são alegres e bonzinhos”, pensou,

recostando-se no carrinho que a levava.

Duda, ao contrário de sua irmã mais velha e “chata”, não estava

14


nem um pouco preocupada com o que estava acontecendo: ela estava

adorando a recepção ‒ era a que mais acenava: mandava beijinhos a

todos que vinham até a trilha para cumprimentá-los.

Nina ainda ficou pensativa com relação a tudo o que estava acontecendo,

principalmente quando a trilha chegou ao fim e surgiu à frente

uma grande praça cercada de lindas cabanas, com telhados de palha

muito bem elaborados.

Duda achou lindo o lugar, que estava cheio de gente e de bandeirolas.

Perguntou aos seus hospedeiros em meio à gritaria:

– Vocês não falaram o que estão festejando! Qual é a razão para

toda essa agitação?

– Puxa, é mesmo! ‒ reconheceu Dione. ‒ É a festa que sempre fazemos

quando se inicia o Grande Desafio! – respondeu.

– Ah, bom, desafio... Sim... Que legal, é sempre bom um desafio...

– disse Duda, distraída com toda a beleza que via e com o cheiro

de comida que invadia a praça, que lhe prometia alegria imediata.

– Bem, então... Nós vamos ficar sentados em cima daquela árvore

vendo e torcendo por vocês, certo? Boa sorte! – falou Dione às duas

irmãs, dando tapinhas em suas costas e saindo apressada.

– Espera aí! ‒ exclamou Nina, agora com a pulga atrás da orelha.

‒ Vocês vão “torcer”? Por que “boa sorte”? – questionou Duda,

curiosa e angustiada ao mesmo tempo.

– Ora, por quê? ‒ perguntou Dione, surpresa, como se as irmãs

tivessem dito uma grande bobagem. ‒ Vocês estão na Festa do Desafio

e vão participar dele... Boa sorte! – falou Dione de novo, no exato

momento em que os meninos que puxavam os carrinhos começaram

a acelerar e a tomar a direção do grande centro da praça, enquanto o

grupo de crianças não cansava de fazer acenos, gritar e agitar as mãos.

Os carrinhos pararam, e os meninos que os puxavam saíram correndo,

deixando as irmãs sozinhas no meio da praça. Logo, um grande

silêncio tomou conta do lugar. As meninas olharam uma para a outra,

sem poder acreditar na inusitada situação em que estavam.

Estavam em frente a uma grande e maravilhosa cabana, a maior da

15


praça. Por trás das cortinas da porta da frente saíram dois senhores

com barbas brancas. Eles vestiam roupas coloridas e portavam adereços

e chapéus iguais aos dos demais habitantes que Nina e Duda tinham

avistado pela trilha. Eram o Mágico e o Matemágico mais velhos da ilha.

Do lado de cada um, apareceram labaredas de fogo, e uma voz alta

e forte ecoou na praça:

– Bem-vindas ao Grande Desafio!

A praça toda gritou urras; os tambores começaram a rufar, cornetas

gritaram e todas as bandeirolas da praça foram agitadas. Todos na praça

estavam muito felizes com o acontecimento do século!

Capítulo V

Vítor e Vitório

– Bem-vindas, Nina e Duda. Meu nome é Vítor ‒ apresentou-se um

homem com uma enorme barba branca e sobrancelhas revoltas, muito

negras. Suas roupas tinham motivos florais, linhas curvas, muitas cores,

sem um padrão aparente. ‒ Aceitem nossos parabéns por participarem

do último Grande Desafio – disse o velho, que era Mágico.

As duas garotas não faziam ideia de como é que eles já sabiam os

nomes delas. Ainda assim, de tão inesperada que foi a atitude do

Mágico, elas não ligaram muito para isso.

– Nós acreditamos na sua força e capacidade de alcançar o objetivo

final! Muito prazer! Meu nome é Vitório – disse o outro mago. Esse

também portava uma barba branca, mas era bem cortada e penteada.

Suas roupas tinham motivos geométricos que, Nina percebeu, apresentavam

um padrão de formas bem ordenadas, lembrando raios de

sol. Ele era Matemágico.

Os dois estavam lado a lado, porém um sempre ignorando o outro;

falavam, mas não se olhavam. Nina entendeu que esse era um sinal

mais visível de que as famílias estavam separadas há muito tempo.

Agora ela estava vendo, ao vivo e a cores, as histórias que seus pais lhe

contavam sobre os integrantes desses grupos. Mas ela nunca imaginara

que eles existissem de verdade.

16


– Tudo bem, gente! Adorei a recepção e adorei suas roupas também,

senhores, mas esperem! Acho que se enganaram com a gente... – começou

a falar Nina, que logo foi interrompida por Duda.

– É, pois é... Então... Eu nem sei o que significa direito um desafio,

sabem? Isso está ficando meio desafiador demais, entendem!? ‒ atalhou

Duda, já coçando os cotovelos, sinal de que estava super nervosa

e envergonhada. Além disso, era sinal de que vinha confusão por aí.

– Tudo a seu tempo! ‒ disse Vítor, tentando acalmar os ânimos,

levantando os braços e mostrando as mãos com unhas muito compridas

(as dos dedos mindinhos pareciam curiosamente maiores do que as

outras). ‒ Apesar de não termos muito tempo à disposição, vocês são

nossas convidadas para entrarem em nossa casa a fim de celebrarmos

este momento especial – falou, apontando o interior da casa.

Vitório também fez um gentil gesto com as mãos, com unhas muito

bem cortadas, convidando as duas garotas assustadas para que entrassem

na grande cabana. Nina e Duda consentiram, pois, apesar da

surpresa de estarem ali, os dois velinhos pareciam gente boa ‒ tinham

olhar agradável e aparentavam simpatia pelas meninas ‒ e poderiam

finalmente explicar melhor como e por que as duas haviam chegado à

ilha e também por que deveriam participar desse tal Grande Desafio.

Dentro da grande cabana, Nina e Duda foram conduzidas por um

longo corredor de cor púrpura iluminado por candelabros de velas

redondas, triangulares, quadradas, enfim, dos mais diferentes formatos,

até chegarem a uma espaçosa sala dividida ao meio por um grande

traço no chão. Em uma das metades, havia nas paredes imagens de

estilo egípcio antigo que representavam os feitos dos grandes Mágicos

e alquimistas; na outra, estampavam-se os feitos dos Matemágicos

e químicos, representados por pinturas que lembravam as obras de

Da Vinci. Quando todos estavam devidamente instalados no grande

cômodo, foi Vítor quem tomou a palavra, perguntando:

– Nina e Duda, vocês são filhas de Eduardo e Helena, estou correto?

– Sim! – falaram as duas ao mesmo tempo, angustiadas e surpresas

pelo fato de esses dois esquisitões saberem os nomes de seus pais.

– Então, por que vocês não olham para trás para nós termos total

17


certeza disso? – sugeriu Vitório, com uma expressão astuta no rosto.

As duas viraram para trás e lá estavam seus pais, Helena e Eduardo.

Elas deram um pulo e correram para abraçá-los.

– Seus pais já sabem pelo que estamos passando. É por isso que eles

também estão aqui – continuou Vítor. – Nossas famílias estão chegando

ao fim. Sobre nossa ilha pairam constantes ameaças, trazidas

pela Grande Maldição. Estamos fadados a sermos varridos da ilha e

da face da Terra, a não ser que consigamos completar todas as quatro

etapas do Grande Desafio para tentarmos neutralizar essa maldição

que nos foi imposta em um tempo muito distante, numa época em que

nos separamos, formando assim as duas famílias...

– Diz a lenda – disse o mago Vitório, tomando a palavra – que

poderíamos reverter a maldição se um nobre primogênito de uma

família de Mágicos e Matemágicos aceitasse participar do desafio e

o vencesse. Nina encontra-se na idade apropriada para se candidatar à

tentativa de superar o jogo mortal, pois parece ter todas as qualidades

e características necessárias para isso. Falta saber se ela quer ser dona

do próprio destino e se está segura disso – explicou.

– Sim! Sim! É isso mesmo que eu quero, é isso que eu procuro: ser

dona do meu destino! – Nina respondeu de pronto.

– Mas é perigoso demais enfrentar os infortúnios que o desfio reserva!

Ela não tem idade para fazer isso – falou Helena, agarrando a filha e

quase a esmagando entre seus braços.

– Ela já é bastante grande, mãe, olha o tamanho dela! – falou Duda,

levantando a mão e ficando na ponta dos pés para comparar seu tamanho

com o da irmã, já que era bem menor que ela. Levou outro cutucão

de Nina, que percebeu a pontinha de inveja da irmã mais nova, a qual

sempre queria ser a heroína das histórias.

– Realizar o desafio não é nada fácil – concordou Vítor, coçando

a orelha com a unha do dedo mínimo, antes de perceber que todos

olhavam para ele. ‒ Mas ninguém que foi para o outro lado da ilha

para enfrentá-lo deixou de voltar. Na verdade, é nisso que reside nosso

problema... ‒ argumentou o Mágico, hesitante em continuar.

– Se o Grande Desafio não tivesse as suas dificuldades ‒ atalhou

18


Vitório ‒, ele não seria um desafio, não é mesmo? ‒ perguntou o

Matemágico, entediado com a incapacidade de Vítor de colocar essa

variável na equação dos acontecimentos. ‒ Mas não temam: todos os

participantes do jogo recebem dois anéis para serem usados quando

sentirem que sua vida corre perigo ‒ um para cada mão. Quando os

anéis são unidos, graças à nossa magia, a pessoa volta, num piscar de

olhos, ao ponto de partida! Ela retorna para esta cabana sem sofrer

nada... É claro que todas as pessoas que são teletransportadas para

cá caem de bumbum no chão... Mas isso é só um detalhe! ‒ explicou

Vitório, nervoso.

Os magos então abriram uma caixa de madeira escura, cravejada de

diamantes, esmeraldas e rubis, e mostraram os dois belíssimos anéis

de ouro ‒ um com um magnífico rubi e o outro com uma fantástica

esmeralda.

– Nossa, que lindos! O meu é o vermelho! – falou logo Duda, pisando

no pé de Vítor para alcançar seu prêmio antes da irmã mais velha.

– Fique quieta, Duda – balbuciou Nina, puxando a irmã mais nova

para perto de si.

– Quando os anéis são encostados um no outro, o desafiante sai da

situação de perigo e volta automaticamente para a zona de conforto,

ou seja, para esta cabana ‒ explicou Vítor, ainda com o dedão do pé

latejando. ‒ Nada lhe acontece. Ninguém nunca deixou de voltar.

Entretanto, tampouco conseguiu explicar o que aconteceu na etapa em

que foi derrotado, porque nada fica na memória dos que usam os anéis.

– Então, o desafiante tem a chance de evitar qualquer tipo de

perigo? – perguntou Eduardo.

– Sim, a questão é que, até hoje, ninguém conseguiu enfrentar

todas as etapas do desafio. Em um momento ou outro, todos acionaram

os anéis – esclareceu Vitório, com uma ponta de tristeza na voz

e a lembrança de que ele mesmo havia usado o anel, há milhares de

anos. – Portanto, todos voltaram de mãos vazias, e ninguém conseguiu

lembrar por que haviam acionado os anéis nem contar o que aconteceu

na etapa em que o jogo foi interrompido.

– Então, é bom saber que os anéis garantem a segurança de quem

19


participa ‒ raciocinou Eduardo. ‒ Mas o que está escrito na tampa da

caixa? – perguntou, apontando para uma escrita com símbolos que

ninguém conseguia decifrar.

– Está escrito em um idioma antigo e quer dizer alguma coisa como

“ANÉIS DAS DESCULPAS” – falou Vítor, que limpava um dos dentes

da frente com a unha do dedo mindinho, antes de notar que todos o

olhavam com uma cara de desapontamento.

– Ah, anéis tão lindos serem chamados de “Anéis das Desculpas”?

Que desperdício! – falou Duda, meio que gargalhando, olhando para

o seu anel no dedo e sentindo-se uma poderosa feiticeira.

– Sim, “Anéis das Desculpas”! É a tradução mais próxima a que

podemos chegar – explicou Vitório, batendo na mão de Vítor, que já

ia alcançando o nariz com uma de suas unhas.

Helena e Eduardo conversaram entre si. Em seguida, chamaram Nina

e Duda e continuaram discutindo por um longo tempo. Ao terminarem,

todos se abraçaram. Nesse momento, Helena tomou a palavra:

– Nós já conversamos o suficiente e, como Nina nos falou que quer

encontrar seu caminho, assim como quer ser dona do próprio destino,

Eduardo e eu, como pais, não poderíamos nos opor a isso, mesmo

porque o Grande Desafio pode ajudá-la em seu crescimento. Temos

certeza de que ela pode contribuir para a sobrevivência de nossas famílias.

Como agora sabemos que, caso encontre algum perigo iminente e

sinta a necessidade de desistir com segurança, ela poderá fazê-lo com

a ajuda dos anéis sem nenhum risco à sua vida, chegamos à conclusão

de que Nina pode participar! ‒ disse Helena, emocionada.

– Nós concordamos! Uhuuuu! – gritou Nina.

– Eeeeh! – gritou Duda.

As duas meninas foram então levadas para a praça, repleta de centenas

de Mágicos e Matemágicos. Nesse momento, Vítor e Vitório ergueram

os braços ao mesmo tempo e gritaram para todos:

– Vamos ter desafio! – falaram simultaneamente.

Tocaram as cornetas, e todos os que estavam na praça, em cima

das árvores e nas cabanas, gritaram juntos, pularam e se abraçaram.

20


– Que comecem os preparativos! – os dois completaram.

O céu foi tomado por uma tonalidade púrpura e já se podia distinguir

a luz das primeiras estrelas avisando a chegada da noite.

Eduardo e Helena abraçaram Nina e Duda. ‒ Nina, você se lembra de

que a chamavam de “a mágica dos números” na escola? ‒ perguntou

Eduardo. ‒ Os números estão debaixo de cada pedra, no ar, na água,

no chão que você pisa. Eles vão protegê-la, minha querida! ‒ falou.

‒ E a natureza também vai estar ao seu lado, minha filha ‒ explicou

Helena, segurando o rosto de Nina entre as mãos. ‒ E você não se

esqueça de sua natureza: valente, curiosa, inteligente e perseverante.

Não deixe que nada naquele maldito desafio faça você pensar de outra

forma ‒ aconselhou Helena, que afagava o rosto da filha.

‒ Ai, gente, que choradeira! ‒ disse Duda, entediada. ‒ Vocês se

esqueceram do básico: euzinha aqui estou a postos para proteger a

Nina. Nada de errado vai acontecer com ela! E não se esqueçam de

fazer doces e salgados bem gostosos para quando a gente retornar,

hein? Aposto que vou ficar com muita fome quando voltar.

Todos deram ótimas gargalhadas. Enfim, era a hora de as meninas

seguirem seu caminho. A partir daquela noite, eles se separariam até

que Nina completasse o desafio.

Capítulo VI

As regras

Linda manhã na aldeia mágica da Ilha do Meu. Aos poucos, os primeiros

Mágicos e Matemágicos começavam a se movimentar pelas

diversas trilhas que percorriam toda a extensão da ilha.

Sobre o piso de bambu de uma grande varanda, em uma casa com

vista para o mar, Nina e Duda foram apresentadas a Ísis, uma linda

mulher de pele morena, responsável por transmitir as regras do desafio

a todos os participantes. Ela concordou que Duda acompanhasse

sua irmã naquele momento, pois seria bom para as duas. Além disso,

seria um alívio para Ísis, que não aguentava mais ouvir Duda falar e

vê-la comer todos os biscoitos de aveia e mel que estavam na mesa

de café da manhã.

21


– O pessoal falou que vocês estão na Ilha do Meu, correto? ‒ perguntou

Ísis, fechando o pote de bolachas antes que Duda acabasse com

elas. ‒ Mas não é bem assim: vocês têm que saber que esta não é uma

ilha igual às outras. Ela não é visível para todos. Às vezes, ela aparece

e depois desaparece; na realidade, é uma abertura, como se fosse uma

porta, voltada para o universo que repousa sobre o mar. Quem aqui se

encontra pode alcançar o infinito ou ser alcançado por ele. O tempo e o

espaço, como vocês os conhecem na Terra, não existem aqui. Na Ilha

do Meu, vocês poderão encontrar Mágicos e Matemágicos de todos

os tempos da história! Aqui não existe passado ou futuro, somente

o agora – explicou Ísis, maravilhada com suas próprias palavras,

enquanto Duda pegava o pote de biscoitos e escondia alguns em seu

bolso. ‒ Deixe-me mostrar o mapa da ilha para vocês ‒ propôs Ísis.

– Agora ‒ continuou Ísis ‒ vou explicar para vocês as principais

regras do jogo, que também pode ser encarado como um desafio para

a vida do jogador: aquele que se propõe a enfrentar o Grande Desafio

tem que reconhecer e aceitar o que tem de mais verdadeiro dentro

de seu ser, sem tentar enganar a si próprio. Se ele tentar esconder ou

mascarar alguma coisa, não vai ter forças para seguir adiante: vai se

sentir enfraquecido e isolado, até não suportar mais e precisar acionar

o Anel das Desculpas, sendo desclassificado... ‒ explicou Ísis, triste

por se lembrar de todos os que já haviam desistido, incluindo ela.

– E quando eu vou ter que enfrentar essa parte? – perguntou Nina,

já ansiosa.

– Calma, menina! ‒ exclamou Ísis, animada com a determinação

nos olhos da adolescente. ‒ Antes vou mostrar a vocês as quatro etapas

do desafio. Desenrolando um antigo pano e pendurando-o numa

corda, apontou para quatro desenhos que representavam os quatro

elementos, distribuídos pela ilha: fogo, vento, gelo e raio. ‒ O jogo é

ganho quando o competidor completa as quatro etapas ‒ explicou a

instrutora. ‒ A primeira etapa a enfrentar é a da região do gelo: sabemos

que lá há um frio intenso que aparece de repente e toma conta de

você. ‒ Duda tentou conter um arrepio. ‒ É uma etapa na qual você vai

ter que olhar para seu interior: é lá que você poderá encontrar conforto

e calor para suportar esse estágio.

22


‒ Os raios e trovões fazem parte da segunda etapa; eles podem vir de

qualquer parte do céu ‒ alertou Ísis. ‒ A existência deles não depende de

você; não será possível controlá-los ou pedir para que parem ‒ concluiu.

Ísis ia mostrando os elementos que representavam cada uma das

etapas descritas no velho mapa.

‒ Essas duas primeiras etapas serão realizadas no lado oeste da

ilha; são as mais duras e as mais problemáticas ‒ descreveu Ísis. ‒

Sabemos que ninguém até agora conseguiu enfrentá-las e voltar para

realizar as outras duas que estão aqui deste lado. A terceira etapa é a

do fogo, que representa o calor, com toda a sua intensidade. Ela será

realizada no lado dos Matemágicos, mais precisamente na Praia do

Farol Eterno. ‒ A mulher apontou o lugar no mapa, meio que torcendo

o nariz. ‒ Nessa prova, você também vai ter que olhar para o interior

de sua alma. A quarta e última etapa é a da região do vento: o vento

virá de fora, e não haverá como impedi-lo de atingir você. Esse estágio

será realizado no lado da ilha que pertence aos Mágicos, localizado

na Gruta dos Alquimistas Perdidos.

23


Ísis então retirou de um grande baú as roupas novas com que Nina

realizaria o desafio, mais apropriadas para o que ela teria de enfrentar:

uma calça cáqui, botas pretas e uma camisa vermelha. À espreita, Duda

aproveitou a distração das duas enquanto Nina se trocava e tirou do

baú uma roupa toda colorida, cheia de círculos e bolinhas, que era dos

Mágicos. Ela estava se achando “A Feiticeira”: até chapéu ela pegou.

Nina também recebeu de Ísis os Anéis das Desculpas. O anel vermelho

ficou em sua mão direita e o verde, na mão esquerda.

– Então, relembrando o desafio... ‒ retomou Ísis, ouvindo, ao fundo,

uma bufada de Duda, que já não aguentava mais tanta ladainha. ‒ Você

vai percorrer a ilha e visitar as regiões de fogo, gelo, raios e ventos. Para

passar para o outro lado da ilha, você vai ter que chegar pelo istmo,

uma pequena faixa de areia que ainda nos une ao outro lado da ilha,

que aparece e desaparece conforme o movimento das ondas, chamada,

por isso, de “Ponte do Agora” – explicou a instrutora.

– Não estranhe se as pessoas envolvidas no desafio a chamarem

pelo nome; faz parte do pacote de “gentilezas” do Grande Desafio –

completou Ísis.

Já era final do dia na Ilha do Meu. Nina e Duda foram convidadas

para jantar e puderam apreciar a deliciosa mesa dos Mágicos e

Matemágicos, com variadas e deliciosas comidas doces e salgadas.

Mais tarde, foram levadas até um quarto para dormir; estavam muito

cansadas com tudo o que haviam vivenciado no último dia. Apesar

disso, logo depois de encostar sua cabeça sobre o travesseiro, Duda

não se conteve e falou:

– Nina, estou morrendo de medo do dia de amanhã. Você vai ter que

fazer esse tal desafio e passar essa tal ponte que liga uma parte da ilha

à outra... ‒ disse a caçula, puxando o cobertor até o nariz.

– Ora, Duda, preocupar-se com o quê? ‒ perguntou Nina, tentando

simular tranquilidade. ‒ Independentemente do que acontecer, tenho

os Anéis das Desculpas! Quanto a passar pelo istmo... você ouviu a

Ísis falar: é só uma ponte, nada mais... Pode dormir em paz, sua tolinha

‒ brincou a irmã mais velha, limpando um suor que teimava em

brotar de sua testa.

– Está bem, Nina. Estou bastante cansada mesmo. Aquele jantar foi

24


de matar; estou de brigadeiro até o nariz! Boa noite! ‒ disse Duda,

agarrando-se a uma boneca que ela tinha encontrado na cabana de Ísis.

– Boa noite, Duda ‒ respondeu Nina.

Nina olhou para os dois anéis e tomou o cuidado de afastar as mãos

para evitar qualquer problema. Ainda ficou com os olhos abertos por

uns instantes, mas a aventura do dia logo fez com que se fechassem.

A magia que a ilha tinha e a oportunidade de participar do desafio

haviam encantado sua alma; sentia-se muito bem e estava pronta para

começar o jogo.

Capítulo VII

A Ponte do Agora

Na manhã do outro dia, na Ilha do Meu, as belezas naturais pareciam

mais bonitas à luz da aurora, que acariciava todos os cantos da ilha.

Mal o dia começou e uma multidão de Mágicos e Matemágicos, com

suas roupas coloridas e suas bandeirolas, dirigia-se para a Ponte do

Agora, no estreito pedaço de areia onde a ilha se dividia.

Nina também estava indo para o local, levada em um carrinho.

Naquela estreita faixa de terra estava o início do Grande Desafio.

Atrás da candidata iam Vítor, Vitório, Ísis e os demais componentes

do conselho da ilha. A adolescente não sabia (sequer poderia imaginar),

mas, embaixo do banco, sob os panos que enfeitavam seu carro,

estava Duda, escondida. Ela não queria ficar longe da irmã de jeito

nenhum e estava deitada observando por entre os panos a multidão

que ovacionava a irmã durante o trajeto. Quando chegou em frente ao

istmo, o séquito de Mágicos e Matemágicos parou.

A água do mar se agitava conforme as ondas iam e vinham. A distância,

podia-se avistar o outro lado da praia. Vítor, como sempre,

tomou a palavra:

– Nina, como você sabe, este é o primeiro passo do desafio: você

tem que chegar até a outra margem para começar o jogo.

– Ah, sim... ‒ lembrou Nina. ‒ Mas como vou chegar naquele pedaço

de praia? – perguntou, vendo que só havia o mar agitado entre uma

margem e outra.

25


– Ora, pela Ponte do Agora, por onde mais? – disse Vitório, levantando

as mãos e apontando para o istmo, já desconfiando da falta de

lógica da candidata.

Então todos desceram dos carrinhos e foram caminhando até se aproximarem

do mar, onde as ondas chegavam em finas lâminas de água.

– Lá na frente, para além daquela margem, você vai poder encontrar

a primeira etapa do desafio, a etapa do gelo – falou Vitório, retumbante.

Todos os presentes acharam que ele tinha sido extremamente

exagerado e tiveram de disfarçar seus risos.

– Ótimo, mas parece longe... ‒ avaliou Nina, estreitando os olhos

para avaliar a distância de novo. ‒ Como vou conseguir chegar lá?

Nadando? – perguntou.

De repente, todos começaram a escutar uma voz dizendo:

– Sim, isso mesmo! Eu também já percebi tudo! Cadê essa tal de

Ponte do “Agora” (fazendo o gesto de aspas com os dedos) de que tanto

vocês falaram? – perguntou Duda por debaixo do banco, ao mesmo

tempo que tampava a boca com a mão e fechava os olhos, porque todos

se viraram repentinamente e olharam para o carrinho onde ela estava.

Sem conseguirem definir de onde havia saído aquela voz, os presentes

retornaram à conversa.

– A Ponte do Agora foi idealizada para você se concentrar neste

momento ‒ explicou Ísis. ‒ Caso você perca tempo “pensando”, nunca

conseguirá chegar ao outro lado da ponte, que representa algo que você

ainda não tem, ou seja, encontra-se no futuro. Primeiro, você precisa

se concentrar no “agora” e então dar um passo firme, que a ajudará a

chegar à outra margem. Por isso chamamos esse lugar de “Ponte do

Agora” – explicou Ísis, de olho em Vítor, que já ia cutucar o ouvido

pensando que não era visto por ninguém.

– E se, no meio do caminho, eu desistir e quiser voltar? Como

faço? – perguntou Nina.

– Voltar? ‒ perguntou Vitório, espantado. ‒ Não seria prudente

fazer isso, porque seria o mesmo que você retornar para o passado.

Ninguém até hoje foi capaz de voltar para o passado. É claro que há

26


muitas pessoas que ficam envolvidas em pensamentos sobre coisas que

já aconteceram ou poderiam ter acontecido, mas não há quem tenha

conseguido voltar para o passado para reviver o que já passou; o que

foi, foi, não volta mais – explicou o Matemágico.

A misteriosa voz voltou a surpreender o grupo:

– Ha, ha, ha! Aqui está todo mundo muito maluco ou eu não estou

entendendo nada do que estão falando, he, he, he! – falou novamente

Duda, pensando que estava segura em seu esconderijo.

Todos se voltaram para trás e Ísis foi andando até o carrinho, levantou

o pano que estava sobre o banco em que Nina estivera sentada e

lá estava Duda escondida, em uma tentativa de “pegar uma carona”

nessa parte da história.

– Ops! Foi mal, galera! Só queria acompanhar minha irmã! – falou

Duda, que era encarada por todos. A menina saltou do carrinho chacoalhando

uma das pernas em que o tecido ainda estava preso.

– Você não fez a coisa correta, Duda; mas, como sabemos que gosta

muito de sua irmã, pode ficar para se despedir dela – disse Ísis.

Duda abraçou Nina com muito carinho e estava satisfeita por terem

permitido que estivesse ali, naquele momento, com a irmã.

Vitório mais uma vez tomou a palavra:

‒ Retomando, Nina: a Ponte do Agora foi idealizada pelos Mágicos e

Matemágicos para que o participante do desafio perceba que não pode

deixar que os pensamentos de fatos passados ou futuros interfiram

no seu desempenho. Assim também acontece na vida das pessoas,

envolvidas em milhares de pensamentos ‒ elas tentam dar um jeito em

tudo com seus pensamentos, sempre idealizando e sonhando muitas

coisas em vez de viverem o agora. Se soubessem que viver plenamente

o agora as libertaria de toda essa angústia e aflição, não pensariam

duas vezes: viveriam apenas o momento presente ‒ explicou Vitório,

puxando com toda a força uma parte de sua roupa que Duda usava para

limpar o suor da testa, depois de ficar tanto tempo no calor do carrinho.

– Então, é assim que funciona a Ponte do Agora, hein? É como tenho

que encarar esta parte do desafio, correto? – perguntou Nina.

27


– Sim! Está no mais íntimo de você e de mais ninguém... Na realidade,

tudo está em você! Por isso, para chegar na outra margem, viva

apenas este momento... – explicou Ísis.

O mar em frente ficou mais calmo e as ondas começaram a baixar.

Nesse momento, como que por encanto, apareceu uma pequena faixa

de areia que unia as duas pontas de praia. Os magos gritaram juntos:

– É a Ponte do Agora! Ela apareceu, Nina! Vá agora, que é a sua

hora! Que toda a magia do Universo esteja com você!

Ouviram-se o rufar dos tambores e o clamor de trombetas, e a multidão

começou a gritar:

– Nina! Nina! Nina!

Nina olhou para a faixa de areia que se estendia diante de seus pés

e saiu correndo o mais rápido que podia ‒ só pensava no agora; sentia

que cada passo era uma conquista. “Sim, o ‘agora’ existe”, pensou.

Ela estava vivenciando aquela revelação em toda a sua plenitude.

A jogadora continuou correndo a passos firmes pela estreita faixa de

areia até ouvir uma voz que com certeza não estava no contexto, ou

melhor, a menina não deveria estar ouvindo aquilo; na verdade, não

acreditava estar ouvindo, quando se virou para trás e...

– Hei, hei! Espere por mim, Nina! Poxa, corre mais devagar! Não

é porque é “agora” que você tem que sair por aí correndo feito uma

maluca – gritava Duda, enquanto corria segurando o chapéu de feiticeira

de Ísis e tentando alcançar a irmã.

– O que você está fazendo aqui? ‒ perguntou Nina, estupefata. ‒ Você

tem que voltar, sua doida! – gritou Nina.

– Não, não! Eu vou com você! ‒ insistiu Duda.

Nina percebeu que a água começava a subir; ela já não estava mais

no “agora”; a distração com a inesperada chegada da irmã tirou seu

foco e sua concentração. Duda olhou para seus pés e viu que a faixa de

areia já estava sendo engolida pelo mar. Já era tarde, e as duas meninas

não poderiam voltar. Nina olhou para a ponta de praia que estava à sua

frente, pegou a mão de Duda e as duas continuaram em disparada em

direção à outra margem.

28


O mar continuou a subir, cada vez mais rápido; logo o nível da água

estava chegando à altura do joelho. Nina então pegou Duda no colo;

a pequena já estava com as mãos sobre os olhos, percebendo a furada

em que havia metido as duas. A corrida continuou, mas, poucos passos

depois, a água já batia na cintura e, de repente, veio uma onda e

as derrubou.

As meninas se recompuseram, ficaram em pé e continuaram em

frente, até vir a segunda onda. Esta foi muito grande e as levou para

debaixo da água, até tocarem no fundo arenoso. Milhares de coisas

passaram pela cabeça da Nina naquele momento, mas uma foi mais

forte do que todas ‒ as duas irmãs estavam sendo puxadas pela correnteza

e não podiam continuar; estavam correndo perigo de vida, já

ficando sem ar. Com a mão direita, Nina segurava Duda. Como as

duas estavam sendo arrastadas para o fundo do mar e sem condições

de voltar à tona, Nina decidiu acabar com tudo. As mãos já estavam

perto uma da outra para acionar os Anéis das Desculpas; apesar de o

mar ter ficado muito revolto, ela estava quase conseguindo juntá-los,

faltava um fio de cabelo para encostar os dois anéis, quando duas mãos

fortes as seguraram, puxando-as para a superfície.

– Vocês estão malucas? Estão pensando em quê? – falou um jovem

menino, de rosto magro e cabelos compridos.

As duas tossiram porque ficaram um pouco engasgadas com a água

que tinham engolido embaixo d’água.

– Quem... é... você?! – perguntou Nina, entre uma tossida e outra,

tentando tirar um caranguejo que se prendia ao seu cabelo.

– Agora isso não interessa ‒ retrucou o menino. ‒ Estão se afogando!

Nós podemos nos dar muito mal, sabiam? Vamos, só pensem em nadar!

Entenderam? Batam os braços, vamos! – O jovem começou a fazer o

gesto de nadar e a puxar as duas.

Nina e Duda não pensaram em mais nada, pois não podiam perder

tempo pensando. Perceberam, a duras penas, que o agora é o mais

importante momento da vida; é o único no qual podemos fazer algo

acontecer...

– Vamos, Duda! Vamos nadar, força... – incentivava Nina.

29


Os três já estavam muito exaustos, quase sem forças, quando começaram

a sentir aos poucos os pés tocando no fundo da areia. Isso os

encheu de ânimo, estimulando-os a prosseguir passo a passo contra as

ondas e a correnteza. Logo a água estava batendo na cintura, depois

no joelho, até que, após muito esforço, os aventureiros conseguiram

ultrapassar o istmo, chegando a terra firme. Os três estavam muito cansados,

quase que se arrastando, e deixaram-se cair estendidos na areia.

Quando sentaram, Nina e Duda, que tinha algas em cima de sua

cabeça, olharam para o menino e falaram quase ao mesmo tempo:

– Obrigada! Muito obrigada, moço!

– De nada, ainda bem que estamos todos bem... – respondeu o jovem

rapaz, também se refazendo do cansaço.

– Mas quem é você? – perguntou Nina, já se recobrando da exaustão.

O menino aparentava uns 16 anos, tinha cabelo comprido e usava

camisa clara e calça escura, em um estilo que parecia ser de vários

séculos atrás. “Talvez tenha sido isso que Ísis quis dizer”, Nina pensou.

Na Ilha do Meu, o tempo não tinha valor, e muitos pedaços da história

da humanidade conviviam naquele mesmo lugar e ao mesmo tempo.

– Meu nome é Júnior... ‒ respondeu o garoto, torcendo suas roupas

nas pontas.

– E de onde você veio? – perguntou Nina, torcendo os cabelos de

Duda, que não estava gostando dos puxões da irmã.

– Bem... Minha nobre donzela, é que... – iniciou Júnior, imaginando

que as duas garotas iam achá-lo um maluco de pedra.

– Sou aprendiz de cozinheiro. Certa vez, mandaram-me limpar um

velho armário que estava fechado há muitos anos na cozinha de um

antigo castelo. Comecei tirando panelas, frigideiras e talheres cheios

de teias de aranha até chegar ao fundo do móvel. Lá encontrei escondido

sob um punhado de panos um velho e pesado livro de capa dura.

Levei-o até o meu quarto; no começo da leitura, entendi que se tratava

de apontamentos de cozinheiros, receitas das mais diversas ‒ explicou

o garoto, olhando para baixo, relembrando a história.

‒ Tempos mais tarde ‒ continuou o jovem ‒, lendo com mais atenção,

30


vi que não eram só receitas de comida que tinham sido escritas naquele

livro: também havia texto escrito nas entrelinhas, como códigos secretos,

receitas de mágicas, apontamentos e trechos das histórias de uma

família muito grande... Percebi que era um livro muito especial e de

uma família que se identificava como a dos “Mágicos” ‒ explicou,

com os olhos bem abertos.

Júnior parou por um instante a narrativa para recuperar um pouco

o fôlego. Em seguida, continuou:

– Alguns dias mais tarde, encontrei outro livro na limpeza de outro

armário ‒ também estava escondido sob panos, mas era muito diferente

do anterior: tinha outros tipos de receitas e mágicas, símbolos

engraçados... Depois de comparar as duas obras, descobri que este

último não tinha sido escrito pelos Mágicos, e sim por um grupo de

pessoas que se denominavam “Matemágicos”. A partir daí, aprofundei-

-me na leitura e percebi o que estava escrito nos dois textos: era toda a

história das famílias dos Mágicos e Matemágicos, desde o tempo em

que haviam surgido até a sua separação; porém, em dado ponto das

obras, não havia mais histórias, receitas ou magias...

– Soube depois da maldição que tinha sido lançada contra eles ‒

explicou Júnior, arrepiado. ‒ Ela pode acabar por completo com as

duas famílias. Mas existe uma forma de evitar que isso aconteça: foi

proposto um desafio; se ele for realizado e todas as etapas forem cumpridas,

a maldição poderá ser extinta. Bem... Depois de ter conhecido

isso tudo pelos livros, achar a passagem na cozinha não foi problema

e, assim como vocês, cheguei até aqui... ‒ terminou, dando de ombros.

– E como sabia que nós estávamos em perigo? – perguntou Nina.

– É, essa é uma pergunta danada de boa, senhor viajante do tempo.

Como? – perguntou Duda, fazendo menção às roupas que ele vestia,

as quais ela achava horrorosas.

– Quando saí da passagem e caí na praia, escutei os gritos das pessoas

indo para o istmo. Os livros falavam da Ponte do Agora e fiquei

curioso. Então acompanhei a multidão na praia e vi vocês duas. Como

o pessoal começou a gritar seu nome, entendi tudo – explicou Júnior.

– Tudo o quê? – perguntou Nina.

31


– É, cara, tudo o quê? – completou Duda, que estava se achando uma

daquelas policiais dos seriados de televisão.

– Li nos livros. Parte da história está no meio das receitas... A Ponte

do Agora faz parte do jogo, mas é apenas o ponto de partida. A primeira

etapa, representada pelo gelo, é uma das mais difíceis – continuou

Júnior. – Lá, a pessoa tem que se encontrar consigo mesma se quiser

vencer. Bom, na realidade, a pior coisa é tentar evitar qualquer etapa

do desafio... Um dos maiores erros do jogo...

– E você também vai jogar? – perguntou Nina.

– Não, não posso ‒ explicou Júnior, frustrado. ‒ Poucas pessoas ao

longo desses anos puderam participar do jogo, porque esse é um privilégio

dos descendentes diretos das famílias de Mágicos e Matemágicos.

Nina e Duda se olharam ao mesmo tempo, como que não entendendo

nada, e seguraram o riso. Quando Júnior não estava olhando, Duda

fez o gesto de maluco com seu dedo indicador na cabeça.

Nina olhou para Júnior, que estava com o olhar voltado para o mar,

quando de repente virou a cabeça e falou:

‒ O que está acontecendo é que o tempo de realização do desafio está

chegando ao fim. Na realidade, é como se o tempo tivesse se esgotado...

Se ele não for realizado, os Mágicos e os Matemágicos, a ilha e as

famílias que vocês representam vão deixar de existir; elas nunca mais

vão voltar para a Terra... Pelo que entendi lendo os livros, o último

nobre primogênito filho de uma família de Mágicos e Matemágicos

que pode completar o desafio e evitar que as famílias desapareçam...

Parece que é você a última jogadora do Grande Desafio, Nina.

Capítulo VIII

Os guerreiros

Nina, Duda e Júnior começaram a andar pela extensa praia, tentando

localizar o mais rápido possível a primeira etapa do desafio, a temível

etapa do gelo.

– Sabe, estou em dúvida sobre como vai ser essa prova do gelo ‒

comentou Nina, com a mão acima dos olhos, procurando impaciente.

32


‒ Além do que viu nos livros, você leu ou ouviu algo sobre essa parte

do desafio? – perguntou.

– Pelo que entendi, é a etapa mais difícil de todas ‒ comentou

Júnior. ‒ Você não vai poder usar nada para se proteger; serão você

e o frio. Dizem que é um frio que penetra com muita força no corpo

das pessoas que se arriscam a enfrentá-lo – explicou.

Nina continuou andando e baixou a cabeça, em silêncio, como que

olhando cada passo que dava. Atrás dos dois, Duda caminhava segurando

um pedaço de madeira que tinha encontrado na praia, fazendo

zig-zag na areia, pensando cabisbaixa na fome que fazia seu estômago

roncar e nas últimas bolachinhas que ela comera do pote de Ísis. Um

pouco mais à frente, do lado direito, havia uma ponta da praia coberta

por uma forte névoa. De repente, os três aventureiros começaram a

escutar ruídos, como tiros de canhão, e logo um raio estourou próximo

a eles, o que os obrigou a se jogarem ao chão, quando então a areia

espirrou em seus rostos.

Perto da névoa que haviam visto, começaram a observar o surgimento

de uma silhueta.

– Olhem, lá na frente! Parecem formiguinhas correndo – falou Duda,

apontando com o dedo.

Mais um raio estourou perto dos aventureiros. Algum tempo depois,

eles se levantaram e puderam ver, com um pouco mais de exatidão,

que não eram formiguinhas o que Duda havia visto, mas cavalos correndo

em sua direção; e pior, havia soldados brandindo suas lanças e

espadas na maior gritaria.

– Caras donzelas, acho que é com a gente. Vamos correr para a mata,

vamos, rápido! – disse Júnior gritando.

Júnior pegou Nina e Duda pelas mãos e começou a puxá-las correndo

o mais rápido possível. Não demorou muito para elas empreenderem

sozinhas a corrida; todos estavam olhando apavorados para aquela

cavalaria ameaçadora que estava se dirigindo veloz e perigosamente

contra os jovens.

Os três entraram na mata e continuaram correndo, pois os cavalos

estavam em seus calcanhares, rompendo o mato, também destruído

33


pelos guerreiros, que gritavam e cortavam a vegetação com suas

espadas. Eles já estavam muito perto de suas presas quando Júnior viu

um grande pedaço de árvore podre caído no chão. Pensando rápido,

o garoto gritou sinalizando para as duas meninas:

– Venham, vamos ficar embaixo dessa velha árvore!

Os três se jogaram para baixo da árvore. Para a sorte dos fugitivos,

havia folhas secas suficientes para eles se esconderem. Protegidos

pela camuflagem, conseguiram ver as patas dos cavalos passando ao

seu lado. Um dos cavaleiros cortou um galho, que caiu em cima do

tronco, quase fazendo Duda gritar, o que foi evitado pelo impulso de

Júnior de tapar a boca da menina com a mão. Emitir qualquer sinal de

vida naquele momento crítico sem dúvida alguma seria o fim deles.

Após alguns minutos de busca, os guerreiros desistiram e deram

meia-volta. Os três jovens ficaram por um bom tempo embaixo da

árvore até terem certeza de que estariam em segurança. Aos poucos,

foram retirando as folhagens e levantando, sempre com o olhar fixo

em direção à praia para se certificarem de que os guerreiros já haviam

desistido de procurá-los.

– Quem são eles? ‒ perguntou Nina.

– Parece uma patrulha de guardas, estão protegendo alguma coisa

importante... Não sei se fazem parte do desafio – respondeu Júnior,

cuspindo uma folha que havia entrado em sua boca.

– Ai, eu já não aguentava mais de tanto medo... – falou Duda, que

havia desistido de tirar as folhas que estavam em seu cabelo.

– Eles já se foram, parece que desistiram. Vamos continuar por dentro

da mata para que eles não nos vejam com facilidade – propôs Júnior.

‒ Sim, vamos! – disse Nina, pegando na mão de Duda.

Eles caminharam mata adentro até o momento em que Júnior pediu-

-lhes que parassem, o olhar fixo à sua frente.

– Vocês estão sentindo que está ficando mais frio? – perguntou Júnior.

– Sim, tem razão – disse Nina, abraçando os ombros.

– Está vendo um muro por detrás dos cipós? ‒ perguntou Júnior a

34


Nina. ‒ Lá você deve começar a etapa do gelo – apontou.

Nina olhou na direção para a qual o garoto estava apontando. Sem

dúvida, lá estava um muro de pedras negras, como que feitas de ferro.

Era lá que deveria ser realizada a primeira etapa.

– E agora, como vamos fazer? – perguntou Nina.

– Você vai para lá! Agora é seu momento; não se esqueça de sempre

pensar no agora, certo? Seja forte e tenha coragem de enfrentar as

situações, por mais difíceis que possam parecer no início. Nós vamos

dar a volta e esperamos você no alto do morro – disse Júnior, apontando

com o dedo para cima.

Nina deu um forte abraço em Duda e falou:

– Fique com o Júnior, ele vai cuidar muito bem de você. Esta parte do

Grande Desafio tenho que fazer sozinha, lembra? Vou estar pensando

muito em você... ‒ explicou a adolescente, apertando o nariz de Duda

e fingindo que o tinha arrancado, numa velha brincadeira que as duas

faziam muito uma com a outra.

– Você promete que vai encontrar com a gente lá em cima? – perguntou

Duda, já com lágrimas nos olhos e segurando na mão de Júnior.

– Prometo, sim, pode ficar tranquila. Quero estar logo, logo com

vocês lá em cima – respondeu Nina, tentando transmitir segurança.

Depois a garota olhou para Júnior, deu um abraço nele, agradeceu-

-lhe pela ajuda e pediu que cuidasse bem de Duda. Virou as costas e

foi caminhando para iniciar o desafio.

Capítulo IX

É gelo mesmo?

Nina estava chegando perto do muro de pedra, que dava para o

início do que parecia ser um labirinto. De pronto a garota encontrou

a entrada, um longo corredor com muros negros e altos; na parte de

cima, podia ver as árvores e folhagens da floresta levemente abertas, o

que permitia a entrada de um pouco de luz do sol, que, porém, não era

suficiente para aplacar a sensação de que o frio estava ficando cada

35


vez mais intenso. A certa altura, parecia que o frio se entranhava em

seu corpo e trazia consigo todo o cansaço do dia agitado que a garota

tivera. Ela se agachou e sentou-se junto ao muro, abaixou a cabeça e

ficou com os olhos semifechados. Quase imóvel naquele canto, com

os braços em volta dos joelhos, teve a sensação de que uma sombra

havia passado por cima dela. Nina levantou a cabeça e abriu os olhos

em sinal de alerta, quando percebeu que outra sombra havia passado

logo à sua frente.

– Quem está aí? Quem é você? – perguntou Nina, assustada.

Um silêncio muito profundo tomou conta do lugar. Sentindo um frio

arrepiante, Nina logo ouviu:

– Por que você veio até aqui? – disse uma voz grave de mulher que

ecoava no labirinto; era difícil precisar de onde vinha.

– Vim pelo desafio, pelo desafio do gelo, na realidade ‒ o desafio

da minha vida. Quero ser dona do meu destino – respondeu Nina,

tentando parecer desafiadora.

– Desafio? Desafio do gelo? Ha, ha, ha! Esses pobres Mágicos e

Matemágicos não lhe contaram... Bem, na verdade, não os culpo, porque

eles, em sua sábia ignorância, nunca souberam o que acontece de

fato no desafio: o frio que você está sentindo, minha tenra e inocente

criatura, não é causado pelo gelo, mas por outro fator muito mais instigante...

Aliás, que falta de educação a minha! Permita-me que eu me

apresente: sou Queli, o espírito que representa as fraquezas humanas,

todas elas, inclusive as suas – respondeu a estranha voz, que partia de

uma sombra fantasmagórica que se assemelhava a uma chama azul-

-claro no formato de uma mulher muito velha e magra.

– O quê? Do que você está falando? – perguntou Nina, ainda não

entendendo muito bem o que estava acontecendo.

– O que quero dizer é que, aqui, você vai ter que enfrentar suas

próprias fraquezas! ‒ decretou Queli, aparentando estar gostando

daquele rodeio todo. ‒ Não as fraquezas comuns e mais simples, que

ficam vagando à toa pelos cantos do Universo. Não, nós não faríamos

isso com você, já que se encheu de coragem e decidiu enfrentar

esse... Como você chama? “Desafio”? Na verdade, aqui nós vamos

36


tratar única e exclusivamente das suas fraquezas MAIS ÍNTIMAS E

PROFUNDAS ‒ gritou ‒, para ser mais exata. O frio que você está

sentindo agora e que sentiu antes, ao avistar o início deste labirinto, é

resultado da sensação que seu inconsciente tem de que terá que enfrentar

essas franquezas. Com relação à sensação de frio, não temos uma boa

notícia para você, porque vai aumentar, e muito... – respondeu Queli,

com um largo sorriso no rosto fantasmagórico.

‒ Nesta etapa do desafio ‒ continuou Queli, pensativa ‒, como contei,

você vai se deparar com suas próprias fraquezas, assim, bem cara a

cara, e terá que enfrentá-las.

A expressão de Queli tornou-se triste. ‒ Na maioria das vezes, as

pessoas não percebem, mas preferem sofrer junto com suas próprias

fraquezas; fazem de conta que sua vida não seria nada sem elas. São

poucos os momentos em que as pessoas param para tentar decifrar

seus defeitos, com medo de que eles se tornem piores do que pensam

que já são. ‒ Queli olhou seriamente para Nina e, de repente, sorriu,

assumindo a postura de uma professora. ‒ Na realidade, quanto mais as

pessoas trabalharem em suas franquezas, mais elas vão contribuir para

o fortalecimento e o crescimento de sua vida. Mas só aqueles que têm

a humildade de reconhecer suas fraquezas são capazes de identificar

onde ou como essas fraquezas surgiram. É com esse conhecimento

que os indivíduos poderão enfrentá-las e até superá-las! ‒ A chama de

Queli parece ter ficado mais brilhante nesse momento. ‒ Depois disso,

as pessoas vão chegar à conclusão de que a maioria das fraquezas não

é tão assustadora como parece e que muito pouco de perigo e tristeza

vão representar para a sua vida.

– Mas, antes de continuarmos com esta conversa – completou

Queli –, já que mencionou que quer ser dona do próprio destino, você

pode me dizer o que deseja para seu futuro? Ou melhor, sabe que tipo

de pessoa você é neste momento?

– Não, nunca pensei nisso... Acho que sou eu mesma, sempre fui

desse jeito assim... – disse Nina, sentindo cada vez mais frio.

– Ora, ora! Então, você é você mesma e ninguém mais, correto?

Está querendo me dizer que é a “certinha impenetrável”, é? ‒ Queli

olhou Nina da cabeça aos pés, curvando para baixo algo que seria uma

37


boca. ‒ Nós conhecemos muitas iguais a você: poucos devem estar à

sua altura; a princesa enclausurada na torre do castelo; todos devem

ver uma fortaleza intransponível e temer subir seus altos e íngremes

muros, não? ‒ Queli envolvia Nina com seu fogo como se fosse uma

serpente. ‒ Deixe de bobagem, Nina, filha de Eduardo e Helena! Sim,

eu sei quem você é! E digo mais: você só sairá daqui com vida se tiver

a capacidade, ou melhor, a CORAGEM de rastejar até o mais íntimo

de seu ser e me dizer, tim-tim por tim-tim, o que você é de verdade!

Sinta o frio que tiver que sentir, ou nunca mais vão ouvir falar da Nina.

– Mas o que você quer que eu diga sobre mim? – perguntou Nina,

já sentindo os joelhos batendo um no outro.

Queli tapou a boca de Nina com um dedo flamejante. – Não tenha a

pretensão de pensar que me importo com sua vidinha fácil, fantasiosa

e enfadonha. Não estou nem aí com o que quer que seja a sua vida

em sua casa ou com os amigos ou colegas da escola, porque sabemos

que a maioria deles também vive a vida que os outros querem que

eles vivam, que os outros aprovam e que todo mundo aceita! ‒ Queli

cruzou as “pernas” em pleno ar. ‒ Quero que você me diga o que você

é, e sem mais floreios desta vez!

Nina estava se sentindo com muito frio, gelada. Ela abaixou a cabeça

e começou a chorar baixinho. No entanto, logo começou a se lembrar

da Ponte do Agora e dos conselhos de Ísis, Vítor e Vitório: ela tinha

de viver aquele momento; aquele era o jogo e ela estava nele ‒ a regra

era não pensar nem no futuro nem no passado; o agora, esse momento

era o mais importante, afinal de contas, tinha de enfrentar e vencer

aquela etapa, mesmo que significasse enfrentar o que nunca havia

enfrentado antes: suas próprias fraquezas.

– Sou uma pessoa que nunca olhou muito para dentro de si – começou

Nina, dizendo depois de se recompor e respirar fundo – e agora estou

com muito medo; neste momento, sinto-me muito fraca e vulnerável,

porque nunca pensei e nunca me senti na obrigação de enfrentar a mim

mesma, ou seja, minha intimidade – falou.

– Ora, ora, minha frágil menina! Começamos bem! A chama de

Queli parecia levemente avermelhada. ‒ Então, por que acha que é

uma “pessoa” e por que está com tanto medo? ‒ Um pequeno óculos

se formou no rosto da fantasma.

38


– Pessoa porque tenho alma e medo porque tenho vergonha de

encontrar comigo mesma e falar sobre coisas que escondi minha vida

toda – disse Nina, achando graça de Queli querer imitar uma psicóloga.

– Entendo ‒ respondeu Queli, colocando o dedo indicador e o polegar

ao lado do rosto. ‒ Toda uma longa vida de quase 14 anos, não é

assim? Sim, é muito interessante... Muitas coisas devem ter acontecido

em todos esses anos que deixam você tão envergonhada... Por que não

começamos a falar sobre isso? Acho muito interessante aproveitarmos

esta ocasião tão inusitada e infeliz ao mesmo tempo, não acha? ‒ perguntou

ironicamente Queli, aconchegando-se em uma rocha.

– Tem momentos ‒ explicou Nina, abraçando o próprio corpo para se

aquecer ‒ que acho que sei de tudo, mas não tenho tudo o que quero...

Às vezes tenho a impressão de que as pessoas à minha volta me atrapalham

‒ colegas da escola que não gosto; a cobrança dos meus pais;

as briguinhas com minha irmã; não saber como vai ser meu futuro...

Às vezes tudo isso me deixa triste e sem vontade de fazer as coisas

que gostaria e acho que preciso realizar – falou Nina, soprando hálito

quente nas mãos, para aquecê-las.

– Olha, que bacana saber disso tudo de sua vida! ‒ comentou Queli,

simulando surpresa. ‒ Foi um belo e esclarecedor resumo! Sabia que

é muito fácil resolver seu problema?

Nesse instante, Nina estava totalmente atenta às palavras daquele

ser estranho.

‒ Ora ‒ começou Queli ‒, se não existissem todas essas pessoas

e as situações que constrangem e incomodam você, teríamos aqui a

menina mais feliz do mundo! É isso que você acabou de me dizer, não

é mesmo? Então, é fácil resolvermos a questão para que seu futuro seja

o melhor possível: vamos deixar você aqui para sempre, até o final de

sua vida, que tal? ‒ Queli cruzou as duas mãos abaixo do queixo. ‒ Aqui

você não vai ter ninguém para atrapalhar sua vida! Prometo para você

que ninguém a incomodará. Veja só como estamos nos entendendo!

Não imaginava que sua felicidade dependia dos outros deixarem você

feliz... É isso que entendi? Ah, claro, é isso mesmo que entendi! Se

todos fizessem suas vontades, esta seria a vida mais maravilhosa que

um ser humano poderia desfrutar...

39


– Não... Nada disso! ‒ protestou Nina. ‒ O que quero dizer é que...

– Nina começou a gaguejar e resmungar.

– Ora! Desculpas, desculpas e mais desculpas! ‒ interrompeu Queli,

que tinha as chamas assustadoramente altas. ‒ Levou uns pontos a

menos com essa, Nina! Poxa, estava indo tão bem... Opa, lembrei!

Ufa! Ainda temos uma salvação, e ela está ao alcance de suas

mãos! ‒ zombou Queli, apontando para as mãos de Nina. ‒ Pode usar

os Anéis das Desculpas, esses lindos aneizinhos que deram para você...

Eles estão nessas frágeis mãozinhas, tão debilitadas pelo frio que você

sente por ter que se encontrar consigo mesma... Nós nos despediríamos

neste instante! Não seria uma maravilha? ‒ propôs Queli, levantando

as sobrancelhas. ‒ Pense, por favor, porque até agora você ainda não

falou nada com nada sobre você, e seu tempo está acabando! ‒ Queli

formou uma ampulheta, cujo conteúdo estava quase vazio. ‒ Pense,

e pense muito bem, porque volto em seguida para continuarmos ou

acabarmos de uma vez por todas com esse seu “Desafio”.

Nina, agachada e sentindo muito frio, levantou as mãos e olhou para

os anéis. Sim, seria uma solução; o desafio não tinha nada a ver com

gelo, como haviam falado para ela, mas com a necessidade de enfrentar

a si mesma, ou pior, suas fraquezas, aquilo que todo mundo em geral

costuma evitar. É preferível chorar, espernear, fazer-se de coitadinha

e inventar qualquer desculpa a fazer esse esforço.

Apesar desses pensamentos, Nina deu um leve suspiro, baixou as

mãos para se apoiar e ficou em pé. A luz quase não entrava mais no

labirinto. Estava anoitecendo rápido e o frio se tornava cada mais

intenso, fazendo com que Nina sentisse calafrios, que pareciam piorar

à medida que ela escutava o leve som do vento esgueirando-se pelos

corredores da construção. Virou-se para o lado e percebeu que, um

pouco adiante, havia um tênue fio de luz. Foi andando em sua direção

e, ao se aproximar dele, verificou que o labirinto estava virando para

a esquerda. Nina continuou andando até chegar a um lugar que de

pronto ficou muito iluminado, cegando-a por alguns instantes. Ao se

recompor, percebeu o vulto de uma pessoa que estava bem à sua frente.

Nina esfregou seus olhos para poder ver melhor. Quando restabeleceu

a visão, um calafrio passou por todo o seu corpo; o repentino susto

a deixou sem ar e seus olhos se arregalaram. Estava diante de uma

40


imagem que nunca esperaria encontrar, porque era uma imagem dela

própria ‒ era ela em carne e osso, e não era um espelho; melhor se

fosse, mas não era...

– Ora, vejam só quem chegou! É a Nina! Muito prazer! Por acaso você

me conhece? – perguntou a imagem, que era um perfeito “clone” dela.

Nina não sabia o que fazer ou dizer. Parecia um fantasma, uma

pessoa disfarçada ou, quem sabe, uma imagem projetada, mas não

era nada disso...

– Não... Com certeza... Não. – balbuciou Nina.

– Ora, nunca se viu no espelho? Sou você mesma, a parte da Nina

que você sempre escondeu de si mesma e de todos para que a aceitassem.

Você nunca me mostrou ou apresentou para ninguém e nunca

encontrou tempo para conversar comigo... É uma situação estranha,

não é mesmo? Será que é por causa da vergonha de eu ser o que você

sempre quis esconder? A parte fraca? ‒ perguntou a sósia de Nina, com

um dedo na bochecha. ‒ É difícil admitir, mas a maioria das pessoas

não consegue ficar sozinha consigo mesma, morre de medo disso...

Então, aproveite, pois é a primeira vez que pode falar cara a cara com

você! Espero que pelo menos em alguma coisa você se identifique

comigo... Talvez a simpatia. Ha! Ha! Ha!

Nina respirou fundo, olhou firme para os olhos dela e falou:

– Olha, não sei se eu tinha que vir parar neste labirinto para conhecê-

-la, enfrentá-la ou aceitá-la... Na verdade, não me importa muito. Só

sei que eu não vou arredar o pé daqui até entender por completo tudo

o que está acontecendo ‒ disse Nina, com o queixo erguido.

– Ha! Ha! Ai, Nina, até parece! A medrosinha não vai arredar o

pé? ‒ perguntou seu reflexo, cruzando os braços, incrédula. ‒ Você

tem medo de si mesma... Buuu! – gritou a estranha criatura que estava

diante da adolescente. – Ora, me poupe! ‒ disse o reflexo, jogando a mão

para o alto. Vendo que Nina tinha ficado chocada com suas palavras,

o fantasma falou: ‒ Ah, não fique assim desse jeito... De certa forma,

há um ponto positivo nesta nossa conversa: acho que simpatizei com

você, quer dizer, comigo mesma ‒ confessou o reflexo, parecendo meio

confusa. ‒ Então, vou facilitar as coisas, afinal de contas, gosto de

41


você, de mim, mais do que você pensa... Vou lhe fazer uma pergunta

e você deve responder. Espero que assim ache mais agradável e menos

entediante este nosso primeiro encontro. Conte-me, por que você se

sente tão insegura?

Nina ainda estava um tanto paralisada com a situação. Sentia mais

frio ainda diante da pergunta feita, mas, de certa forma, começou a

entender muito bem o que estava acontecendo naquele momento: ela

não precisava ver a imagem dela na sua frente ‒ se fizesse isso, estaria

projetando o problema para fora dela! Tinha de fazer um esforço e olhar

para dentro de si; se estivesse correta, o que sentia em seu coração

deveria ser igual à imagem que estava à sua frente, ou seja, ficaria

frente a frente com ela mesma.

– Tenho medo de que as pessoas fiquem furiosas se eu não conseguir

dar a elas o retorno de que precisam – falou Nina, agora com os olhos

bem abertos, determinada.

– E você sabe do que elas precisam? ‒ perguntou o reflexo, com um

olhar malandro.

– Penso que elas têm que ficar felizes e satisfeitas e saber que podem

contar comigo, que podem me aceitar como amiga... ‒ respondeu Nina,

sentindo-se mais animada, com a sensação de frio indo embora.

– E por que você pensa que não conseguiria deixar todos felizes,

satisfeitos ou alegres? ‒ perguntou o reflexo, agora mais sério.

– Porque, às vezes, me sinto fraca, tenho receio de falar; por isso

evito me expor muito... Prefiro ficar calada no meu canto – respondeu

Nina, coçando o cotovelo, diante dessa lembrança triste.

– E o que aconteceria se você fizesse o contrário e começasse a se

expor sem sentir medo das pessoas? ‒ perguntou o espectro da jovem.

– Não sei se suportaria muito tempo desse jeito, acho que eu logo

procuraria por segurança... – arriscou Nina.

– E você já ouviu falar que só os inseguros procuram por segurança?

‒ questionou o espectro.

– Bem, sim, eu sei... Porque, na maioria das vezes, me sinto insegura...

‒ respondeu Nina, sem olhar para o seu reflexo.

42


– Mas se sente segura quando fica calada no seu canto, correto? ‒

questionou o reflexo.

– Sim, é verdade. É nesse momento que me sinto segura. Mas espere

aí! ‒ falou Nina, em um salto ‒ Na realidade, isso não é segurança, estou

vendo isso agora! ‒ respondeu Nina, superfeliz com sua descoberta.

– E se não é segurança, do que se trata? ‒ perguntou o reflexo, gesticulando

com as mãos para que Nina prosseguisse com seu raciocínio.

– É a fuga de algo que não deveria me perturbar. Bobagem minha!

Na verdade, não devo procurar algo que me dê segurança! ‒ respondeu

Nina, estalando os dedos.

– E por que acha isso? ‒ questionou a sósia, ansiosa pela resposta.

– Porque a segurança que tanto procuro do lado de fora com certeza

não está lá, e sim dentro de mim, não nos outros ou no que eles pensam!

Não preciso procurar por aí porque a segurança sou eu mesma, e assim

deve ser minha atitude diante da vida! ‒ concluiu Nina, triunfante.

A imagem de Nina deu um sorriso largo e brilhante, começou a se

transformar em uma névoa e sumiu. Agora, a verdadeira Nina estava

sozinha no labirinto. Foi a primeira vez que encontrou o caminho e

a força necessários para aceitar uma fraqueza. “No momento em que

a gente identifica qualquer tipo de fraqueza e a aceita, por mais que

seja estranho no começo, é um novo ciclo superado. A gente pode até

dar um nome ou apelido para ela; sabendo do que se trata, quando a

fraqueza surgir outra vez, a gente até pode conversar com ela e pedir

para que não atrapalhe mais nossa vida”, pensou.

Uma suave luz da lua cheia começou a iluminar o labirinto. Nina

continuou andando; o frio estava menos intenso e ela estava se sentindo

mais confiante naquele momento.

De repente, um pouco mais adiante, vultos escuros que variavam

de forma e altura começaram a aparecer à sua frente. Ela se esforçou

para tentar definir o que eram, porém já estavam se aproximando e não

paravam de se movimentar e emitir sons estridentes que feriam seus

ouvidos. Então, Queli ressurgiu e voltou a falar, mas seu tom parecia

com o usado no início do labirinto:

43


– Pelo que estou percebendo, você não está sentindo tanto frio...

Quando entrou no labirinto, quase dei um casaco para você, de tanto

que estava tremendo... Acho que você está se sentindo mais confiante

agora, não é? Então trouxe estas criaturinhas para ficarem um pouco

com você, para lhe fazerem companhia. ‒ Queli mostrou pequenos

fantasmas, que davam piruetas no ar, riam alto e não conseguiam

andar direito, sempre tropeçando uns nos outros e caindo de bumbum

no chão. ‒ No começo, elas parecem meio grotescas; até eu mesmo

acho isso... ‒ confessou Queli, falando baixinho para Nina. ‒ Bem, na

verdade, você já as conhece... São suas fraquezas, Nina! De todos os

tipos que você tem! Elas estão bem à sua frente, querendo ficar bem

junto de você. Caso consiga passar por elas, vai estar muito perto de

sair deste labirinto! ‒ explicou Queli, ao lado das criaturas, que já

esticavam os bracinhos para alcançar Nina. ‒ Ah, não se esqueça: caso

sinta necessidade, você sempre pode utilizar os Anéis das Desculpas.

Acho que os Mágicos e os Matemágicos adorariam receber você...

Eles devem estar muito aflitos e quase chorando de tantas saudades...

‒ brincou Queli, piscando um olho para Nina.

Nina ficou estática. Podia ver os vultos assustadores chegando cada

vez mais perto, sentindo que estava diante de uma situação de grande

perigo. Num impulso, virou de repente e saiu correndo pelo labirinto.

Corria pelos estreitos e altos corredores, sem saber muito bem para

onde estava indo, mas sabia que tinha de correr cada vez mais rápido.

Quando virou numa esquina, tropeçou e foi ao chão, bateu a cabeça

com muita força e desmaiou.

Ao acordar, recuperando-se do impacto que tinha sofrido e ainda

meio zonza, Nina se deparou com a cena em que ela, sua irmã e Júnior

haviam conseguido passar pela Ponte do Agora. Ela se lembrava das

palavras de Júnior, como se ele estivesse ali, ao seu lado:

“Lá, a pessoa tem que se encontrar consigo mesma se quiser vencer.

Bom, na realidade, a pior coisa é tentar evitar qualquer etapa do

desafio... Um dos maiores erros do jogo...”.

Nina abriu os olhos lentamente e apoiou-se nos joelhos. Olhou com

serenidade para a frente. Ninguém jamais poderá dizer o que estava

se passando na cabeça daquela garota naquele instante, mas ela deu

44


meia-volta, fechou os punhos e começou a andar com passos firmes

ao encontro dos misteriosos vultos, que continuavam vindo por todos

os lados do corredor.

– Então, bichos esquisitos, vocês são minhas fraquezas? Não são

nada bonitas, mas vamos ver quem são vocês... – gritou Nina, enfrentando

as criaturas.

Elas entraram na mente de Nina, que começou a sentir náuseas e

dores. “Como machuca”, pensou Nina. “Essas dores só podem ser das

tristezas que a gente sente quando acontece algo de ruim em nossa

vida”, refletiu. “Muitas vezes, para evitar que essa dor se repita mais

uma vez, a gente inventa, por instinto, várias formas de evitá-las, ou

se envolve em pensamentos, passando anos e anos tentando resolver

a questão sem conseguir; e é claro que a gente ainda pode tentar

esquecer essas dores para que não nos machuquem mais... Mas elas

sempre estarão ali, consumindo nossas melhores energias”, concluiu.

“Essa é a questão!”, resolveu Nina. “Não podemos fugir das fraquezas,

porque elas não são apenas sonhos ‒ elas são reais! Temos

que enfrentá-las, sentir sua energia, por pior que elas possam parecer.

Quando a gente consegue encará-las, seja lá o que elas nos proporcionaram

de mau, elas escoam, se diluem e ficam cada vez mais fracas.

Não podemos correr delas, porque pode ser que a gente passe uma

vida inteira sem poder superá-las. A decisão é nossa!”, descobriu Nina.

Nina estava assimilando suas fraquezas e estava firme. Os vultos que

estavam à sua volta aos poucos começaram a desaparecer, um a um.

As fraquezas não tinham mais sentido de existir dentro de alguém que

não sentia medo delas. Momentos mais tarde, percebeu que as fraquezas

não estavam mais com ela e que já não estava sentindo frio como

antes. Na verdade, ela percebeu que não sentia mais frio algum! Uma

brisa leve tocou em seu cabelo e os primeiros raios de sol começavam

a aparecer no labirinto. A garota percebeu que estava no fim de seu

trajeto, com a mata à sua frente.

– Nina! Nina! – apareceu Duda, correndo ao seu encontro para

abraçá-la.

– Você está bem? – perguntou Júnior.

45


– Sim, sim, estou! Consegui! Enfrentei o gelo e o frio das minhas

fraquezas! – respondeu Nina, ainda abraçada à irmã mais nova.

De repente, as pernas de Nina começaram a tremer; ela caiu de

joelhos e fechou os olhos.

– Você está bem, Nina? Está sentindo alguma coisa? – perguntou

Júnior, ao mesmo tempo que a segurava pelos ombros.

– Sim, estou bem! ‒ tranquilizou Nina. ‒ Não estou sentindo nada,

não, desculpem... É que acho que... Nunca me senti tão bem comigo

mesma!

Capítulo X

A hóspede

– Esta foi uma noite muito longa... E com certeza precisamos comer

alguma coisa – falou Júnior. – Eu vi umas árvores frutíferas no pé do

morro, pareciam muito boas. Talvez consigamos alguma coisa por lá!

Vamos!

As duas irmãs foram seguindo o jovem na descida do morro, do

qual era possível ver, a uma grande distância, uma grande fortaleza,

coberta pela mata, cheia de cipós, árvores de todos os tamanhos,

pedras, cobras e raízes.

– Ai! – gritou Duda, ao cair depois de escorregar no barranco que

os três desciam.

– Vamos com calma! ‒ aconselhou Júnior. ‒ Temos que descer mais

devagar para não escorregar. Cuidado com as pedras soltas – completou.

Logo chegaram ao pé do morro, comeram mamões e bananas e

refrescaram-se com a água fresquinha que havia numa fonte perto dali.

Depois de satisfeito e recomposto, o trio subiu novamente o morro

para ter uma visão melhor da fortaleza e avaliar o caminho que tinham

de percorrer. Ninguém no outro lado da ilha tinha conhecimento da

existência da fortificação, pois nunca haviam terminado a primeira

etapa do desafio. Júnior indicou para as duas irmãs como o forte estava

envolto por um espesso nevoeiro.

46


Lá de cima, podiam observar a movimentação de centenas de guerreiros

dentro do forte, que parecia contar com inúmeros canhões postados

sobre os grossos muros de pedra. As armas estavam sendo disparadas, e

seus alvos deveriam estar em lugares bastante distantes, pois não havia

explosão antes da linha do horizonte. Guerreiros entravam e saíam,

trazendo bandeiras das mais diferentes cores e desenhos. Era possível

ver uma fogueira que se erguia enorme do centro da fortaleza. Nina e

Júnior preferiam não tentar imaginar o que era queimado nesse fogo.

– Nossa, não acredito que eles fazem tanto mal assim, eles não param

de atirar... – comentou Nina, entristecida e temerosa.

– É, e pelo jeito ninguém faz nada para acabar com isso! São muito,

muito maus mesmo! – completou Duda, chutando um pedregulho em

direção à enorme estrutura de pedra.

– Mas será que nós não podemos fazer nada para que parem? –

revoltou-se Nina. ‒ Não podemos avisar os Mágicos e os Matemágicos

de alguma forma? – perguntou.

– Olha, Nina, acho que você vai ter que entrar no forte e descobrir

‒ sugeriu Júnior, encolhendo os ombros após a expressão de

surpresa de Nina e Duda. ‒ Isso faz parte do desafio. É a segunda etapa,

a dos raios e trovões! Lembra-se dos raios que caíram na praia e dos

guerreiros que nos perseguiram? Eles estão naquele forte – indicou o

jovem com a cabeça.

Nina, de uma hora para outra, viu-se diante de um dos maiores desafios

de sua vida! Não eram sombras e fogos dançantes assombrados

que ela tinha de encarar: ela via uma enorme estrutura de pedra que

abrigava homens que pareciam assassinos insaciáveis, capazes de matar

sem compaixão, comedores das pedras que formavam sua fortaleza.

Eles tinham enormes canhões, cavalos que pareciam expelir fogo de

suas narinas, lanças que ela já imaginava perfurando seu corpo como

se fosse um leitão. Então ela se lembrou do primeiro desafio. Procurar

segurança não a ajudaria em nada. Ela tinha de encarar seu medo e

seguir em frente, com ou sem guerreiros e fortaleza. Despediu-se de

seus parceiros de aventura e começou a descer em direção ao forte.

A descida não foi fácil: a mata era muito densa. Apesar disso, Nina

conseguiu chegar até o pé do morro e, alguns metros à frente, havia um

47


estreito corredor entre a vegetação e a muralha. A aventureira o percorreu

completamente e, chegando ao pé da murada da fortaleza, passou a

procurar uma abertura pela qual pudesse entrar. Estava andando com

todo o cuidado, rente à muralha, quando ao longe escutou o terrível

som do latido de cachorros. Ela não queria acreditar, mas, bem à sua

frente, a uns poucos metros de distância, conseguiu ver vários cães, do

tamanho de carros, correndo com toda a velocidade em sua direção.

Nina deu meia-volta e saiu em disparada até achar uma árvore com

vários cipós que chegavam até o chão. Começou a escalar um deles até

alcançar um galho alto e ficar a salvo dos vorazes animais. Foi quando

ouviu vários silvos perto de sua cabeça e, em seguida, batidas secas na

árvore. Tentando encontrar a fonte dos barulhos, viu que eram flechas

que haviam atingido o tronco. Logo ouviu mais silvos cruzando o vento

e pôde ver que mais à frente surgiam vários guerreiros gritando e bramindo

seus arcos e espadas em direção a ela. Direcionou seu olhar para

baixo e viu que as bestas que a perseguiam latiam ferozmente tentando

subir na árvore. Nina foi capaz de falar só uma coisa, agarrando-se

cada vez com mais força ao galho: – Os Anéis das...

Mas foi interrompida ao escutar o som forte de uma corneta, que

vinha logo atrás dos guerreiros. Os cães pararam de latir e recuaram,

correndo e gemendo com os rabos entre as pernas; os guerreiros se

afastaram, formando duas alas, por entre as quais passou um cavaleiro

com uma bela armadura negra de metal, em cima de um grande corcel

negro, seguido por diversos cavaleiros de armaduras prateadas, também

em cima de seus cavalos. O cavaleiro tinha os cabelos negros e compridos

e uma grande cicatriz que passava rente ao seu olho esquerdo.

– Então, você passou pelo labirinto, Nina? ‒ seus dentes eram

extremamente brancos, e seu olhar parecia de uma ave de rapina. ‒ Já

perdi muitos homens e miseráveis prisioneiros que se aventuraram a

passar por ele... Parabéns! ‒ os asseclas do cavaleiro negro riram atrás

dele. ‒ Meu nome é Minaco, e elogio sua coragem, ao mesmo tempo

que sinto muito pela recepção pouco amistosa que os cães e minha

tropa da guarda lhe proporcionaram. O mínimo que posso fazer para

me desculpar é convidá-la para meu humilde forte, o que acha? Você

será minha hóspede! ‒ Minaco apontou o braço para a grande fortaleza,

e os cavaleiros abriram caminho, sugerindo que Nina descesse.

48


Extremamente desconfiada, Nina começou a descer da árvore. Logo

que ela chegou ao chão, um dos guerreiros veio para colocá-la gentilmente

em seu cavalo. Ela foi seguindo os cavaleiros, que cavalgavam

bem atrás de Minaco. Contornando as muralhas do forte, logo chegaram

a uma praia, cujas ondas batiam forte contra grandes pedras

pontiagudas. Um pouco mais adiante, chegaram a um grande portão.

Enquanto a comitiva entrava, os olhares dos guerreiros que estavam

no forte se voltaram para a menina. O grupo liderado por Minaco

entrou em uma grande casa de pedra. Quando pararam, os serviçais

do cavaleiro negro ajudaram Nina a descer do cavalo e a conduziram

para dentro da escura instalação.

Entraram em uma grande sala, cheia de troféus de caça, escudos,

espadas e lanças. Havia poucos móveis, mas muitos tapetes e uma

bela e grande lareira.

– Como falei ‒ explicou Minaco, que apareceu de repente na sala ‒,

você será minha hóspede! Aqui você está na segunda e pior etapa do

desafio! ‒ abrangeu a casa com os braços. ‒ Nunca soube de alguém

que tenha passado pelo Labirinto das Fraquezas, mas com certeza nunca

ninguém conseguirá sair vivo desta etapa, isso eu lhe garanto. Você

preferirá sair correndo feito uma menininha quando vir o que a espera.

– Esta etapa é a dos raios, não é mesmo? – perguntou Nina, tentando

sondar seu tenebroso anfitrião. – O que significa isso?

– Quer dizer que daqui criamos todos os infortúnios e desgraças que

assolam o mundo! ‒ respondeu Minaco, apresentando a mão direita

aberta a Nina e achando curiosa a alta estatura daquela menina tão

jovem. ‒ Comunidades e nações inteiras se ajoelham a nossos pés,

porque nada podem fazer contra nós, ninguém pode nos evitar! ‒

disse o guerreiro, fechando o punho. ‒ Você, pirralha, está no Forte

das Ameaças!

Capítulo XI

Relâmpagos e trovões

Em suas primeiras horas de estadia, Nina estava deitada em uma

cama composta somente de uma tábua grossa de madeira. Sua cabeça

49


estava a mil, pensando em todas as barbaridades que esse lugar produzia.

Entretanto, ela estava tranquila, equilibrada. “A primeira etapa do

Grande Desafio realmente me modificou”, pensou enquanto enrolava

fios do cabelo em um dos dedos. Do nada, a imagem de Ísis surgiu

em sua mente. Parecia que ela estava novamente na cabana de sua

instrutora, ouvindo suas lições. ‒ A ação e a existência dos relâmpagos

independem do ser humano, assim como os fatores que estão fora de

nosso ambiente. Ainda assim, precisamos saber que fatores são esses

e quando e como podem influenciar nossa vida, para que estejamos

preparados e não nos atinjam em momento algum ‒ explicou a treinadora

de Nina.

‒ Um exemplo é o próprio raio ‒ continuou Ísis. ‒ Quando chove,

você não pode evitar que os raios atinjam o solo, mas nem por isso

vai colocar a mão em um para-raios, pois com certeza será atingida

e poderá morrer instantaneamente. Por isso falamos que a existência

dos raios não depende de nós. O que nos resta é tomar providências

para que não sejamos vítimas deles.

Nina acordou. Estava sonhando! Passava do meio-dia e o sol brilhava

intenso fora da casa de pedra. Ainda se recompondo do sonho,

a menina ouviu um guarda que a estava chamando e pedindo que o

acompanhasse. Do lado de fora, um cavalo selado a esperava, rodeado

por um grupo de guerreiros, com Minaco à frente. O guerreiro fez um

cumprimento galante e falou para a jovem:

– Vamos passear um pouco, pirralha! Quero que você conheça minha

propriedade. É bom que esteja atenta, porque tudo isto faz parte do

desafio que você terá que enfrentar – explicou Minaco, com o dedo

indicador levantado.

Nina subiu no cavalo com ajuda. Meio desajeitada, agarrou as rédeas

com toda a força, já que não estava familiarizada com passeios a cavalo.

O grupo saiu do forte e começou a andar pela praia. Um pouco

adiante, depois de passarem por um conjunto de rochas, entraram na

mata. Em determinado momento, tentando demonstrar força para seus

anfitriões, Nina começou a andar na frente da comitiva, sempre tentando

desviar dos galhos baixos das árvores que ladeavam o caminho.

Em certa altura do trajeto, levantou o olhar e percebeu que estava em

50


frente a uma encruzilhada. Ela parou e olhou para trás, para perguntar

qual caminho tomar. Porém, percebeu que estava sozinha! Como num

passe de mágica, Minaco e seus guerreiros não estavam mais atrás

dela. Deu meia-volta e começou a retornar pela trilha. Preocupada

com o imprevisto, acabou errando o caminho de volta e, sem perceber,

chegou a uma grande choupana de palha que não havia visto antes.

Nina notou que vinha muito barulho de seu interior; parecia que se

tratava de algum tipo de música, risadas e até gritos.

Das costas de Nina surgiu uma linda menina, um pouco maior que a

adolescente, bem vestida e aparentando muita simpatia. – Olha só quem

temos por aqui? Uma bela donzela passeando pela mata! Estaria ela

tentando achar o caminho de volta para casa? ‒ perguntou a menina,

fingindo estar recitando um texto teatral, com a mão na testa, simulando

um desfalecimento. ‒ Com certeza você deve achar que está perdida

nesta mata horrível, mas, na verdade, não está. Eu diria que acabou de

chegar ao lugar certo! ‒ continuou a enigmática figura, batendo uma

mão na outra, animada. ‒ Vamos, seu cavalo deve estar com sede...

Quero que conheça meus amigos, eles vão adorar conhecê-la! Você

também deve estar morrendo de sede com este calor... A propósito,

meu nome é Mirabele ‒ a estranha dama fez uma mesura, pegando

em uma ponta de seu vestido.

– O prazer é meu! ‒ respondeu Nina, estranhando aquela pompa

toda. ‒ Acho que estou perdida mesmo, mas aceito seu convite. Estou

com muita sede.

– Ora, que gentil é você! ‒ comentou Mirabele, colocando a mão no

peito para demonstrar admiração, olhando Nina de cima a baixo. ‒ Deve

ser uma nobre dama... Venha, venha por aqui comigo, Nina – convidou.

As duas entraram na cabana e, logo à sua frente, viram-se diante de

um grande salão. Lá se encontravam muitos jovens da idade de Nina e

também alguns mais velhos, mas todos muito alegres e bem vestidos,

conversando, rindo e outros dançando. À primeira vista, parecia um

lugar muito agradável e convidativo. Dava muita vontade de ficar ali

e fazer parte daquela turma.

Mirabele pegou Nina pelo braço e começou a apresentar os diversos

grupos de amigos que estavam no recinto. Aos poucos, a menina foi

51


percebendo que o ambiente tinha alguns problemas: havia jovens que

fumavam e bebiam, enquanto outros brigavam ou falavam palavrões.

Apesar de todos aparentarem estar festejando, não interessava se eram

meninas ou meninos, todos de uma forma ou outra demonstravam que

não tinham muito respeito uns pelos outros.

– Que tal, Nina? Gostou da turma? O que você achou? – perguntou

Mirabele, aparentando já esperar uma resposta positiva.

– Achei todos bem animados! Mas, quando vocês se reúnem, é

sempre assim? Toda essa euforia? Parece que alguns estão bebendo

muito... ‒ comentou Nina, sentindo um forte cheiro de álcool no ar,

que a forçou a disfarçadamente trancar o nariz.

– “Quando” nos reunimos? ‒ Mirabele parecia surpresa. ‒ Ora, sua

tolinha, sempre nos reunimos aqui. Não temos outra vida para viver, e

não queremos outra! ‒ explicou a donzela, que pareceu por um breve

momento estar com os olhos esbugalhados. ‒ Venha se juntar a nós,

Nina! Vamos adorar ter você como nossa nova amiga – convidou a

anfitriã, puxando Nina pelos braços, que estavam sendo apertados de

uma forma um pouco excessiva. ‒ Ah, espere um pouco aqui ‒ pediu

Mirabele, que saiu repentinamente.

Nina ficou sozinha por um momento, pois sua anfitriã foi separar

uma briga que estava acontecendo perto da lareira. Nesse meio tempo,

a jovem aventureira começou a andar sozinha pelo grande salão.

– Venha fumar um pouco com a gente... Fazemos questão que experimente

os melhores momentos de sua vida conosco – falou um jovem

e bonito rapaz para Nina.

– Obrigada, mas estou com Mirabele, já volto! – respondeu a jovem,

quase se sentindo sufocada com a fumaça que os rapazes produziam.

Eles pareciam verdadeiras chaminés.

De fato, Nina percebeu que todos estavam fazendo coisas ruins.

Apesar de serem muito simpáticos e agradáveis no começo, agora

estavam se tornando agressivos. Ela viu que, naquele salão, todos

pareciam meio em transe; todos a convidavam para alguma coisa,

sempre controversa: beber, fumar ou falar mal dos outros; todos se

vangloriavam de si mesmos e de seus feitos, como se fossem heróis e

52


heroínas de histórias em quadrinhos. Essas pessoas, que, a princípio,

pareciam fantásticas, na realidade eram cascas vazias, sem brilho nos

olhos.

“Espera aí”, Nina pensou baixinho. “Com certeza esta deve ser uma

das propriedades de Minaco. E, se é dele, o que tem aqui não deve ser

nada de bom...”. De repente, foi pega pelo ombro esquerdo e teve um

arrepio como se tivesse sido encontrada pela Morte em pessoa.

– Ah! Você está aí! ‒ falou Mirabele, rindo. ‒ Venha! Quero que

você beba uma coisa sensacional! Todos bebem por aqui e você vai

conhecer a glória que é se divertir conosco – propôs a “bela” dama.

– Olha, obrigada, Mirabele... ‒ respondeu Nina, livrando suas mãos

das de sua anfitriã. ‒ Mas já vou indo. Não posso me demorar... Você

pode me mostrar qual é o caminho para o forte de Minaco? – perguntou

a adolescente, que já havia visto através de uma janela seu cavalo

pastando em frente à casa.

Logo se aproximaram de Nina pessoas que ouviam a conversa e

começaram a tentar convencê-la a ficar:

– Olha, nós fazemos questão que fique! ‒ insistiu um garoto que já

tinha uma gravata pendurada na cabeça. ‒ Você não vai sair daqui

sem experimentar nossa bebida! Seria uma grande desfeita se você

recusasse, e você não vai querer fazer isso conosco! – falou o rapaz,

que estava com os olhos totalmente arregalados, terminando com uma

grande gargalhada.

– Obrigada, mas não agora, fica para outra oportunidade – disse

Nina, já se virando e começando a andar em direção à porta de saída.

No entanto, uma moça a segurou pelo braço e começou a puxá-la,

dizendo:

– Você não pode fazer esta desfeita com a gente! Nós a tratamos

tão bem; nós a aceitamos no grupo como nossa amiga, e agora você

quer ir embora sem mais nem menos? Venha, queremos que fume este

cigarro, ele é uma delíciaaaaaaaaaaa... ‒ falou a garota.

– Você vai ficar com a gente, sim – disse um menino, com olheiras

enormes e extremamente magro. – Agora que nos conhece, não sai

mais da nossa turma!

53


Nina percebeu que todos começaram a rodeá-la. Mirabele agachou-

-se em um canto perto da lareira e começou a chorar. Todos estavam

agressivos e prontos para brigar ou discutir com Nina, que percebeu

a situação pelas feições daqueles que a rodeavam. Notou que, por

debaixo daqueles rostos bonitos, também existia muito ódio e rancor.

No início, parecia tudo muito bacana e amigável, mas, num estalar de

dedos, eles queriam tomar conta de suas vontades. Com certeza, não

eram boas pessoas.

“Então”, pensou Nina, “este lugar é uma das diversas ameaças que

uma pessoa está sujeita a enfrentar em sua vida, esteja onde estiver,

ande por onde quiser. A gente sempre estará sujeito a se deparar com

as más companhias...”.

– Está bem, está bem! – disse Nina – Vocês querem que eu beba?

Então, pelo menos me sirvam uma bela taça grande e cheia, porque

não quero ficar passando vontade!

– Eh! Boa! Assim é que se fala! ‒ berravam todos, quase uivando. ‒

Vamos lá, tragam uma bela taça para esta menina e um cigarro, para

aproveitar a viagem! ‒ Um dos meninos passou o braço pelos ombros

de Nina. ‒ Ei, que tal? Você não quer ser minha namorada? – perguntou

o garoto, todo roxo de marcas de briga e sem um dente da frente,

levantando as sobrancelhas.

Nina pegou a taça e fez o gesto de brindar. Todos a acompanharam,

mas, no momento em que começaram a beber, acreditando que mais

uma tinha entrado para a turma, ela aproveitou a distração e, com um

forte empurrão, levou ao chão quase metade deles. Todos olharam

estupefatos, sem saber o que estava acontecendo, mas ela se virou

rápido e saiu correndo em disparada em direção à porta de saída. Já

se recompondo do susto, muitos se levantaram e foram correndo ao

encontro da fugitiva.

Ela tentou abrir a porta, que estava trancada. Pegou um banco que

estava perto e arremessou-o contra a janela. Em meio aos vidros

quebrados, a garota pulou para fora da casa, caiu na grama rolando e

levantou-se rapidamente, correndo em direção ao cavalo. A turma já

estava saindo da casa e a alcançava. Por muito pouco não chegaram à

vítima, que conseguiu colocar o pé no estribo da sela no último instante

54


e subir rapidamente no cavalo, pondo-o em disparada e saindo em

direção à trilha. A turma que ficava para trás jogava pedras e pedaços

de pau. Ela correu mais um pouco e depois percebeu que não a

estavam perseguindo.

“É assim que acontece” – pensou baixinho. – “Eles se fazem de

maiorais e, claro, no começo, todos querem ficar junto deles. Depois,

esses malucos mostram suas verdadeiras caras: cigarros, drogas e

bebidas, então não deixam você sair da turma...”.

A aventureira andava atenta pela trilha, procurando alguma referência

para voltar ao forte ou dirigir-se para qualquer outro lugar, menos para

aquela casa de doidos que havia deixado para trás. Atrás dela, surgiu um

barulho de galope e de galhos quebrando. Nina olhou para a aparente

fonte do som e não viu ninguém. De repente, percebeu que os mesmos

barulhos vinham de sua frente. O cavalo empinou-se e a jovem caiu

ao chão. Alguns segundos depois, ainda um pouco atordoada, tentou

se levantar quando sentiu que arremessaram uma rede de cordas sobre

sua cabeça, jogando-a novamente ao chão.

Em seguida, várias pessoas com capacetes e vestidas com peles se

aproximaram e a puseram em pé, tiraram a rede e amarraram suas

mãos. Na sequência, chegou outro grupo, a cavalo.

– Pegamos um belo exemplar de menina desta vez – falou o que

estava à frente. – Esta vai dar uma boa recompensa! ‒ todos à sua

volta riam. ‒ Vamos levá-la para a aldeia, rápido, antes que o pessoal

do forte apareça atrás dela ou do cavalo, que também deve valer um

bom dinheiro ‒ o raptor ordenou, mostrando dentes horrorosos e um

olho de íris branca para Nina.

Foram puxando Nina com uma corda amarrada nos pulsos. Em

poucos instantes, todos chegaram a uma pequena aldeia. Havia muitos

guerreiros, parecidos com vikings, todos muito mal-encarados, como se

tivessem comido jiló com limão estragado. Em frente à praça central

estava um homem muito alto e forte de braços cruzados, aguardando

a chegada da patrulha.

– Olhe só o que conseguimos, Kristofer! Uma linda donzela para

negociarmos! ‒ festejou o guerreiro que havia capturado Nina, pegando

a garota pelo queixo e olhando os dois lados de seu rosto. ‒ Que tal

55


pedirmos um resgate dos bons? O que acha? Podemos? ‒ perguntou.

– Você é um pateta estúpido, não é mesmo, “Senhor Resgate”? Agora

teremos todo o exército do forte procurando essa menina! Como o

“Senhor Resgate” vai negociar com Minaco? Pode me falar, seu pobre

caolho? – gritou Kristofer.

O chefe da esfarrapada patrulha não sabia nem o que dizer. Ficou

paralisado e baixou a cabeça com a intempestiva reação de seu líder.

Eles eram guerreiros e também faziam parte das ameaças do Grande

Desafio, aterrorizando cidades de pessoas pelo mundo afora. Não eram

tão poderosos quanto as tropas de Minaco, mas ainda assim não era

bom cruzar seu caminho.

– Bem, já que você não tem capacidade de raciocinar, eu vou dizer

o que nós vamos ter que fazer – falou Kristofer. ‒ Primeiro, soltem o

cavalo na mata. A menina vai ficar conosco. Por enquanto ela deve ficar

em nossa cabana central, no porão de provisões. Será nossa refém até

que nós a deixemos do outro lado da ilha, como se estivesse perdida.

Apaguem todos os rastros de vocês na região em que a encontraram,

para que ninguém do forte possa imaginar que ela está aqui.

Depois de ser transportada para a cabana indicada, Nina ficou

tentando entender a situação: por que tinha sido capturada para ser

negociada por um resgate e agora seria deixada do outro lado da ilha?

“Além do mais, tenho que continuar no desafio”, pensou, preocupada.

Nesse momento, Nina ouviu o silvo de inúmeras flechas em todas

as direções e percebeu que alguns homens de Kristofer haviam caído

agonizantes. Ela pôde ver que algumas das flechas eram incendiárias

e que muitas cabanas da aldeia tinham começado a pegar fogo.

– Droga! Sabia que essa menina ia me trazer azar! ‒ lamentou

Kristofer. ‒ Espere! ‒ disse surpreso, pisando forte no chão de tanta

raiva. ‒ Não são os guerreiros do forte! São os piratas do Capitão

Costa Negra! Vamos, todos peguem suas armas! ‒ gritava Kristofer.

O guerreiro que havia raptado Nina entrou no porão da cabana todo

apressado. Queria esconder-se ali e aguardar que a batalha terminasse.

Quando viu Nina, foi até ela e falou baixinho: ‒ Reze para que o

Capitão Costa Negra não pegue você! É bem capaz que ele faça um

56


pano de chão com a sua pele e coloque seu corpo na proa de seu navio,

para ser comido pelos peixes! ‒ relatou o guerreiro, rindo e soltando

um bafo pestilento. ‒ Ele é o mais temível pirata dos mares! Antes da

chegada de Minaco, ele comandava o forte. Depois de ser derrotado e

expulso da fortaleza, jurou vingança e fez a promessa de que retomaria

a enorme instalação de pedra. Os três guerreiros ‒ o capitão, Minaco

e Kristofer ‒ são eternos inimigos e sempre lutam entre si pela posse

do forte. Mas eu não vou ficar aqui parado para ser morto! Eu vou

pegar você e vou sair desta aldeia ridícula, e vou vendê-la pelo preço

mais alto que pud...

O “Senhor Resgate” foi interrompido por Kristofer, que deu um

belo murro na cabeça do traidor. ‒ Não se fazem mais bandidos como

antigamente! ‒ disse o alto homem para Nina, segurando seu braço

com força, para se reunir em seguida com mais uns dez de seus guerreiros.

Em meio a explosões e flechadas, o grupo de Kristofer entrou

na mata. Porém, um pouco à frente, viram-se cercados! Haviam caído

numa emboscada e tiveram de se render, junto com todos os outros

guerreiros da aldeia (com exceção do “Senhor Resgate”, que jazia

dormindo no porão da cabana central). Os piratas levaram Kristofer

e Nina para falar com o Capitão Costa Negra.

Quando todos os reféns foram colocados no navio, o imediato chamou

seu chefe, que chegou ao convés logo em seguida. Costa Negra

era um homem com uma barba enorme, que parecia ter desde o nascimento,

de tão cerrada que era. Sua pele parecia de couro curtido no

sal dos mares, e um de seus antebraços havia sido substituído por uma

espada extremamente afiada. A lâmina estava manchada da sujeira de

muitos anos de roubo. – Há quanto tempo não vejo você tão de perto,

Kristofer! Será que foi aquela vez que você me roubou aquela bolsa

cheia de ouro? Ou quando tentou sabotar a minha esquadra e chegou a

afundar alguns navios, hein? – perguntou o capitão, com todos os seus

dentes de ouro à mostra – Agora vejo você com essa menina estranha,

o que posso pensar de você?

– Olha, capitão... ‒ erguendo as duas mãos, como quem quisesse

conter a fúria do pirata. ‒ Essa menina é minha escrava. Se quiser,

pode levá-la! Faz parte do meu pagamento pela bolsa de ouro... Pode

conseguir um bom resgate por ela! – propôs o viking, que parecia querer

57


disfarçar uma lágrima surgindo em seu olho esquerdo.

– Vamos ver que tipo de mercadoria temos aqui ‒ disse o capitão,

aproximando seus olhos vermelhos de Nina. Ele fedia a mexilhão podre

e musgo. ‒ Você, de onde é? – perguntou Costa Negra.

– Venho do forte ‒ respondeu Nina, que achava melhor ser franca

com ele. ‒ Estava passeando na floresta com Minaco quando me perdi

e esses marmanjões me prenderam.

Virando-se para Kristofer, Costa Negra apontou a espada afiada

para o líder dos vikings, que começou a suar frio. – Ora, seu peixe

imprestável! Queria que eu pegasse uma menina do forte? – perguntou

o capitão. – Agora vocês dois estão perdidos! Não entrego a menina;

ela será minha escrava de agora em diante. Quanto a você, Kristofer ‒

ameaçou o pirata, com um olhar de ave de rapina ‒, vou jogá-lo ao mar

para virar comida de peixes! Vamos, seus ratos do mar! Tragam-me

esses dois bacalhaus! Vamos embora, alto-mar ‒ ordenou o bandido

aos seus serviçais.

Nina ficou mais confusa e apavorada. Como ela havia conseguido

entrar naquela enrascada? Para sua amargura e revolta, lembrou-se de

que tinha sido pega por estar andando por trilhas que não conhecia, sem

imaginar que poderia haver bandidos à sua espreita. Ela simplesmente

não se preocupou em nenhum momento com sua própria segurança.

Nina e Kristofer estavam amarrados pelos pulsos. De repente, escutaram

fortes estrondos de raios, todos do lado do navio que estava

ancorado. A embarcação estava sendo bombardeada por todos os lados

e logo ficou tomada pelas chamas e começou a afundar.

– Matem todos os prisioneiros! – gritou o capitão, levantando sua

espada. – Todos!

Os raios começaram a cair muito perto do grupo de Costa Negra, o

que provocou um empurra-empurra. Para sorte de Kristofer, ele estava

amarrado com os braços para a frente, o que permitiu que pegasse

Nina, jogando-a para o seu ombro esquerdo. Saiu correndo como um

louco, trombando com os piratas e abrindo caminho entre eles. Raios

estouravam por todos os lados. A duras penas os dois chegaram até a

mata e se esgueiraram entre as árvores, deixando para trás a confusão

da praia.

58


Nina e Kristofer chegaram a um lugar seguro. Com uma espada que

o viking tinha conseguido pegar de um dos piratas durante a fuga,

cortou a corda e falou para a garota:

– Vou soltar você, mas nunca mais passe pela minha frente e não

diga para ninguém do forte que me viu ou ouviu falar de mim. Senão,

prometo que volto e acertaremos as contas entre nós... ‒ o guerreiro

foi interrompido pelo barulho de cavalos que os alcançavam. Ao olhar

para trás, Kristofer percebeu que se tratava de Minaco vindo a galope

pela mata com seus cavaleiros. Ele se levantou num pulo e aproveitou a

ocasião para sair correndo e esgueirar-se pela floresta até desaparecer

de vista. O grupo de guerreiros chegou até Nina, que ainda estava no

chão. Trouxeram o cavalo, no qual subiu sozinha, fazendo um aceno

com a mão para Minaco, para confirmar que estava tudo bem, e seguiu

o cavaleiro negro até chegar ao forte.

Na fortaleza, foi deixada em seu quarto, que, na verdade, seria sua

prisão por um longo tempo. À noite, levaram-lhe comida, que ela

consumiu vorazmente, e deram-lhe um colchão, travesseiros e um

cobertor. ‒ Como sua estadia aqui vai ser longa ‒ sua vida inteira ‒,

achei que você merecia algum conforto ‒ explicou Minaco, saindo de

seu quarto em seguida.

Mais tarde, um dos guardas, que havia acabado de tirar uma boa

soneca, abriu a porta para verificar se estava tudo bem. Olhou para a

cama, na qual Nina estava coberta até a cabeça. “Depois do dia cansativo

que teve e da comilança toda, só podia ter um sono de pedra

mesmo”, pensou o soldado.

Ao amanhecer, Nina pôde ver pelas grades de ferro da janela de seu

quarto uma intensa movimentação dentro do forte: era muita gente e

muito armamento juntos naquele lugar... De repente, Minaco estava atrás

dela, encostado à porta. Dava a impressão de estar lá há muito tempo.

– Pelo visto, você ficou muito interessada na movimentação de meus

homens na fortaleza, correto? – perguntou Minaco, com um sorriso

perspicaz.

– Sim... É que não consigo entender o porquê de tanta gente e tanto

armamento sendo utilizado neste lugar... ‒ respondeu Nina, entristecida

por saber que tudo aquilo só traria mais desgraça para o mundo.

59


– Entendo ‒ respondeu Minaco, afastando-se da porta e aproximando-

-se da janela. Ao passar por Nina, a garota sentiu um frio pior que aquele

do labirinto de Queli. ‒ Como você sabe, o forte, assim como muitas

propriedades ao nosso redor, fazem parte das ameaças que assolam

a Terra. Está vendo a linha de canhões no front esquerdo? ‒ apontou

com o dedo, revestido por uma manopla. ‒ Não são balas de canhão

que eles atiram: são os inúmeros desastres, guerras, roubos, decisões

políticas e econômicas corruptas e tudo o mais que pode trazer algum

tipo de ameaça à humanidade ‒ explicou Minaco, cruzando os braços.

– Mas por quê? ‒ perguntou Nina, abrangendo toda a fortaleza com a

mão. ‒ Por que fazer isso? Você faz ideia de todas as pessoas inocentes

que você atinge? Gente que nunca faria mal a ninguém? – completou,

quase gritando.

– Essa é nossa missão, pirralha! ‒ De alguma forma, Minaco parecia

triste com essa afirmação. “Será que essa é a maldição dele?”, pensou

Nina. ‒ É assim desde o começo dos tempos. Nós sempre queremos

conquistar mais e mais; o poder sempre é nosso objetivo! ‒ continuou

o cavaleiro. Ele se aproximou de Nina, como se quisesse confidenciar

algo. ‒ Você acreditaria se eu dissesse que as pessoas poderiam acabar

conosco com um passe de mágica?

Como viu a surpresa de sua prisioneira, Minaco se sentiu ainda mais

tentado a prosseguir. ‒ Cabe às pessoas nos identificar! Basta que elas

nos reconheçam e tomem as providências de segurança, e pronto!

Porém, quem se interessa em saber de nós? Quando estão na sua zona

de conforto, são poucos os que param para avaliar as reais ameaças

que os cercam. Então, o resto da manada torna-se nossa vítima com

muita facilidade! Pense nisso, pirralha! Tome mais cuidado, porque

você está condenada a passar o resto de seus dias envolta por essas

paredes. Tenha um bom dia! ‒ concluiu Minaco, ironicamente.

‒ Ah, eu terei um ótimo dia, Minaco. Pode acreditar! ‒ respondeu

Nina, dando alguns passos para a esquerda, desviando-se da janela.

Logo que Nina terminou de falar, ouviu-se um estouro ensurdecedor,

acompanhado de uma nuvem de areia, que irrompeu pela janela

e estremeceu o quarto, jogando Minaco ao chão. Ele estava deitado,

tentando se recompor, quando escutou um dos guerreiros gritando:

60


– Senhor, senhor! O Capitão Costa Negra está contra-atacando com

o exército dele!

‒ Ridículo! ‒ respondeu Minaco, tentando tirar a capa que cobria

sua cabeça. ‒ Como é que aquele projeto de sardinha pôde entrar em

nosso forte?

‒ Será que foi porque eu deixei o portal principal do forte aberto?

‒ perguntou Nina. Os barulhos da batalha chegavam cada vez mais

perto da casa principal. ‒ Providências contra ameaças, certo? Quem

mais poderia combater uma ameaça como você senão uma ameaça

ainda maior, e que queria o seu pescocinho há muito tempo? Claro! O

seu amigão do peito, o Capitão Costa Negra!

Os soldados de Minaco estavam lutando contra os marujos de Costa

Negra no lado de fora da casa. O cavaleiro estava possesso! Arrancou

a espada e apontou-a para Nina. ‒ Como você fez isso? Você estava

aqui a noite... toda...

Nina interrompeu o cavaleiro: ‒ Ah, você percebeu que só havia

travesseiros na cama? Pois é! Aproveitei que o soldado que cuidava de

mim estava tirando um merecido cochilo e dei uma passada no portal.

Treinei muito esconde-esconde com minha irmã mais nova, sabe? Sou

especialista em me esconder e me mover sem que me notem... Vai ver

é por isso que ela queria que eu sempre contasse...

‒ Cale-se, sua pirralha tola! ‒ Minaco parecia não saber o que

fazer. ‒ Você vai se arrepender do que fez! Vou prendê-la neste lugar

por mil anos! ‒ ameaçou o homem, enlouquecido.

‒ Ah vai, é? ‒ perguntou Nina. ‒ Isso se sobrar alguma pedra deste

lugar, porque eu também abri a porta da sua sala de munições, com

todos os seus raios à disposição do Costa Negra. Quando ele estiver

com todo o seu armamento, acho que vai redecorar toda esta fortaleza,

não acha?

Minaco abaixou a arma, derrotado. Deu meia-volta e saiu correndo

do quarto, despejando ordens para todos os lados. Nina esperou um

pouco e foi andando em direção ao corredor. Sequer foi notada por

todos os que lutavam, tamanho o ataque surpresa que o pirata estava

desferindo sobre a cavalaria da fortaleza. A menina começou a correr,

61


mas parou quando passava por uma janela e viu que os guerreiros nas

muralhas procuravam desesperadamente reverter a situação desfavorável

em que se encontravam.

Com o ataque surpresa de Costa Negra, o forte foi tomado pela

maior confusão que Nina já tinha presenciado. Ela saiu da casa e foi

se esgueirando em meio a uns barris e montes de feno que estavam à

sua frente. Quando viu que era possível, saiu correndo até chegar ao

estábulo. Lá pegou um cavalo que ela havia encilhado de madrugada

e outro para Júnior, que deveria estar esperando perto da mata ao lado

do forte.

Uma grande tropa de guerreiros de Minaco estava saindo da fortaleza

a cavalo para contra-atacar. Nina aproveitou a oportunidade e

infiltrou-se entre os últimos lugares. Quando todos saíram, virou no

sentido contrário e escondeu-se atrás de uma das muitas pedras que

havia ao redor, esperando a tropa afastar-se.

Em seguida, foi correndo com seus cavalos para o local que ela e

Júnior haviam combinado. Se tudo desse certo, lá estariam seus amigos.

Ela cavalgava rápido, olhando em todas as direções.

– Nina! Nina! Aquiiii! – era a voz fina e estridente de Duda. Nina a

reconheceria em qualquer parte do mundo.

Lá estavam ela e Júnior, saindo de perto do mato, balançando

os braços. Ela acelerou o galope até chegar perto deles, desceu do

cavalo e os abraçou. ‒ Por pouco não nos pegaram, Nina! ‒ explicou

Júnior. ‒ Os dois grupos nos viram perto da bananeira. Duda estava

quase louca de fome. Então começamos a correr e, quando estávamos

quase alcançando o portal da fortaleza, você chegou! Foi um senhor

resgate!

Nina caiu na gargalhada, surpresa por poder rir numa situação

daquelas.

‒ Por que você está rindo tanto? ‒ perguntou Duda.

– Nada, baixinha! Vamos, temos que aproveitar a confusão! Temos

que fugir agora! Vamos pelo lado das muralhas, pois assim não vão

nos ver quando entrarmos na mata – ordenou Nina.

62


Júnior subiu no outro cavalo e Duda ficou na garupa de Nina.

– Agarre-se, Duda, porque vamos correr bastante! Eia! – gritou

Nina para o cavalo.

Os três foram em direção à muralha. Outro grupo de soldados de

Minaco, maior que o que Nina havia visto antes, estava saindo do forte

agora. Nina, Duda e Júnior esperaram um pouco e foram atrás deles. Na

praia, parte dos soldados do Capitão Costa Negra havia desembarcado

e estava travando uma batalha campal com os guerreiros do cavaleiro

negro. Os jovens aventureiros apressaram o passo e afastaram-se o

mais rápido possível daquela confusão. Quando olharam para trás,

o forte já começava a ficar envolto pelo nevoeiro novamente. Notaram

que havia um número bem maior de raios e trovões saindo de lá.

Nina se sentiu um pouco triste. Minaco parecia, por um momento,

angustiado com todo aquele sistema que ele comandava. “É possível

que, um dia, ele tenha sido um dos garotos daquela casa maluca em

que conheci Mirabele”, pensou Nina. “Tantas ameaças cercam aquela

gente! É possível que, no começo, eles também tenham sido pegos de

surpresa, como eu fui”, refletiu. “Se a gente não se planeja, surpresas

surgem do nosso ponto cego... Neste mundo em que um monte de coisas

acontece independentemente do nosso controle, a única coisa que a

gente pode fazer é se prevenir e esperar que as providências tomadas

deem conta do recado”.

Agora o trio estava trotando calmamente em direção ao labirinto,

para então se dirigirem, um pouco mais à frente, ao istmo. Quando

chegaram, os garotos aventureiros pararam os cavalos e desceram

dos animais. O mar estava baixo. Sem perderem tempo, Nina, Duda

e Júnior começaram a correr pela estreita faixa de areia da Ponte do

Agora. Nina já se sentia aliviada, vitoriosa, quando ouviu o som de

um tropel dos furiosos guerreiros de Minaco.

Os três quase não podiam acreditar. Minaco e seus guerreiros desceram

de seus cavalos. O cavaleiro negro gritava feito louco:

‒ Nós temos contas a acertar, pirralha! As ameaças nunca acabam!

Nós sempre estamos à espreita! Você não vai fugir desta vez!

Os guerreiros atrás deles já começavam a alcançar a Ponte do Agora.

63


Nina e seus companheiros olharam um para o outro e, sem dizer nada,

continuaram correndo, só pensando no “agora”, naquele momento único

e precioso que tinham. E assim foram adiante, correndo como se não

houvesse amanhã. Quando chegaram à outra margem, olharam para

trás e viram que os guerreiros ainda estavam na metade do trajeto.

Muito cansados da batalha com Costa Negra, não corriam rápido o

suficiente, e Minaco, com sua armadura, mal conseguia andar. Já

se encontravam com a água na cintura e quase não podiam mais se

mexer, quando de repente surgiram duas fortes ondas, uma de cada

lado do istmo, que os derrubaram e engoliram por completo. Eles não

voltaram mais à tona.

‒ É, parece que eles foram pelo ralo, né, Nina? ‒ perguntou Duda.

Os três se olharam, recuperando o fôlego e rindo ao mesmo tempo, se

abraçaram e ajoelharam na areia.

Capítulo XII

A volta

No trecho final da praia, perto da mata, Nina, Duda e Júnior puderam

ver uma grande quantidade de pessoas que vinham em direção

a eles. Começaram a escutar gritos dos Mágicos e Matemágicos da

ilha toda que vinham ao encontro dos três. Quando se encontraram,

todos se abraçaram e gritaram urras. Duda puxou a roupa de Vítor, que

conversava animadamente com Nina: ‒ Ei, Seu Vítor, já tive muitas

aventuras pelo dia de hoje! O que você acha de trazer um carrinho

bem confortável para a sua amiga aqui?

Todos riram muito e pegaram Duda no colo, colocando-a em um dos

carrinhos. Nina e Júnior foram atendidos logo em seguida e levados

até a praça central da Ilha do Meu.

Lá estava toda a comitiva da ilha. Da multidão saíram Helena e

Eduardo, que correram para abraçar suas duas meninas.

– Sejam bem-vindos todos vocês! Não sabemos como demonstrar

nosso orgulho e satisfação! Nina, você é a primeira a retornar desta

parte do desafio! – parabenizou Vitório.

64


– Primeiro, deixe-me abraçá-los! ‒ propôs Vítor, que, para a surpresa

de todos, havia cortado as unhas para esta ocasião especial. ‒ Depois

vocês devem descansar, porque ainda faltam duas etapas a serem

cumpridas, e temos menos de uma semana para reverter a maldição

– explicou o Mágico.

Nina e Duda despediram-se de seus pais e, juntamente com Júnior,

foram comer na cabana de Ísis, que logo olhou para o garoto e perguntou:

– Afinal, rapaz, quem é você? Não é Mágico ou Matemágico, pela

roupa que está vestindo... De onde você veio?

– Meu nome é Júnior ‒ explicou o aventureiro. ‒ Sou auxiliar de

cozinha e li muito sobre vocês em livros de receitas que encontrei em

velhos armários. Descobri o portal que existe na cozinha dos Mágicos e

Matemágicos e não pude conter a vontade de poder estar pessoalmente

com vocês ‒ explicou o bravo rapaz.

– Ele nos ajudou o tempo todo! ‒ interrompeu Nina. ‒ Na Ponte do

Agora, na primeira vez que atravessamos, nós podíamos ter morrido

se ele não tivesse aparecido na hora certa para nos tirar de lá!

– Eu sei disso ‒ respondeu Ísis. ‒ Nós seguimos os seus rastros aqui

na ilha e percebemos que ele é um bom rapaz. Por isso, vamos permitir

que fique com as meninas. Quem pode imaginar o papel que esse rapaz

ainda pode assumir nesta aventura, não é?

‒ Vocês, eu não sei, mas acho que ele podia interpretar o papel de

cozinheiro agora ‒ propôs Duda, e todos riram.

Depois de descansarem e comerem, os três jovens estavam conversando

na varanda da cabana de Ísis. Em certo momento, Nina perguntou:

– A prova do gelo era para contrapor minhas fraquezas, a do raio, para

que eu me planejasse contra as ameaças... O que será a etapa do fogo?

– Nossa, a coisa com fogo... Essa história tá piorando... Estou ficando

com medo – confessou Duda, enquanto comia um pão de queijo feito

por Júnior.

– Quem pode saber? Pelo que vimos até agora, só se conhece a etapa

quando ela é enfrentada... – arriscou Júnior.

O trio continuou conversando e passeando pela praça da aldeia até a

65


hora do jantar. Depois foram dormir. O próximo dia exigiria todas as

forças do grupo. No mar, longe dali, uma luva de metal, negra como

a noite, era jogada na areia pelas ondas.

Capítulo XIII

A hora do fogo

No dia seguinte, quando a noite começava a cair, os habitantes

da ilha deram início à etapa do fogo. Todos se dirigiram ao Farol

Eterno ‒ Nina, Duda e Júnior iam à frente e puderam ver, no extremo

da ilha, em cima da pedra mais alta, que o mar açoitava a grande

construção que se projetava, como um arranha-céu.

Vítor e Vitório estavam ao lado de Nina e deram-lhe um forte abraço.

– Agora, a decisão é toda sua! Pode iniciar a etapa do fogo quando

quiser – falou Vítor, esfregando as pontas dos dedos, sentindo falta

de suas unhas.

Nina, Duda e Júnior estavam no início da praia que ficava logo

abaixo do farol. A aventureira se despediu da irmã mais nova e de seu

companheiro e iniciou sua caminhada. A lua estava cheia e iluminava

toda a extensão que a menina tinha de percorrer. Ela olhou para as

ondas ao seu lado e percebeu que, no momento da arrebentação, elas

brilhavam com uma cor azul intensa, dando um toque mágico àquele

momento. Eram os plânctons que explodiam ao toque agitado das ondas.

Nina sabia que, primeiramente, precisava encontrar o começo da longa

escada que a levaria ao farol. Assim, foi saindo da praia e andando

em meio às pedras e a algumas plantas com folhas espinhentas que

ficavam nas margens do estreito e sinuoso caminho que a aventureira

tinha de percorrer. Em determinado momento, já com o quinto espinho

enfiado na mão, Nina reclamou:

– Aii! De novo! Puxa, agora sei por que dizem que esta etapa é a

do fogo... Que dor!

Pouco adiante, a adolescente viu o que deveria ser o início da escadaria.

De repente, algo inusitado aconteceu: ela estava paralisada,

estática, como que parada no tempo; estava com o pé direito erguido

66


para dar o próximo passo, podia pensar, raciocinar, mas não podia

levantar a mão, não podia mexer o pé, nenhuma parte de seu corpo.

– Pode vir adiante, Nina. Não fique desse jeito, como se estivesse

arrependida... É só ter força de vontade... – falou uma voz de tom

grave. – Aqui você não vai ter que enfrentar ninguém, nem você

mesma... Esta é a etapa do fogo! Por que você está parada, sem fazer

nenhum movimento? ‒ perguntou a voz retumbante.

– E-Eu não sei! Não estava esperando por isso! Não consigo me

mexer! – respondeu Nina em pensamento, pois sequer conseguia

articular as palavras com a boca.

‒ Será que não se acha preparada? ‒ questionou a presença estranha.

‒ Ninguém está totalmente preparado para tudo o tempo todo...

Ainda assim, temos que ir em frente. Lembre-se: a preparação vem

com a ação; essa é uma força que pode movimentar você. Outra força

pode vir de seus objetivos... Por acaso, você já tem algum definido?

‒ Tenho, tenho sim! Quero ser dona do meu destino! – pensou Nina,

ao mesmo tempo que seu pé direito, que estava paralisado, começava

a se mexer. Segundos depois, ela sentiu que podia movimentar seu

corpo todo.

– Oba! Estamos no jogo! Uhuuu! – gritou Nina, dando um pulo e

levantando os braços.

‒ Ah, esse seu objetivo deve estar muito bem resolvido na sua cabeça,

pois você se recuperou muito rápido dos espinhos do tempo ‒ explicou

a voz grave. ‒ Uma pessoa sem objetivos é uma pessoa que está parada

no tempo e no espaço, não se movimenta. Os objetivos são importantíssimos

para o nosso crescimento, tanto quanto o caminho que

percorremos para chegar até eles. O importante é não se preocupar com

a preparação, mas estar no caminho, estar andando, empreendendo e

tentando. Muitas das vezes, o simples ato de estar no caminho acaba se

tornando o nosso maior objetivo. Sendo assim, como você já adiantou,

somente gostaria de ratificar que você já está participando da etapa do

fogo! Você se sente em plenas condições para seguir em frente? Ou

melhor, para cima? A escada do farol a aguarda...

– Sim, estou! – respondeu Nina.

67


Ela não perdeu tempo e começou a subir. A escadaria tinha muitos

degraus; parecia que poderia ir até o infinito. A menina continuou

subindo sem parar, degrau por degrau; por muito tempo, foi subindo, e

subindo, até que, em certo momento, viu ao lado da escada um banco

de pedra e sentou para respirar e se recompor. Respirou profundamente

e pousou o olhar sobre um paredão escuro que estava em frente ao

banco. Nele pôde observar o contorno de uma porta, iluminada com

um fio de luz que dava sinal de que estava aberta. Nina se levantou e

foi andando até chegar perto da entrada. Para sua surpresa, a porta se

abriu e a menina ouviu uma voz suave:

– É você, Nina? Venha, entre! Pelo jeito, além de cansada, você deve

estar com sede...

– Sim, obrigada – Nina respondeu.

Nina entrou em uma sala bem iluminada, decorada com muitas cortinas

coloridas que se movimentavam junto com o vento brando que

circulava. Havia uma mesa com cadeiras, uma jarra de água gelada

e várias taças. Como estava sedenta, a garota sentou-se e serviu-se.

– Você deve estar querendo entender melhor o que vai acontecer

nesta etapa – falou a voz, que parecia vir de todos os cantos da sala.

– Bem, não é nada muito complicado. O problema é que a maioria

das pessoas têm mais facilidade para destacar seus pontos fracos,

medos e tristezas. Sentem-se melhor assim, achando que são vítimas

das outras pessoas e das circunstâncias, que são desprezadas e assim

por diante. Mas esquecem que têm virtudes, talentos e que podem ter

objetivos positivos e desenvolver força de vontade para alcançá-los.

O que você acha que esta etapa pode trazer para o seu crescimento,

Nina? ‒ perguntou a voz.

– Quando realizei a etapa do gelo, tratei de minhas fraquezas. Agora

posso entender melhor sobre o que está falando: só com muito pensamento

positivo e perseverança é que consegui me sobrepor aos meus

próprios temores... Acho que você está falando exatamente do inverso:

você está se referindo às forças, certo? ‒ perguntou Nina.

– Sim, minha cara menina! ‒ respondeu a voz, entusiasmada. ‒ Aqui,

você vai ter que encontrar essas forças para saber usá-las a seu favor...

Você falou que quer ser dona do próprio destino? Então, diga-nos:

68


afinal, qual é esse destino e qual é o ponto de partida para conquistá-lo?

– Falo que é meu destino porque tenho certeza de que não posso

apenas ser o que os outros gostariam que eu fosse; não quero ser a

pessoa que precisa ser bem-sucedida de acordo com o que os outros

acham... ‒ explicou Nina, tentando encontrar a fonte da voz que a

acompanhava. ‒ Quero ter segurança de me sentir uma pessoa plena,

autêntica e forte, porque a vida precisa de gente assim, seja homem,

seja mulher, esteja acima ou abaixo de qualquer camada social, para

merecer a oportunidade de estar neste mundo e construir uma sociedade

mais digna e igualitária para todos. – Nina respirou fundo e continuou

– O que preciso fazer para ser dona do meu destino? Sinto neste exato

momento que, se eu tiver certeza de que isso vai acontecer, já é um

forte sinal de que estou sendo dona do meu destino. De certa forma,

já dei início a essa caminhada! Basta ter coragem e serenidade para

eu entender que não apenas já estou fazendo minha parte, mas que

também já me identifico com o próprio caminho que escolhi seguir.

– Muito bom, é o que todos esperamos de você, Nina ‒ respondeu a

presença. ‒ A partir de agora, você terá que descobrir quais são seus

pontos fortes e fazer deles a sua estratégia para vencer o desafio.

– E por onde começo? – perguntou Nina.

– Primeiro, queremos mostrar uma coisa que aconteceu há muitos

anos e diz respeito a você e ao desafio que está realizando. Queremos

que nos diga se o que você vai vivenciar é uma fraqueza ou um ponto

forte em potencial. Quando chegou aqui na ilha, você atravessou um

corredor cheio de cortinas, lembra-se? Que tal aproveitar as cortinas

que estão aqui nesta sala para ver aonde elas levam você? ‒ propôs a

misteriosa voz.

Nina levantou da cadeira e começou a andar em direção às cortinas.

Quanto mais andava, mais cortinas apareciam e mudavam de cor, até

chegarem aos tons acinzentados e, finalmente, aos tons pretos. Quando

as cortinas acabaram, Nina viu um pequeno corredor escuro e, no fim

do trajeto, uma luz, para a qual a aventureira se direcionou. Quando

chegou, viu que estava dentro de uma grande cozinha, muito diferente

do cômodo que existia em sua casa: era muito grande, bem maior e

estava cheia de cozinheiros e seus ajudantes andando sem parar de

69


um lado para o outro. Entre todos os que estavam ali, destacava-se um

cozinheiro, que parecia o chefe, pelo modo como gritava.

– Vamos, não quero ninguém parado! É a comemoração do solstício

de verão e teremos dez reis e rainhas para servir, fora seus

convidados! Estão achando pouco? Tudo tem que estar perfeito.

Mexam-se! – falou o cozinheiro que estava no comando. Nina viu

algo de familiar no rosto dele. De repente, ele botou os olhos em Nina

e foi andando apressadamente até ela.

– E você? ‒ o cozinheiro perguntou para Nina, olhando do seu lado

e atrás de suas costas. ‒ O quê? Quer dizer que só veio você? Pedi dez

ajudantes! Cadê os outros? – questionou o chefe de cozinha, com ar

incrédulo, olhando para Nina.

– Acho que sou só eu mesmo. Mas posso dar conta do que for preciso,

senhor... Desculpe, meu nome é Nina. Qual é o seu? ‒ perguntou

a garota, estendendo a mão para cumprimentar o chefe.

– Ora, nem isso lhe falaram? É Vítor, o maior Mágico de todos os

tempos. Ha! ha! ha! ‒ respondeu o cozinheiro. ‒ Bem, vamos logo ao

trabalho, Nina. Suas unhas estão meio compridas para o serviço, mas

vai ter que servir. Vamos, tome este avental! ‒ ordenou o Mágico.

– Sim, claro, sr. Vítor! Por onde começo? – falou Nina, sem perder

tempo. Ela logo entendeu que estava em outra época, e o rosto familiar

era do próprio Vítor, só que bem mais jovem. Ela reparou que ele nem

a tinha reconhecido...

– Olhe, fale com Vitório! Ele lhe dará as instruções exatas do que

fazer... – continuou Vítor, segurando Nina pela cabeça e direcionando-a

para Vitório. ‒ Vitório, venha aqui! Vou lhe apresentar a nossa mais

nova ajudante! ‒ chamou Vítor, que batia nas costas de Nina de um

jeito que ela quase caía no chão.

– Olá, muito prazer! Sou Vitório ‒ saudou o Matemágico, que tinha

a mão toda engordurada. ‒ Cuido de todas as questões de cálculos e

logística da cozinha. Além disso, sou o segundo chef no comando! ‒

explicou , cofiando seu bigode desgrenhado, que ficou parado por causa

da gordura em sua mão. ‒ Seja bem-vinda e mãos à obra!

Nina havia passado do estado de confusão para o de alerta total, pois

70


Vítor e Vitório, além de estarem muito jovens, não a tinham reconhecido,

já que só a conheceriam muitos anos depois. Ela recebeu a tarefa

de dar os últimos retoques na prataria e levá-la para o salão com o

carrinho. Ao seu lado, apareceu outro ajudante com um carrinho que

levava as peças mais pesadas.

– Olá, sou Nina! – a aventureira falou para o menino, que tinha cara

de poucos amigos, apesar de ela também ter tido a sensação de que

seu rosto era familiar.

– Humf! – grunhiu o menino, abaixando o rosto e seguindo à frente

de Nina. Ela ficou parada olhando enquanto ele se afastava.

– Não ligue, não ‒ aconselhou Vítor, dando um chacoalhão em Nina,

para animá-la. ‒ Ele é desse jeito com todo mundo; não gosta muito de

fazer amigos – falou o chefe, que passava perto dela no mesmo momento.

– Tudo bem, não tem problema... Mas como o chamo se precisar

dele? – perguntou Nina.

– O nome dele é Minaco! – respondeu Vítor, ao mesmo tempo que

empurrava Nina gentilmente para as suas funções.

Nina ficou sem saber o que fazer. Sim, ela tinha voltado no tempo,

sem dúvida alguma. Mas o que Minaco estava fazendo naquela cozinha,

junto com os Mágicos e os Matemágicos? Será que era o mesmo

que tinha conhecido no Forte das Ameaças? Tudo indicava que sim:

a semelhança era bastante perturbadora; só faltava a cicatriz ao lado

do olho. Ela e Minaco continuaram levando a prataria para a mesa

principal, que ficava em um enorme salão com grandes mesas, cada

uma representando um dos castelos dos dez reis e rainhas que lá se

encontrariam para comemorar a tão esperada noite mágica dedicada

ao solstício de verão. Nina percebeu que Minaco não se misturava com

os outros ajudantes e fazia questão de fazer tudo sozinho.

As mesas ficaram impecáveis. Eles desceram para a cozinha, pois os

convidados já estavam entrando no salão, e, em breve, seriam servidos

os primeiros pratos da ceia. Quando estava chegando à cozinha, Nina

ouviu Vitório perguntar:

– Minaco, você levou tudo? Não se esqueceu de nada? As molheiras

fazem parte dos acompanhamentos dos principais pratos de nossa ceia,

71


e você sabe que todos estão esperando para provar nossos molhos

especiais... ‒ interrogou Vitório.

– Sim, senhor, tudo certo. Não me esqueci de nada, muito menos

das molheiras; já estão na mesa. Cuidei pessoalmente de tudo,

senhor! – respondeu Minaco.

Todos já haviam entrado no salão, com seus belos trajes de reis e

rainhas, duques, duquesas e tudo o que de melhor havia na realeza dos

dez reinos que ali estavam representados. O rei anfitrião recebeu todos

com entusiásticas e simpáticas palavras e foi amplamente aplaudido.

Em seguida, um grupo de dançarinos e dançarinas realizou um número

de belas coreografias; os mágicos também fizeram suas apresentações,

sendo muito aplaudidos por todos os presentes, até que, ao sinal do rei,

soou o gongo, e assim começaram a entrar as dezenas de garçons com

as bandejas repletas de atraentes e aromáticas comidas.

Depois de serem servidas jarras com deliciosos sucos de frutas da

estação, começou a comilança. Uma das mais belas rainhas presentes

foi a primeira a experimentar um dos deliciosos molhos preparados

com tanto esmero. Entretanto, quando abriu a tampa, para seu espanto,

baratas saíram pulando por toda a mesa com as patas cheias de molhos

de todos os tipos. Os gritos de horror fizeram tremer a mesa. Outras

molheiras foram destampadas, despejando ainda mais baratas negras

e asquerosas. A confusão se espalhou para as outras mesas, em todas

as molheiras do salão.

Foi uma correria geral: reis, rainhas, duques, duquesas e baratas

cheias de molhos por todos os lados, escorregando, caindo, gritando,

pulando. Vítor e Vitório vieram socorrer os convidados, mas já não

sabiam mais o que fazer e também corriam para todos os lados, tentando

minimizar de alguma forma a tragédia que estava acontecendo

naquele salão. Nina tentou achar Minaco; tinha certeza de que havia

sido ele o autor da confusão! Olhou para a porta da cozinha, e seu olhar

cruzou com o dele, que virou as costas e saiu correndo em direção aos

fundos. Ele tropeçou e caiu no chão, pôs a mão direita no rosto, levantou

e continuou correndo. Nina foi atrás, mas ele tinha se esgueirado

em meio aos outros ajudantes, sumindo da vista de sua perseguidora.

Nina voltou ao salão e pôde presenciar a cena em que todos se

72


mostraram revoltados, naquela que foi considerada a maior desfeita que

a família dos Mágicos poderia ter feito a todos os reinos lá reunidos.

Naquele mesmo lugar, todos os reis em conjunto decidiram puni-los

severamente pelo desastre, lançando uma maldição: nunca mais seriam

uma única família; deveriam se dividir em Mágicos e Matemágicos

e, mesmo que se passassem séculos, os dois grupos seriam extintos

da face da Terra.

Uma benevolente rainha chamada Sofia, que adorava os Mágicos,

achou a maldição muito severa para ser imposta logo numa noite de

solstício. Assim, propôs uma maneira de quebrar o feitiço: um primogênito

nascido da união entre as famílias de Mágicos e Matemágicos

deveria finalizar o Grande Desafio por ela proposto. Aquele que o cumprisse

por completo estaria preparado para reverter o feitiço maligno.

– Finalmente, o desafiante deverá enfrentar raios, vento, gelo e fogo;

somente assim a maldição será quebrada – determinou então a bondosa

e bela Rainha Sofia.

Logo depois de ouvir a rainha, Nina saiu correndo, pensativa e angustiada,

à procura da entrada mágica na cozinha. Acabou por encontrá-la

e foi percorrendo o longo corredor com suas inúmeras cortinas, até

chegar à saída e estar de volta à escada que levava para o farol.

Naquele momento estava chovendo muito forte. Nina se ajoelhou

na escada pouco iluminada e pensou consigo mesma: “Nina, não é

somente o seu destino que está em jogo, mas o destino de todos! É a

sua obrigação fazer com que a maldição chegue ao fim! Agora, você,

e mais ninguém, pode evitar que ela se confirme”.

A aventureira entendeu que sua história havia se cruzado com o

das duas famílias. Essa era a verdadeira razão pela qual estava no

desafio e, com certeza, o motivo pelo qual havia chegado à Ilha do

Meu. O mais importante, no entanto, é que ela entendeu como chegou

a acontecer a separação entre Mágicos e Matemágicos. Além disso,

sabia que, se as famílias tinham uma fraqueza pelo fato de pensarem

que foi culpa delas, havia chegado o momento de elas saberem que

foram sabotadas maldosamente por Minaco. “O que até hoje foi uma

das maiores fraquezas poderá tornar-se um ponto forte! Assim é a

vida!”, concluiu consigo mesma.

73


Nina se levantou, olhou para o alto da escada e continuou subindo.

Em determinado ponto, a escada ficou muito estreita e rente à rocha;

só era possível passar com as costas junto ao rochedo. De repente,

veio uma forte rajada de vento, que fez com que Nina escorregasse e

fosse jogada com violência contra a ponta do galho de uma árvore que

estava à beira do precipício. A aventureira agarrou-se ao galho como

pôde. Com a chuva a escorrer pelo seu rosto, Nina pôde ver lá embaixo

a forte arrebentação das ondas do mar contra as pedras pontiagudas.

Nina procurou pensar somente no agora, fixar seus pensamentos

naquele momento. Mesmo com o vento e a chuva batendo com força

em seu rosto, a garota procurou se arrastar até o tronco da árvore. Para

seu espanto, viu, momentos mais tarde, em um galho mais acima de

sua posição, um pequeno homem, que lhe perguntou:

– Você está bem? Precisa de ajuda?

O homem parecia ser um senhor de meia-idade, de estatura baixa;

usava fraque e cartola e parecia ser muito educado e simpático.

Agachou-se bem próximo a Nina, aguardando sua resposta.

– Sim, quase caí! Obrigado... – respondeu Nina, tirando fios de cabelo

molhado de seu rosto.

– Meu nome é Hades ‒ apresentou-se. ‒ Vou ajudá-la nesta parte do

seu trajeto. Mas, primeiro, diga-me: agora qual seria um ponto forte?

– perguntou, inclinando-se para segurá-la. – A árvore, minhas mãos

ou qualquer outra coisa que lhe venha à cabeça?

– A árvore me ajuda muito, meu senhor, mas suas mãos são o que

tem de mais forte, sem dúvida nenhuma – respondeu Nina, segurando

uma das mãos de Hades.

Quando Nina estava levando a outra mão às de Hades, elas escorregaram

e a menina só não caiu nas rochas porque havia dois galhos

cruzados bem debaixo dela. Apesar disso, ficou pendurada com as

pernas balançando sobre o precipício.

– E agora, qual acha que é o seu ponto forte? – perguntou de novo

Hades, com uma aparência inocente, agora no galho do qual ela havia

caído.

74


Nina olhou para as rochas, muito abaixo de onde estava. Uma queda

e tudo estaria acabado. Por mais estranho que parecesse, esse era

um momento de muita calma para Nina, pois ela havia obtido uma

revelação: – Nem a árvore, nem suas mãos, meu senhor! ‒ respondeu

Nina. ‒ O ponto mais forte sou eu! – respondeu.

Com uma agilidade que não lhe parecia característica, o senhor

segurou seus braços, levantou-a com segurança até o tronco mais forte

da árvore e falou:

– Nunca se torne vítima das circunstâncias, por pior que elas possam

parecer. Nada do que está à sua volta tem importância: a árvore, o

vento, até minhas próprias mãos. O que importa é sua força interior.

Nunca brinque com essa força ou a ponha à prova sem necessidade;

do contrário, você vai se tornar uma tola. Nunca pense que a força está

nos outros ‒ estes muitas vezes são mais fracos que você, apesar de

aparentarem mais coragem; na verdade, são uns arrogantes. Não deixe

de viver o que deseja de melhor, não duvide da sua força: você a tem,

você está e sempre estará com ela; só precisa encontrá-la e saber usá-la!

O homem misterioso sumiu tão repentinamente como havia aparecido.

Nina já estava em segurança e o vento já não estava tão forte. Ela deu

uma última olhada para o precipício e desceu da árvore. Já em terra

firme, ajoelhou-se, abaixou a cabeça e, ao respirar fundo, sentiu uma

grande paz interior.

Mas ela não podia parar. Olhou para a frente e continuou a subida.

Porém, alguns degraus adiante, a escada repentinamente acabou se

encontrando com uma grande pedra. Nina olhou para cima e para os

lados e percebeu que a escada continuava na parte superior da rocha.

Portanto, se a menina quisesse chegar ao Farol, não havia outra saída

senão começar a escalar o rochedo. A chuva já havia acabado e as nuvens

já deixavam passar um pouco da luz da lua. Bem ao longe, a garota

conseguia distinguir várias luzes que vinham da aldeia próxima à praia.

Nina tentou achar o melhor ângulo para iniciar a escalada. Pé após

pé, foi subindo pela pedra com alguma facilidade, pois havia muitas

plantas, parecidas com pequenas trepadeiras, que a ajudavam a se

apoiar. No entanto, quanto mais subia, mais alta a pedra parecia que

ficava; depois de certo tempo, percebeu que estava acontecendo algo

75


estranho, pois olhou para baixo e parecia que não havia sequer começado

a subir; olhou para cima e ainda faltava a mesma extensão do

paredão para o alto... Foi quando apoiou um pé em falso e escorregou

por alguns metros. Tentou se agarrar ao que pudesse e acabou enrolando

seu corpo nas trepadeiras, batendo a cabeça na rocha e desmaiando.

Quando acordou, além da dor da batida, sentiu que estava totalmente

imóvel ‒ não podia mexer as mãos ou as pernas. Persistiu por um

longo tempo, mas, exausta, acabou fechando os olhos, entrando em

um estado de sonolência.

Sentiu que alguém batia no ombro dela. Hades novamente lhe fazia

companhia.

– Oi, Nina, como está? Sempre nos encontramos em momentos

decisivos, não é mesmo?

– Tem algo errado aqui! Não sei por que não estou conseguindo

chegar lá em cima, e agora não consigo me mexer... Pelo jeito, não

consegui subir nem um metro... – reclamou Nina, já bastante cansada

e desanimada.

– “Não”, “não” e “não”... Você tem outra coisa a dizer além da palavra

“não”? – disse Hades, que, a despeito de Nina estar presa no paredão,

estava muito confortável em pé na rocha.

– Bem, na verdade, é até normal – continuou Hades. – Todos acham

os pontos negativos mais atraentes... As pessoas se apegam a eles

tanto quanto você está presa nessas trepadeiras da rocha. Aliás, essas

danadinhas só conseguem crescer e se desenvolver em lugares em

que não há nenhuma atividade, mais precisamente em pessoas que

param no tempo. Você tem que se desfazer das fraquezas, Nina! Faça

de conta que você pode jogá-las num poço bem fundo e elas não vão

mais atrapalhar seu caminho.

– E como eu posso subir? Como posso chegar ao farol? – perguntou

Nina, esperançosa.

– Você está no lugar certo, sem dúvida alguma; mas tenho que lhe

dizer que, para continuar subindo, você terá que descobrir quais são

seus pontos fortes, e terá que encontrá-los dentro de si! Essa é a única

76


maneira de continuar o caminho – respondeu Hades, fazendo uma

reverência.

– Mas eu nunca pensei nos meus pontos fortes... Por que agora? –

perguntou Nina, revoltada.

– Pense nas coisas que você faz bem! Poucas pessoas param para

pensar nos seus pontos fortes, e há menos ainda daquelas que têm a

chance de melhorá-los! Aproveite esta oportunidade, garota! ‒ incentivou

Hades, ajeitando seu chapéu, desarrumado pelo vento.

A imagem de Hades foi sumindo sem deixar rastros mais uma vez.

Nina continuava presa às trepadeiras.

– Se as trepadeiras que estão me imobilizando representam minhas

fraquezas, que seguram e freiam o fluxo da minha vida, então vou

ter que achar as coisas que sei fazer de melhor – pensou Nina. – Meus

pontos fortes!

Nina olhou para seus pés e começou a pensar que, apesar de tudo,

não estava se sentindo incomodada por ter de realizar mais essa prova

do desafio. Apesar do susto e do incômodo inicial, estava tranquila e

pronta para seguir em frente. Essa era uma postura que nos últimos

dias ela havia aprendido muito bem.

– Sim! Eu faço isso! ‒ descobriu Nina. ‒ Eu me ajusto às situações,

por mais difíceis que possam ser... Isso é, sem dúvida, algo que faço

bem. Portanto, é um ponto forte, pois foi dessa maneira que consegui

suportar e vencer as provas das etapas até agora. Se a gente se ajusta

às situações que tem que enfrentar, pode lutar de igual para igual, e

fica muito mais fácil superá-las.

Logo depois de ter esse pensamento, Nina percebeu que conseguia

mexer de leve os pés e notou que conseguia alcançar um apoio na

pedra. A situação estava melhorando: já não estava presa por completo

e dependente das trepadeiras ‒ ou seriam fraquezas?

Ela olhou para as mãos e começou a tentar soltá-las. No entanto, por

mais que as puxasse, não estava conseguindo. Não desanimou, pois

sabia que, embora a situação estivesse complicada, aquele era mais

um desafio que tinha que enfrentar, e não deixaria que ele a vencesse.

77


Nesse momento, o velho senhor chegou mais uma vez para ajudar:

– Vejo que está indo muito bem, Nina – parabenizou Hades.

– Sim, já encontrei um ponto forte e acho que acabo de achar

outro! – respondeu Nina.

– Olhe, que bom! E qual é? Você pode me dizer? – perguntou Hades.

– É o jogo! Eu gosto dele! Gosto dos desafios, gosto de vencer! –

declarou Nina.

– Então, gosta de competir? É isso? ‒ arriscou Hades.

– Sim, é isso mesmo! – respondeu Nina, triunfante.

Ela então começou a sentir que podia soltar as mãos. Olhou para

Hades e agradeceu. Enfim conseguiu ficar livre das trepadeiras e,

a partir daquele momento, prosseguiu na subida na rocha, focando

apenas aquilo em que nunca havia se concentrado de verdade: seus

pontos fortes.

– Todos deveriam tentar achá-los! Eles são fantásticos! E todos deviam

sempre melhorá-los, mais e mais! – Nina pensou alto.

Logo a aventureira chegou ao topo da grande pedra onde recomeçava

a escada. Foi subindo degrau por degrau e, minutos depois, estava

em frente ao enorme farol. Olhando com mais calma, percebeu que

havia uma porta; dirigiu-se até ela e entrou, dando alguns passos em

direção ao seu interior. A porta fechou com força atrás de Nina; ela

ainda tentou forçar o trinco para abri-la, mas sem dúvida estava muito

bem trancada. A menina começou a sentir que o ambiente dentro do

farol estava ficando quente, evidentemente pelo fato de a prova ser a do

fogo. Andando pelo corredor que se seguia à porta, achou uma escada

de ferro em formato de caracol que levava para a parte de cima da

construção. Vendo que não tinha outra opção, Nina começou a subir.

Quando chegou ao fim da escada, viu um grande candelabro cuja

chama estava se apagando. Tudo ficou escuro, sobrando apenas a fortuita

luz da lua, que teimava em aparecer em meio a pesadas nuvens

deixadas pela tempestade.

– Olá, Nina! Estávamos esperando por você – falou uma voz firme

e serena.

78


– Quem está falando? Você pode aparecer? – perguntou Nina, pois

não podia enxergar nada à sua volta.

– Infelizmente, você não poderá me ver como está acostumada a

ver as outras pessoas, porque não tenho corpo, sou pura energia. Sou

mais conhecido pelo nome de Farus e vou iniciá-la nesta etapa do

desafio. Como você já sabe, na maioria das vezes, as pessoas pensam

demais em coisas que lhes trazem agonia e tristeza ‒ são os pontos

fracos! Neste ponto do teste, nós queremos que você pense e procure

melhorar seus pontos fortes.

– Sim! Gostaria de conhecer todos os meus pontos fortes e melhorá-

-los! – animou-se Nina.

‒ Poucos identificam e desenvolvem aquilo que conseguem fazer

de melhor ‒ continuou Farus. ‒ Não dão a mínima importância para

isso e depois reclamam quando aparece alguém melhor que eles. Se

soubessem que crescer só depende deles, que deveriam dar a devida

atenção ao que fazem com destreza, a vida lhes traria muito mais

recompensas e realizações.

– A Ísis, continuou Farus, falou que esta ilha é como uma porta

aberta para o Universo. Pois bem: você está prestes a passar por esta

porta e entrar em um lugar que só os mais fortes conseguem acessar.

Nina começou a ter uma sensação estranha: uma vibração interna,

parecia como que uma energia que lhe dava uma sensação de segurança

e pleno domínio de sí . Sentiu um calor invadir a parte de cima

de sua cabeça. A aventureira percebeu que estava ficando iluminada

‒ primeiro sua cabeça, passando para o pescoço, para os ombros, até

que todo o seu corpo parecia uma bola de luz.

Ela não conseguia falar; apenas sentir que estava lúcida e tinha a

sensação de que era do tamanho do farol. Não sentia mais seu corpo;

apenas percebia sua mente, que, naquele momento, fazia parte do

universo que se estendia à sua frente. A sensação era a de que seu

corpo havia se transformado em pura energia! Foi quando reencontrou

Farus. Nina agora podia sentir sua presença por completo, o que lhe

permitiu que se comunicasse com aquela presença mentalmente. Nina

sentiu a pergunta de Faros:

79


– Você está sentindo a plenitude de seu ser? Está sentindo que pode

ser do tamanho do Universo? ‒ perguntou Farus, que parecia uma

estrela em expansão.

– Sim, estou sentindo como nunca senti! – respondeu Nina, muito

surpresa, pois sua voz ecoava como se se perdesse no infinito do

Universo.

– Toda a força da chama do farol foi transferida para você, está contigo

agora! ‒ explicou Farus. ‒ Mas você terá que devolvê-la na mesma

intensidade e só conseguirá fazer isso encontrando o máximo de sua

força interior. Diga-me: o que está passando pela sua mente agora?

– Nada, é como se não surgisse pensamento algum ‒ respondeu Nina.

– Então, neste momento, você está sentindo a mais profunda e pura

essência que existe em seu interior. Agora, é o momento de encontrar

seus pontos fortes, para depois prosseguirmos.

Chegaram até Nina as lembranças de muitos momentos positivos e

felizes pelos quais havia passado. Através dessas memórias, começou a

perceber e identificar de que forma tinha chegado até elas: usando ora

a simpatia ou a empatia, ora a perseverança, ora a vontade de que as

coisas se realizassem. O mais importante é que sentia uma segurança

muito grande e uma força maior ainda porque estava vivenciando a

plenitude de seu ser de forma positiva, forte e, assim, teve o mais

intenso contato com a própria coragem de seguir em frente.

‒ A melhor forma de saber quais são nossos pontos fortes ‒ explicou

Farus ‒ é nos lembrarmos das coisas que fazemos melhor. Por meio

desse esforço, podemos encontrar uma habilidade, um talento ou algo

em que somos infalíveis, o que nos possibilitará crescer e melhorar.

Nina continuou nesse estado até encontrar e entender quais eram seus

pontos fortes, entre eles a capacidade de se ajustar às mais diversas

situações e a vontade de competir que tinha descoberto quando estava

presa no paredão. Farus retornou para perto de Nina.

– Nina, agora, precisamos que você passe a energia que está sentindo

para a chama do farol.

Ela se concentrou e começou a transferir a energia que sentia em seu

80


corpo. À medida que a luz saía de si, era transportada para a chama do

farol; em determinado momento, Nina sentiu que era a própria chama.

Quando o processo teve fim, parecia que a luz do farol estava mais

intensa que antes ‒ era o sinal de que a energia positiva de Nina havia

se transportado para a chama do farol. Ela desceu, respirou fundo,

muito fundo. O farol estava iluminado, e Farus não estava mais ali.

Nina desceu as escadas e foi ao encontro de Duda e Júnior.

Capítulo XIV

O vento não é brando

Nina havia terminado a terceira etapa e acabara de chegar até o ponto

de partida no outro lado da Praia do Farol. Estava amanhecendo; Duda

e Júnior estavam dormindo ao redor de uma fogueira. A adolescente

acordou Duda e a abraçou. Logo apareceram Vítor e Vitório, que

acompanharam o trio para a cabana principal da aldeia.

– Você passou por todas as etapas de que participou, Nina! Agora,

falta a última: a prova do vento – explicou Vitório.

– Nesta etapa, você vai ter que enfrentar os ventos da Gruta Encantada,

que fica no outro lado da ilha, onde está a aldeia dos Mágicos – completou

Vítor.

Nina, Duda e Júnior foram comer e descansar para reabilitarem suas

forças. No horizonte, viram que raios e trovões haviam se intensificado,

fenômeno que, para muitos, era sinal de que a maldição estava

para se realizar em breve. Sem dúvida, aquela última etapa teria de

ser realizada com a máxima urgência!

– Como será esta última prova, a do vento? Estou curiosa... E essa tal

de gruta, como será que é? – perguntou Nina, olhando para o horizonte

e envolvendo o corpo com os braços.

– É a Gruta Encantada ‒ explicou Júnior. ‒ Assim a chamam porque

já foi cenário de diversos milagres... Mas nunca ninguém conseguiu

passar da primeira grande pedra, que está um pouco depois da entrada.

– Mas, se está fechada, trancada por uma rocha enorme, como

vamos entrar? Er... Como a Nina vai poder entrar? – completou Duda,

coçando a cabeça.

81


– Esse é o grande mistério, talvez o mais difícil de ultrapassar de

todas as provas – arriscou Júnior.

Todos estavam cansados e foram dormir. Na manhã seguinte, todos

os Mágicos e Matemágicos foram acompanhar o trio até o começo da

trilha que leva para a gruta.

– É aqui o início da trilha que os levará até a gruta. Duda e Júnior

podem acompanhar você até chegar ao seu destino – explicou Vitório.

Os três começaram a caminhada. Levavam água e comida, pois

a trilha era longa. Passaram por túneis e mais túneis de vegetação

que encobriam a trilha até chegarem ao pé de um grande morro, que

não tinha árvores e estava forrado de capim. Sem perderem tempo,

os jovens começaram a escalada. Eles já haviam subido alguns bons

metros quando Duda, que estava na frente, falou:

– Ufa! Não aguentava mais andar naquela trilha! Até que enfim

temos só capim... É ótimo se agarrar nele. De repente, Duda deu uma

leve escorregada, o que a obrigou a se segurar com mais força.

– Sim, mas cuidado, porque, pelo jeito, este morro faz jus ao seu

nome – preveniu Júnior, também se agarrando a um chumaço de capim.

– Qual nome? – perguntou Nina.

– Morro do Sabão – respondeu Júnior.

– Hã?! Seguuuraaa – gritou Duda, que passou a descer rapidamente

quando seus pés não conseguiram mais apoio. Ela escorregou, levando

primeiro Nina; em seguida, as duas levaram Júnior de volta até o pé

do morro. Os três estavam embolados e riram muito antes de ficarem

de pé novamente.

– O problema vai ser subir... Quando a gente for descer do outro lado,

eu vou primeiro! He, he he – brincou Duda.

– Bem, vamos com calma, então – aconselhou Nina.

Os três iniciaram a subida com mais cuidado e, depois de muito

esforço e mais alguns escorregões, conseguiram chegar ao topo. De

cima do morro podiam ver uma grande parte da ilha e suas lindas

praias. Nina abriu os braços, fechou os olhos e falou:

82


– Sintam só o vento!!! Que delícia... Bem que a prova do vento podia

ser assim...

– Ei! Eu já estou fazendo a prova! Uhuu! – falou Duda.

A descida, ao contrário do que Duda imaginava, foi mais problemática,

porque o morro era muito alto. Quando Nina e Júnior, de brincadeira,

disseram para Duda descer antes deles, a menina saiu correndo. Com

cuidado, conseguiram chegar à base do morro e continuar a trilha.

Logo estavam na praia que os levaria até a gruta.

Quando chegaram à formação rochosa, impressionaram-se com sua

imponência: a Gruta Encantada inspirava respeito e admiração. A maré

estava baixa e o acesso era muito fácil. Caminharam rapidamente; caso

contrário, teriam de nadar até a entrada, o que seria muito perigoso,

em virtude da arrebentação das ondas.

Nina foi andando em direção à entrada, sendo seguida por seus companheiros,

chegando até a grande rocha que bloqueava a passagem para

o interior da gruta. Tocou na rocha, para se certificar da existência de

algum dispositivo que pudesse ser movido, mas não encontrou nada.

Duda chegou perto e também ficou procurando.

Júnior foi tentando pelo lado direito da grande rocha. De repente, para

espanto das duas, o menino foi engolido por um grande buraco que se

abriu e logo se fechou. Júnior sumiu como num passe de mágica. Elas

foram imediatamente aonde ele estava para ver o que havia acontecido.

Mas as duas também foram engolidas pela mesma passagem. Os três

foram literalmente tragados e agora deslizavam por um estreito túnel

escavado pela água do mar, sem terem como parar. Em breves segundos,

o túnel acabou e eles caíram em cima de algo que amorteceu sua queda.

– Nossa! Ainda bem que este capim aparou nossa queda... Ei, isto

aqui não é capim! – falou Júnior.

– Cadê? Onde? Como chegamos aqui?! ‒ perguntou Duda, perdida.

‒ Isso mesmo! Não parece capim, tem um cheiro forte...

– falou Duda, tampando o nariz.

Mal se recompuseram da queda e escutaram fortes rugidos que

fizeram todos tremer. Duda abraçou Nina, que abraçou Júnior. O som

selvagem estava cada vez mais perto e parecia de tigres ou leões. O

83


trio não conseguia diferenciar; apenas sabia que os rugidos vinham de

trás de umas caixas de madeira que estavam à sua frente. Não tinham

para onde correr; só podiam esperar.

De repente, sentiram uns estalos fortíssimos passando por cima da

cabeça.

– Mãe! – gritou Duda, assustada.

Os três se abaixaram. Alguém estava usando um chicote contra o

que quer que seja que estivesse rugindo. Não demorou muito, e logo

escutaram uma voz rouca e forte falando:

– Quem está aí? Vamos, apareçam antes que eu os jogue na jaula

dos leões! ‒ ameaçou a voz.

– Vamos aparecer, senhor! Nós não queremos fazer mal a ninguém

– explicou Júnior.

– Não sabemos como viemos parar aqui – falou Nina.

Eles se levantaram e puderam ver a figura de um senhor alto e forte,

vestido com calça preta e um paletó vermelho com detalhes em dourado,

cartola, gravata-borboleta, bigode e um enorme chicote.

– Então, por que vocês se arriscaram a entrar em nosso paraíso? ‒

perguntou o domador.

– Sou Nina, vim cumprir a etapa do vento que faz parte do Grande

Desafio.

– O quê? ‒ perguntou surpreso o domador, olhando de um lado para

o outro, como se tivesse amigos incrédulos ao seu lado. ‒ Você é a

Nina? Ha, ha, ha, ha! Então, vocês são meus convidados! Já os estava

esperando! Só não pensei que vocês iriam aparecer logo aqui!

– Como assim “aqui”? Em cima deste capim seco? – perguntou

Duda, ainda atrás das pernas de Nina.

– Capim? Ha, ha, ha! Antes fosse... ‒ explicou o senhor. ‒ É cocô

de elefante! A gente deixa secar e depois recicla, para usar em nossa

horta – explicou.

– Nossa, gente, vamos sair daqui, rápido! – falou Duda, parecendo

que ia passar mal.

84


Os três saltaram, ficando em pé e saindo bem rápido daquele “capim

estranho”.

– Venham aqui, para eu poder vê-los melhor. Ha, ha, ha! ‒ convidou

o homem. ‒ Chamo-me Júpiter, ao seu dispor – disse o senhor, fazendo

uma reverência com a cabeça.

Eles se aproximaram e viram que, logo à frente, havia um grande

palco com cortinas vermelhas que chegavam até o teto.

– O senhor sabe se é aqui que devo realizar a etapa do vento? – perguntou

Nina, duvidando que houvesse chegado ao lugar certo.

– Ora, se é! Claro que sim! Venham, tenho a grande honra de lhes

mostrar o Grande Circo do... Veeeentoooo! – Nesse momento, Júpiter

abriu a cortina com um forte puxão, apresentando a Nina e Duda o

interior de um grande e belo circo, todo iluminado, colorido, com

cavalos, elefantes, malabaristas e palhaços.

– Circo do quê? Vento? Que vento? – perguntou Duda.

– Minhas lindas donzelas ‒ e nobre cavalheiro ‒, apresento-lhes o

Grande Circo do Vento e das Oportunidades!

– Como assim “oportunidades”? O vento tem algo em comum com

elas? – perguntou Nina.

– Ora, por quê? ‒ perguntou Júpiter, soltando uma risada

alta. ‒ Façamos uma coisa: vamos todos levantar os braços. ‒ Todos

lhe obedeceram. ‒ Agora, abram as mãos e me digam o que sentem

passar pelos dedos?

– Vento, muito vento! – falou Duda, rindo com a sensação de cócegas.

– Correto! ‒ respondeu o dono do circo. ‒ Assim como o vento

passa pelo meio de seus dedos sem vocês poderem agarrar, assim

também passam as oportunidades que a vida lhes proporciona!

Imaginem agora quantas oportunidades estão passando por entre

seus dedos – ordenou Júpiter.

– Nossa, é mesmo! São muitas, e não consigo agarrar nenhuma! –

falou Duda, indignada.

– De agora em diante, não adianta mais vocês falarem que esta ou

85


aquela pessoa tem mais sorte nisso ou naquilo, porque, na verdade,

somos nós que não aproveitamos as oportunidades que a vida nos

proporciona – explicou Júpiter.

‒ Como você já pode ter percebido ‒ disse Júpiter a Nina ‒, esta

etapa se refere às oportunidades que existem ao nosso redor. É necessário

identificá-las para usá-las a nosso favor. As oportunidades não

são criadas por nós ‒ elas estão à nossa volta e só nos pertencem se

as identificarmos e soubermos agarrá-las ‒ aconselhou o domador de

animais.

– Nossa! É por isso que eu não tenho nenhuma oportunidade. Ha,

ha, ha! Está tudo escapando pelos meus dedos! – confessou Duda.

– Claro que tem – corrigiu Júpiter. – Por exemplo: olhe para aquele

lado e repare naquele pônei branco com sela vermelha. Pode ser seu,

se souber cavalgá-lo. Que tal? É ou não é uma boa oportunidade que

surgiu para você?

– Sério?! – perguntou Duda, enlouquecida. – Então, vou lá ver se

ele quer ser meu amigo...

Foi correndo até o animal. Um palhaço que passava por perto a

ajudou a subir no pônei e ela deu um grande sorriso.

Júpiter fez um sinal para que Nina e Júnior o acompanhassem. Em

volta deles, muitos artistas treinavam suas apresentações ‒ trapezistas,

equilibristas, contorcionistas...

– Júpiter, você pode nos dizer por que, apesar de fazerem um espetáculo

tão lindo, vocês ficam aqui na gruta? – perguntou Júnior.

– É uma longa história, mas, resumindo: depois que foi declarada

a maldição aos Mágicos, nosso picadeiro perdeu o encanto e a beleza

que a magia proporcionava. Todos os circos sempre tiveram mágicos, e

todos os mágicos já passaram por eles... Como nós, do Circo do Vento,

éramos muito próximos, decidimos ficar aqui até que pudéssemos ver

a maldição ser quebrada e voltar a conviver com os demais habitantes

da ilha... ‒ explicou Júpiter, entristecido.

O líder do circo os levou para conhecer os artistas do picadeiro. Muitos

deles faziam apresentações maravilhosas: havia o equilibrista andando

86


sobre a corda, os trapezistas, moças fazendo contorcionismos e tudo o

mais que um circo podia oferecer de maravilhoso para o público que

adora um bom espetáculo. Por todo o trajeto, Júpiter olhava para Nina,

como que para demonstrar a esperança que ele depositava na menina.

Mais tarde, Júpiter os levou até o início de outra gruta, cuja entrada

estava fechada por cortinas vermelhas e era ladeada por tigres e leões

perfilados, formando um corredor.

– Nina, aqui você começa a sua prova – apontou Júpiter para a

entrada. – Você vai entrar nessa gruta e só sairá se souber identificar

as oportunidades que lhe forem apresentadas; caso contrário, você

ficará como que flutuando no ar, enquanto as chances passam à sua

volta pelo resto da eternidade.

Nina começou a andar em direção à entrada da gruta, percorrendo

o corredor de leões e tigres enfileirados. Dentro da gruta estava muito

escuro, o que não desencorajou a garota a continuar. Caminhando

devagar, com os braços erguidos à sua frente, pois não conseguia

enxergar, foi atingida de repente por uma forte rajada de vento, que a

jogou ao chão. Tentou se segurar, mas o chão estava molhado e liso

como sabão. Então começou a ser arrastada com força, pois ela não

tinha onde se segurar enquanto escorregava e rodopiava sem parar.

Conseguiu se estabilizar um pouco adiante e viu uma luz que começou

a aumentar de tamanho. Para seu espanto, Nina viu que desembocava

no enorme precipício no qual iria cair. Em certo momento, começou a

abrir um pouco os braços e sentiu que a velocidade da queda diminuía;

percebendo esse efeito, abriu-os totalmente e sentiu que podia flutuar;

parecia que estava em um sonho.

– Estou flutuando, voando! Não acredito, que bom, que sensação

boa! – falou Nina, que agora podia fazer piruetas, deslizar, dar saltos

mortais. – Que lugar maravillhooooosssooo!

Ela continuou voando até notar, logo abaixo no precipício, uma cidade.

A paisagem lhe era familiar... Sim! Ela sabia para onde estava indo:

era o bairro em que morava. O cenário lhe pareceu estranho, quando,

um pouco à frente, avistou o que parecia ser sua casa. Não aguentou

de curiosidade e dirigiu-se até lá para conferir.

87


Ao chegar, entrou pela janela e viu sua mãe e seu pai no quarto

conversando.

– Oi, estou aqui! Que bom ver vocês! – falou Nina. Mas seus pais

não deram sinal de que a tinham visto ou percebido. Depois de mais

algumas tentativas de falar com eles, Nina desistiu, pois entendeu que

não a escutavam nem a viam. Ela percebeu que estavam conversando

entre eles e começou a prestar atenção no que Helena estava falando.

– Nina está se esforçando, já percebi isso... Está estudando como

nunca e está indo muito bem na escola.

– Sim, ela está gostando mesmo! Que bom que está aproveitando;

o benefício é dela, mas também deixa a gente muito, muito feliz,

mesmo – comentou Eduardo.

Nina achou a conversa um pouco chata e foi tentar achar Duda, para

ver se podia falar com ela. Saiu do quarto e foi para o corredor, mas,

de repente, todo o ambiente ficou escuro. Quando a luz voltou, estava

no quarto de novo e viu seus pais começando a mesma conversa:

– Nina está se esforçando como...

– Voltei! ‒ constatou Nina. ‒ Não acredito! É a mesma coisa que

eu já havia visto antes... Só posso estar maluca – falou Nina. Saiu

novamente do quarto para o corredor escuro, para de novo voltar

para dentro dele e ver se repetir a mesma cena. Ela não entendeu o

que estava acontecendo e o que estava fazendo lá... Até escutar uma

voz falando com ela:

– Olá, Nina! Eu sou Éolo, e meu papel é conduzi-la na identificação

das oportunidades que se apresentam em sua vida. Em contrapartida,

você não poderá sair daqui caso não consiga identificá-las.

Nina fechou os olhos e se concentrou. Sim, estava na Prova das

Oportunidades, e era para isso que ela havia ido para aquele lugar. Não

tinha vindo para voar ou ver cenas de sua família, mas para identificar

as oportunidades que a vida lhe proporcionava. Foi isso que Júpiter

falou antes de ela entrar.

A jovem viu a cena mais uma vez, pensou em tudo o que havia

escutado da conversa de seus pais e falou:

88


– Que oportunidade eu tenho, então? Tenho a oportunidade de

estudar? Sim! Meus pais não só me acolhem com carinho e amor, mas

também tratam de me orientar na vida, proporcionando a oportunidade

de eu ir à escola, ter uma boa alimentação e saúde... – concluiu Nina.

– Sim, essa é uma boa oportunidade! – parabenizou Éolo. – E o que

você aproveita disso que seus pais lhe proporcionam?

– Não sei... Parecia tão natural, tão automático, como se fosse um

dever deles e como se eu tivesse apenas que obedecer, como se fosse

uma obrigação para deixá-los felizes ‒ respondeu Nina, envergonhada

de seus antigos pensamentos.

– Essa é uma das oportunidades que a vida lhe apresentou ‒ explicou

Éolo, que se vestia como um mensageiro antigo. ‒ Você está crescendo,

e este é o momento exato de obter conhecimento e crescer forte, com

saúde, carinho e amor. Aproveite! Não deixe que essa oportunidade passe

pelos seus dedos como o vento! Tire proveito de tudo o que lhe é dado,

pois isso se reverterá de forma positiva para você, para a sua formação

e, é claro, para os seus pais, que querem o seu melhor – incentivou o

instrutor.

‒ Esse é o tipo de oportunidade que menos costumamos perceber

em nossa vida ‒ continuou o guia de Nina. ‒ Às vezes, tudo parece

chato e enfadonho em nosso lar; porém, sempre há alguém fazendo

de tudo para que possamos ter tranquilidade e sucesso. ‒ Percebendo

os pensamentos de Nina, Éolo perguntou: ‒ Você queria ver sua irmã?

Pode ir, Nina. Ela está no quarto dela!

Nina foi se dirigindo para quarto de Duda: lá estava ela brincando

com as bonecas e falando com elas.

– Sim, viu? Você se comportou muito mal! Você não escutou o que

a Nina falou, ora! Ela é muito legal e sempre tem razão, ouviu? – falou

Duda.

Nina riu, ao mesmo tempo que começou a chorar.

– O que está percebendo, Nina? – perguntou Éolo.

– O carinho, a amizade, o respeito e o amor que tenho da minha

irmã... Nunca pensei que era tanto... ‒ Nina não conseguia continuar.

89


– E qual é a oportunidade que você vê neste momento? ‒ questionou

o guia.

– A de manter uma pessoa que me ama muito perto de mim... Apesar

de não ter percebido, ela sente orgulho de ter a mim por perto, ela me

dá valor. Ver esse tipo de entrega me engrandece como pessoa... ‒

respondeu Nina, enxugando as lágrimas.

– Bem, agora, fique à vontade para constatar as demais oportunidades

que a vida deu a você ‒ convidou Éolo, soprando um vento forte

que conduziu Nina.

A aventureira então foi para seu próprio quarto e se viu brincando

com um quebra-cabeça do formato de uma casa. Ela viu como estava

compenetrada, como ajustava as peças, refazia, alterava as cores; se não

estava como queria, não havia problema ‒ refazia até ficar do jeito ideal.

– Você sabe o que é isso? ‒ perguntou Éolo, que agora estava ao

seu lado. ‒ Isso é um talento que você tem: é organizada e persistente...

– comentou o guia.

– Como assim? – perguntou Nina.

– Os talentos que você tem também fazem parte das oportunidades

que a vida lhe oferece. Se você souber usá-los e desenvolvê-los, eles

se tornarão pontos fortes ‒ respondeu Éolo.

Nina saiu de sua casa e foi até a escola, onde viu uma cena dela junto

com seus colegas na sala de aula: ela estava recebendo as últimas notas

que faltavam para saber se passara de ano. Ela viu a felicidade que

havia em seu rosto e recordou o momento com muito orgulho.

– Sabe o que você fez durante este ano todo? Você transformou um

momento de crise, que foi a reprovação do ano letivo anterior, em uma

oportunidade: colocou em prática sua força de superação e conseguiu

se refazer, passando em todas as matérias de modo exemplar. Você

não se deixou abater e fez da derrota uma oportunidade para se tornar

uma aluna melhor – comentou Éolo.

– É! Pelo visto, estamos cheios de oportunidades à nossa volta; não

importa se parecem pequenas, basta acreditar nelas – respondeu Nina.

Éolo olhou satisfeito para Nina e se despediu. A aventureira começou

90


a sentir que estava sendo puxada para cima, levada para outro lugar.

Talvez já tivesse cumprido a etapa... O que aconteceu é que, sem mais

nem menos, entrou em um sono profundo. Quando abriu os olhos,

novamente Júnior e Duda estavam em volta dela. O garoto a ajudou

a se levantar.

– Você está bem? Como foi lá, Nina? – perguntou Duda, em cima

do pônei de Júpiter.

– Foi tudo bem! Venha aqui, Duda, me dê um abraço, que estou

precisando! – pediu Nina.

– Pelo jeito, você aproveitou a oportunidade como ninguém. Ha, ha,

ha! – comentou Júpiter. – Mas agora não é momento para comemorações,

porque já sabemos que o tempo está se esgotando e que os Raios

da Maldição já estão chegando muito perto da aldeia.

– Vamos, então, o mais rápido possível! – propôs Júnior. – Já sabemos

o caminho de volta!

– Sim, mas, se forem pela trilha, vão perder muito tempo. Vocês

voltarão em nosso barco e chegarão mais rápido! ‒ sugeriu Júpiter.

– Duda, despeça-se do seu pônei, que vamos zarpar – pediu Nina.

– Puxa, que pena... Gostei tanto dele, gostaria que fosse comigo –

lamentou-se Duda, riscando o chão com o pé, de cabeça baixa.

– Ele pode ir! – falou Júpiter. – Aliás, reservamos mais dois lindos

cavalos para vocês, pois vão precisar para chegarem mais rápido à aldeia.

– Então, vamos! Muito obrigado, Júpiter! – disse Júnior.

Enquanto o garoto ajudava a embarcar os cavalos e o pônei de Duda,

Nina e Júpiter ficaram conversando ‒ o líder do circo arrumando seu

bigode e escutando. Os dois se despediram com um abraço, e Nina

subiu no barco que os levou para a aldeia do Farol.

91


Capítulo XV

Revendo o Quadrante do Desafio

O retorno do trio foi tranquilo. Alguns golfinhos amestrados do circo

os acompanharam durante a viagem. Assim que aportaram na praia,

os companheiros desceram do barco, subiram nos cavalos e foram

correndo até a aldeia.

Estavam todos reunidos na praça central, porém muito apreensivos.

Deram boas-vindas para os três, mas não havia nenhuma comemoração

pelo fim do desafio ‒ estavam todos muito assustados com os raios

que estouravam muito perto da praia, forçando-os a entrar na grande

cabana da praça central.

– Primeiramente, deixe-me dar um abraço em você, Nina! ‒ pediu

Vítor, dando um abraço meio de lado na aventureira. ‒ Você foi a

primeira e única que conseguiu cumprir o desafio, até parece que já

estava escrito. Agora, não sabemos o que está acontecendo, parece que

o mundo vai acabar... Estivemos observando o lado da ilha em que você

fez a prova do gelo e das ameaças. Aumentou o nevoeiro que lá estava,

sem falar na quantidade de raios e trovões... ‒ relatou Vítor, querendo

ter suas unhas de volta para coçar a cabeça, de tão nervoso que estava.

– Também quero abraçar você, Nina! ‒ afirmou Vitório, tirando

Nina do braço de Vítor. ‒ Muito obrigado em nome de todos os que

vivem aqui! ‒ O Matemágico ficou calado por alguns instantes, como

que tentando achar as palavras adequadas para o momento, mas só

conseguiu falar o que sentia: ‒ Entretanto, chego à conclusão de que

completar o desafio não foi o suficiente. Parece que foi muito tarde...

A maldição vai se cumprir de um jeito ou de outro... – lamentou.

Todos os Mágicos e Matemágicos estavam muito preocupados e nervosos,

sem saber direito o que poderia acontecer com eles. Nina, que

teve oportunidade de viver nos últimos dias experiências que muitos

levavam toda uma vida para vivenciar, começou a falar:

– Aprendi muito realizando as etapas do Grande Desafio. Tudo pelo

que passei foi muito valioso para mim. Agora podemos ajudar nossas

famílias; Júnior, Duda e eu acreditamos que temos a solução para o

que está acontecendo! Só preciso que nos esperem até a noite para

falarmos sobre nosso plano de defesa contra os raios!

92


Todos os habitantes da Ilha do Meu se olharam. Nina transmitia

uma confiança que não podia ser ignorada. Ela podia ter se negado a

ajudar, alegando que nada daquilo era problema dela. No entanto, ela

se arriscou, se feriu, se abriu para tudo o que o desafio tinha de bom

e ruim. Ela merecia o voto de confiança daquelas pessoas.

– Sim, é claro. Acreditamos em você, Nina. Vá em frente, aguardamos

até a noite; também vamos aproveitar e reunir o conselho para decidirmos

o que podemos fazer de melhor para ajudar – concordou Vitório.

Nina, Duda e Júnior pegaram seus cavalos e saíram em disparada

para a Ponte do Agora. Lá chegando, atravessaram-na sem problemas;

correram pela praia até um lugar seguro e logo entraram na mata.

A movimentação estava intensa, em razão da presença de inúmeros

guerreiros que tinham vindo de vários cantos da ilha. Contudo, o trio

conseguiu chegar ao labirinto pela parte de trás, contornando-o em

seguida. Do alto do morro, puderam ver a Fortaleza das Ameaças por

dentro.

– Olhem, os navios do Capitão Costa Negra estão ancorados bem

em frente ao forte! Será que foram rendidos por Minaco? – perguntou

Júnior.

– Não, acho que não... Olha lá, perto da casa principal do forte:

Minaco está conversando com o pirata! Os dois estão dando até gargalhadas...

– falou Nina, indignada e surpresa. – Devem estar tramando

alguma maldade, para variar.

– Mas eles não se odiavam? Credo! Nunca vi uma coisa dessas... –

comentou Duda.

– Para manter o poder em suas mãos, esses dois fazem qualquer

coisa, até aliar-se um com o outro, se for o caso ‒ refletiu Nina.

‒ Com certeza estão tramando um ataque contra os Mágicos e os

Matemágicos! Pelo jeito, são eles que vão fazer com que a maldição

se realize, o que significa conquistar toda a ilha! O que podemos fazer

para detê-los? – perguntou Nina.

– Talvez exista uma forma de nos prepararmos para detê-los, mas

vou ter que providenciar algumas coisas, falar com algumas pessoas...

Vamos, antes que nos vejam! – falou Júnior.

93


Os três voltaram para a aldeia. Durante o retorno, Nina e Júnior foram

à cabana de Ísis e pegaram emprestado o mapa do Grande Desafio.

O trio combinou uma estratégia para conseguir derrotar as ameaças.

Tudo dependia agora da ajuda de Júnior. O dia já estava terminando

quando chegaram, e o conselho de Mágicos e os Matemágicos estava

reunido na cabana principal. Vítor e Vitório estavam sentados em suas

cadeiras, como sempre, um sem olhar para o outro.

– Oh! Aí estão vocês! O que viram na sua investigação? Será que

teremos chance de fazer algo para evitar uma catástrofe maior? – perguntou

Vitório.

– Sim, podemos fazer muita coisa! Observem! – ordenou Nina.

Com a ajuda de Duda e Júnior, Nina estendeu na parede da grande

cabana a manta que continha o mapa do Grande Desafio. Depois disso,

Júnior saiu sem ninguém notar. A missão dele era trazer uma relíquia

muito preciosa para os Mágicos e os Matemágicos, mas ele também

tinha algo mais em mente: buscaria uma pessoa que nem Nina estava

aguardando, mas que seria muito importante para ajudá-los a alcançar

seu objetivo.

– Este é o desafio que acabei de finalizar – demonstrou Nina, apontando

para o mapa do Grande Desafio. –Vou escrever o que significa

cada uma das quatro figuras das etapas, pois cada um desses elementos

representa um fator muito importante para conhecermos determinado

cenário e o que estamos vivendo em determinado momento. O gelo

representa nossas fraquezas: só poderemos nos tornar verdadeiramente

fortes quando as reconhecermos.

– Sim! Nós sabemos que temos fraquezas... Mas quem tem coragem

de enfrentá-las? – perguntou Vítor, que roía as poucas unhas que tinha.

Todos os componentes do conselho se olharam e concordaram,

começando um pequeno falatório que logo foi interrompido por Nina:

– Escutem!!! O desafio me mostrou muitas coisas positivas, e uma

delas é fazer este exercício para poder enfrentar as adversidades da

vida. Nós temos um problema que assola nossas famílias há séculos,

um problema muito mais forte que a própria maldição que lançaram

contra nós.

94


– Ora, Nina, de que adianta ficar se lamentando por um desastre que

aconteceu há tantos anos? – perguntou Vitório.

– Porque a desunião tornou-se um ponto fraco, que vai ser explorado

pela maior ameaça que temos no momento: os raios representam essa

ameaça, e o objetivo deles é tomar a ilha por completo – revelou Nina.

– E o que podemos fazer para evitar o fim? – perguntou Ísis.

– A separação das famílias é um ponto fraco e foi causada por um

incidente que eu pude vivenciar enquanto estava em uma das etapas do

desafio – explicou Nina. – Eu estava na cozinha e no salão da grande

festa que foi realizada para os dez reinos, em homenagem ao solstício

de verão, muito tempo atrás.

– O quê?! Você esteve lá?! – perguntaram Vitório e Vítor ao mesmo

tempo.

– Eu vi vocês, muito jovens e bonitos – os dois sorriram acariciando

suas longas barbas –, comandando a cozinha e o salão de festas.

Também vi o desastre que aconteceu, com as baratas invadindo todas as

mesas. – Vítor e Vitório colocaram as mãos sobre o rosto, aparentando

o sofrimento que a menção a esse fato lhes trazia. – Mas também pude

ver quem causou tudo isso!

Vitório e Vitor se viraram e ficaram frente a frente, olhando um

para o outro de braços cruzados e com cara de zangado. Pelo jeito, até

aquele momento, um colocava a culpa no outro.

– Agora ‒ continuou Nina ‒ vou escrever no mapa o que seria uma de

nossas principais fraquezas diante de tudo o que está nos acontecendo.

Nina então escreveu no quadrante do gelo: “Desunião dos Mágicos

e Matemágicos”.

– A culpa desse infortúnio não é nem dos Mágicos nem dos

Matemágicos! – revelou Nina. – Não houve descuido na cozinha ou

em qualquer outra parte da equipe dos cozinheiros. O que aconteceu

foi que, uma pessoa muito maldosa causou tudo isso.

– O quê? Mas isso é muito grave, gravíssimo! Quem foi?! – falaram

Vitório e Vítor novamente ao mesmo tempo, olhando inquisitivamente

para Nina.

95


– O responsável pela sabotagem foi um ajudante de vocês,

Minaco! ‒ relatou Nina.

– Minaco! Ele cuidava da reposição dos molhos e era o responsável

por levá-los à mesa... – lembrou-se Vítor.

– Sim, isso mesmo! Eu não sei qual foi a razão que o moveu, mas

foi ele quem colocou as baratas nas molheiras, uma a uma depositadas

sobre as mesas. É claro que ninguém podia imaginar que ele pudesse

fazer aquilo. Tentei ir atrás dele para saber o que havia acontecido,

mas não consegui achá-lo... – explicou Nina.

– Mas não é possível... Foi ele, então... Aquele menino, por que será?

O que nós fizemos de tão terrível para ele? – perguntou Vitório.

– Não sei quais são as razões dele ‒ respondeu Nina ‒, mas também

descobri que a Etapa dos Raios diz respeito às ameaças que pairam sobre

o mundo e que podem nos atingir indiscriminadamente. O nevoeiro

que nós vimos do outro lado da ilha, na verdade, esconde um grande

forte de pedra que atira com seus canhões em todas as direções. Esses

são os raios que vimos daqui – completou.

– Então, são esses raios que vão nos atingir? – perguntou Vítor,

instintivamente olhando para o teto da cabana.

– Sim, sem dúvida! Quem me contou isso foi o líder da fortaleza em

pessoa. Para piorar a situação, essa figura agora está aliada a um pirata

que tem vários navios prontos para nos atacar. Conseguem deduzir

quem é esse inimigo? Ele se chama Minaco! – afirmou Nina.

– Não é possível! – exclamaram os dois juntos novamente.

Nina então escreveu no Quadrante do Raio: “Ameaças ‒ Ataque do

forte/Minaco e Costa Negra”.

O clima na cabana era de total estupefação. Começou um falatório

enorme, pois muita coisa importante sem explicação durante séculos

finalmente estava sendo esclarecida naquele momento. Nina então

continuou com a próxima etapa:

– A terceira etapa é a do fogo: ela diz respeito à nossa força interna

e aos nossos pontos fortes, ao que temos e fazemos de melhor para

enfrentar as dificuldades da vida. Também consiste em aceitar e reverter

96


nossas principais fraquezas... – explicou Nina. – Sim, reverter nossa

maior fraqueza pode ser nossa maior força! Portanto, precisamos nos

unir!

Todos na cabana baixaram a cabeça, pensativos e sabedores das

responsabilidades sob as palavras de Nina. Os presentes voltaram a

comentar uns com os outros sobre essa questão agora levantada. Nesse

momento, Júnior entrou na cabana, olhou para Nina e deu um aceno

positivo com a cabeça. A garota se virou para Vitório e Vítor e falou:

– Para provar que tudo o que falamos tem grande fundo de verdade,

Júnior trouxe algo muito valioso para vocês.

Todos se viraram para Júnior, que estava na porta de entrada. Ele

apoiou um joelho no chão, abaixou a cabeça e fez um sinal com a mão

em reverência à porta de entrada. Para espanto de todos, e também de

Nina, quem entrou na cabana foi a Rainha Sofia. Todos os presentes

no salão se ajoelharam. Ela sempre foi muito admirada por todos das

duas famílias, por sua beleza e sabedoria.

– Podem se levantar, meus caros ‒ pediu a Rainha Sofia, uma mulher

alta, de cabelos encaracolados, extremamente brancos. ‒ Na verdade,

é um prazer poder estar com vocês novamente. Estou aqui para dar

minha contribuição pelos excelentes serviços que vocês prestaram a

todo o nosso reino e quero ratificar as palavras de Nina em relação ao

infortúnio que os acometeu. Propus o desafio porque soube que vocês

foram vítimas de uma pessoa covarde e sem escrúpulos. Vocês não

poderiam provar sua inocência e, portanto, não mereciam a maldição

que lhes foi imposta. Entretanto, acho que eu era a única pessoa que

tinha a cabeça fria naquela malfadada noite e não poderia impedir o

decreto dos outros reis presentes ‒ lamentou-se a nobre dama.

Então, a rainha se dirigiu até Vítor e Vitório, segurou as mãos deles

e as uniu. Os dois olharam para ela e se abraçaram fortemente. Esse

gesto singelo representou, enfim, depois de todos aqueles milênios,

a união das duas famílias! O salão inteiro gritou urras de felicidade

e satisfação! Finalmente, os Mágicos e os Matemágicos decidiram se

tornar novamente uma única família, abençoados pela Rainha Sofia,

única autoridade que se importara com sua sobrevivência.

– E agora, será que poderemos fazer frente às ameaças de

97


Minaco? – perguntou Vítor, que tentava cutucar sua orelha, levando

um tapa de repreensão por parte da Rainha Sofia.

– Vamos ter que fazer de tudo para dar certo! – respondeu Nina. – Eu

conto com a quarta e última etapa, que é a do vento: ela representa as

oportunidades. Se juntarmos o fogo com o vento, ou seja, nossos pontos

fortes com as oportunidades, vamos criar uma força maior que, com

certeza, será tão grande quanto as ameaças de Minaco e seus aliados,

ou até maior, se assim quisermos! ‒ asseverou Nina.

– Mas você falou que o vento é oportunidade ‒ comentou

Vitório. ‒ Afinal, que oportunidade nos resta? – perguntou o

Matemágico, ainda enxugando as lágrimas que aquela maravilhosa

reconciliação havia provocado.

Nina foi até eles e a rainha e falou de modo que mais ninguém na

sala pudesse ouvir. Os três falavam e faziam gestos com as mãos entre

si. No fim da conversa, os mágicos e a rainha sorriram e abraçaram

Nina. Pelo visto, existia mais uma arma que poderiam utilizar.

Em seguida, Rainha Sofia pediu a palavra:

– Gostaria de falar do motivo para a proposição do Grande

Desafio – naquele momento, houve um grande silêncio no salão. – Vocês

já sabem que as provas foram propostas para fazer frente à maldição

que atingiu os Mágicos e os Matemágicos, mas há uma razão pela qual

era necessária a participação de um nobre em sua execução. Gostaria

de chamar Nina, esta garota que mostrou, diante de todas as adversidades,

muita humildade e força de vontade. Se não for incômodo, Nina,

gostaria de lhe dar um abraço bem apertado ‒ pediu a nobre senhora.

Nina se dirigiu até a rainha, e as duas se abraçaram, ao mesmo tempo

que as luzes do salão se apagaram, sem ninguém tocá-las. Entre as

duas, começou a aparecer uma luz em forma de energia que iluminou

todo o salão.

Aos poucos, as duas se separaram. Ainda segurando as duas mãos

de Nina, a rainha falou:

– Nina, você não tem idéia quanto me enche de orgulho saber que

enfrentou corajosamente todos os desafios. Você levou os Anéis das

Desculpas, mas não os usou em nenhuma etapa, correto? – perguntou

98


a rainha, fazendo um gesto afirmativo com a cabeça. – Como recompensa,

o Grande Desafio devolve a você a força dos quatro elementos

que enfrentou, para usá-los contra a maldição que foi imposta à grande

família dos Mágicos.

A rainha foi soltando as mãos da Nina. Aos poucos, os anéis foram se

tornando mais e mais luminosos, mas não mais com as cores verde e vermelho:

agora, os dois anéis brilhavam com uma linda cor azul-turquesa.

– Nina, esta é a recompensa pela sua vitória ‒ explicou a Rainha

Sofia. ‒ Agora, você não tem mais nas mãos os Anéis das Desculpas,

mas os anéis que representam sua força, sua determinação e sua coragem

de seguir em frente em todos os momentos. O anel da esquerda

representa a família dos Mágicos, e o da direita, a dos Matemágicos.

– Nossa! Como posso usá-los contra a maldição? – perguntou Nina,

maravilhada e encantada com as palavras da rainha.

– Como conquistou os elementos, agora eles pertencem a você.

Quando quiser, você pode evocar cada um dos quatro elementos ‒ gelo,

raio, fogo e vento ‒ contra os seus inimigos. Basta juntar os anéis,

apontar e o elemento que você tiver em mente se voltará contra eles.

Mas preste atenção: você terá chance de utilizar apenas uma vez cada

um dos elementos. Use-os com sabedoria, minha menina.

Capítulo XVI

O plano

Nina aproveitou o aprendizado que teve durante o desafio e fez uma

rápida análise de como as coisas se encontravam na aldeia dos Mágicos

e Matemágicos, definindo quais eram as ameaças e as condições que

os habitantes da Ilha do Meu tinham para enfrentá-las. Agora ela também

contava com os anéis e a força dos quatro elementos para ajudar

seus familiares. Entretanto, era necessária a participação de todos na

materialização de um plano de ação para o enfrentamento de qualquer

iniciativa que Minaco e seus aliados pudessem empreender.

Naquele momento, Nina chamou Júnior para conversar. Ele voltou

carregando um alforje nos ombros, aparentemente bastante pesado.

99


– Você os achou? Conseguiu trazê-los? ‒ perguntou Nina, simulando

uma voz conspiratória com seu amigo.

– Sim, estavam bem guardados ‒ respondeu Júnior. ‒ São meus

tesouros, mas tenho que devolver a quem de fato pertencem – comentou,

estendendo o alforje à sua companheira.

Nina chamou Vítor e Vitório:

– Agora, só falta idealizarmos um plano para nos organizarmos e

fazermos frente às ameaças ‒ explicou Nina, puxando Júnior pelo braço

e apresentando-o aos dois mágicos. ‒ Júnior, que foi ajudante em uma

das cozinhas de vocês, encontrou, quando limpava uns armários velhos,

dois livros que pertencem a vocês, e ele quer devolvê-los – falou Nina.

Júnior tirou os livros do alforje. Vítor e Vitório olharam surpresos

e não puderam conter a admiração de rever seus velhos livros de

apontamentos. O garoto os devolveu, cada um para seu legítimo dono.

Os mágicos estenderam as mãos, quase não podendo acreditar no que

viam, pois pensaram que aqueles volumes haviam sido destruídos há

séculos e que nunca mais os veriam.

– Depois de achá-los ‒ explicou Júnior ‒, fiquei muito tempo estudando

suas receitas. Também tive chance de ler as histórias que escreveram

nas entrelinhas e as técnicas de magia. Uma delas me chamou a atenção

em particular: o Mapa da Solução formado pela Preparação! – estava

falando Júnior, quando foi interrompido...

– E Criação – falou Vítor.

– E Ação – completou Vitório.

– Sim, isso mesmo! – confirmou Júnior, com um sorriso. – Se fizermos

o que esse mapa indica ‒ continuou ‒, podemos organizar um

plano de ação para fazermos frente às ameaças!

– Mas, Júnior, nós nunca chegamos a colocar essa ferramenta em

prática ‒ explicou Vitório, dando um tapa na mão de Vítor, que estava

coçando o nariz com o dedo. ‒ Vítor e eu escrevemos sobre ela, mas

nunca a utilizamos, pois nos separamos e assim não testamos a magia.

– Acredito que vocês a criaram para ser colocada em prática em um

momento como este! Então, mãos à obra! – incentivou Júnior.

100


– Sim! Júnior me falou dele! É nossa última chance para nos organizarmos

e prepararmos os Mágicos e os Matemágicos para defenderem

a ilha – completou Nina.

Vítor e Vitório não perderam tempo e abriram os livros para relerem

as etapas mais importantes para a realização da magia. Eles chamaram

todos do conselho para se sentarem junto à grande fogueira da praça

para formar o mapa do planejamento.

‒ O fogo fica no centro, representando a chama da vida e da esperança

‒ explicou Vítor. ‒ À sua volta, vamos fazer um grande círculo

com todos os conselheiros, alternando Mágicos e Matemágicos, já que

as famílias estão unidas novamente ‒ lado a lado, cada qual tomou seu

lugar. ‒ Atrás dos conselheiros, vamos fazer outro círculo, composto

pelos habitantes da ilha ‒ homens, mulheres e crianças ‒, aconselhou

Vitório.

Dividiram o círculo feito pelos conselheiros em três partes. Todos

os eixos passavam pelo centro da fogueira: na primeira parte ficou

Vítor; na segunda, Vitório; e, na terceira, Ísis, que também convidou

Nina para participar.

Naquele momento, raios estouravam ao longe, apesar de o céu estar

cheio de estrelas e de a lua iluminar toda a ilha. Vítor foi o primeiro

a falar:

– Estamos prestes a realizar um dos mais poderosos rituais de nossa

existência, se não for o maior. Lá no outro lado da ilha, os raios querem

nos dizer que, em breve, virão para cobrar o desígnio da Grande

Maldição. Por isso, vamos começar agora a traçar nosso plano! Através

dele, conseguiremos salvar nossas famílias!

Todos gritaram urras e palavras de incentivo, ao som de tambores

e trombetas. O mapa iria determinar o futuro dos Mágicos e dos

Matemágicos.

– Aqui na minha parte – continuou Vítor – cada conselheiro deverá

dizer o que entende da situação pela qual estamos passando, para que

possamos compor a real situação que temos que enfrentar. Chamamos

essa parte de “Preparação”, explicou o Mágico.

Os conselheiros começaram a falar o que cada um achava da

101


situação e as crianças iam escrevendo com pequenos pauzinhos na

areia, acompanhadas por Duda. Todos podiam contribuir com suas

opiniões ‒ ninguém podia ficar com receio de participar, pois a ajuda

dos habitantes da ilha era fundamental naquele momento. Quanto mais

opiniões diferentes eram acrescentadas, mais rica seria aquela fase.

Muitos deram suas contribuições:

– Minaco/ataque – apontou Vítor.

– Estamos unidos novamente – constatou Vitório.

– Trabalho em equipe! – sugeriu Ísis.

– Podemos usar mágica – lembrou Júnior.

– Segurança de nossas famílias – indicou Duda.

– Ataque por mar e terra – concluiu a rainha.

A fase de Preparação já contava com sugestões suficientes. Era o

primeiro passo, no qual deveria ser reunido o maior número de pontos

para a criação do plano final.

‒ Agora, passaremos para a fase da Criação ‒ instruiu Vitório. ‒

Vamos organizar e definir o que devemos realmente fazer e o que é

necessário para resolver, levando em conta o que determinamos na

Preparação.

Todos voltaram a dar suas opiniões. Nina falou, e Duda escreveu:

– Defender a praia a todo custo.

– Unir nossas forças! Mágicos e Matemágicos juntos novamente!

– indicou Ísis.

– Escolher mágicas para confundir as tropas de Minaco – sugeriu

a rainha.

– Formar tropas com os Mágicos e os Matemágicos – apontou Vítor.

Concluída a fase da Criação, todos determinaram que era necessária

a formação de uma forte linha de defesa na praia, bem em frente à

Ponte do Agora, pois seria por lá que os guerreiros de Minaco atacariam

com certeza. O grupo também constatou que deveria ter cuidado com

o ataque dos navios do Capitão Costa Negra. Para esse bagre, Nina já

havia reservado uma surpresa.

102


Agora só faltava trabalhar a última fase, a da Ação. Ísis e Nina foram

fundamentais na definição do que deveriam fazer para colocar o plano

em prática. A jovem dividiu as tarefas:

‒ Ísis, você junta as tropas e as treina para proteger a praia. Vítor e

Vitório, vocês precisam escolher as mágicas necessárias para repelir o

ataque de Minaco. Eu farei um ataque surpresa no momento apropriado,

e Júnior vai me ajudar na coordenação das tropas.

Pela contagem, ainda tinham um dia inteiro. Todos se apressaram

para organizar cada uma de suas tarefas. Sem mais tardar, todos iniciaram

os treinamentos com Ísis ‒ só os mais jovens e fortes iriam à

frente, e os demais ajudariam na formulação de poções e na construção

dos equipamentos de apoio para que tudo desse certo. Júnior e Nina

começaram a treinar com os novos soldados Mágicos e Matemágicos

quais seriam suas posições, para que pudessem repelir o ataque vindo

da Fortaleza das Ameaças.

Quando o dia estava terminando, tudo estava pronto para o dia da

grande batalha.

Capítulo XVII

A Batalha da Ilha do Meu

O sol começou a nascer no horizonte. Os pássaros já haviam iniciado

sua cantoria, sem saber que a sorte de todos os moradores da Ilha do

Meu estaria à prova numa batalha que seria a maior de todos os tempos

da história dos Mágicos e Matemágicos.

Nina, Duda e Júnior acordaram cedo e ajudaram todos nos últimos

preparativos. Todos estavam em estado máximo de alerta.

De repente, as sentinelas perceberam uma grande movimentação do

outro lado do istmo, onde ficava a Ponte do Agora, e tocaram as cornetas

de alerta. Todos foram ver o que estava acontecendo. Os homens de

Minaco começaram a instalar muitas pontes flutuantes para as suas

tropas e a cavalaria atravessarem o istmo.

Um pouco antes do meio-dia, uma comitiva que vinha do forte

começou a atravessar, composta de uns vinte soldados. Nina os

103


reconheceu ‒ era a tropa de elite de Minaco, empunhando suas bandeiras

de guerra, com o cavaleiro negro à frente. Nina e Júnior foram

a cavalo falar com eles, além de Vítor e Vitório, com seus carrinhos

puxados a mão. Duda foi bem atrás, com seu pônei.

Minaco usava uma nova armadura. Não conseguiu evitar tocar na

manopla da mão direita, lembrando-se de sua luva perdida na derrota

contra Nina, Júnior e Duda.

– Ora, ora, nós nos encontramos de novo! Que grata surpresa, pirralha!

Pelo jeito, você não apreciou a hospitalidade de nosso forte, mas

fico feliz em poder revê-la – disse Minaco.

– É uma coisa que não nos traz nenhuma alegria! ‒ respondeu

Nina. ‒ Vejo que está com toda a sua tropa – comentou.

– Minaco, que decepção! Você era um dos nossos, por que fez

aquilo? ‒ perguntou Vítor, indignado e entristecido, pois sentia falta

de seu pupilo, há muito sumido. ‒ Sempre o apoiamos e admirávamos

sua força de vontade... Gostávamos tanto de seu trabalho! – protestou.

– Fiz porque é minha natureza! Já nasci com esse desígnio: não sei

fazer outra coisa a não ser representar uma ameaça na vida de todos

e de qualquer um que estiver na minha frente ‒ respondeu Minaco,

olhando seu antigo mestre com desprezo. Todos os seus soldados

gritavam urras de apoio ao seu mestre.

– Então, por que não considera voltar para a sua casa, menino

tolo? ‒ perguntou Vitório. ‒ Nós não somos uma ameaça para você.

– Jamais dou um passo para trás! ‒ gritou Minaco. ‒ Aliás, estou

vendo que vocês nem têm soldados... É com esse bando de mágicos

que vocês pretendem lutar contra minhas tropas? Vai ser um passeio

para elas! – falou Minaco, soltando uma grande gargalhada. Todos os

seus soldados sacaram suas espadas.

– Nós também não daremos um passo atrás! – desafiou Nina.

– Você está vendo à sua esquerda? – Minaco apontou para a esquadra

do Capitão Costa Negra, pronta para abrir fogo com seus canhões. – É

só um pequeno reforço para garantir nossa diversão no dia de hoje.

Ha, ha, ha! ‒ zombou o cavaleiro.

104


– Vamos ver, então, Minaco! Não temos medo de suas ameaças! –

respondeu Nina, muito decidida.

Minaco fez um sinal de consentimento com a cabeça. Deu meia-volta

e começou a retornar para o comando de suas tropas.

‒ Nina, você tem certeza de que estamos realmente prontos? ‒ perguntou

Vítor, recolhendo o dedo, que quase ia à orelha, depois de Nina

dar uma olhada feia.

– Sim, estamos! Eles não sabem o que os espera – garantiu Nina.

Vítor e Vitório concordaram, acenando com a cabeça.

No outro lado do istmo, começaram a soar inúmeras cornetas. Nina

e Júnior foram cada um para um lado da linha de defesa, gritando

palavras de incentivo para que todos estivessem prontos para a primeira

carga das tropas de Minaco.

Os guerreiros do cavaleiro negro então começaram a galopar e, em

poucos minutos, estavam atravessando a ponte flutuante. Nesse instante,

Nina levantou as mãos e, logo atrás da linha de defesa, formada

por uma trincheira escavada na areia, havia uma grande paliçada de

bambus que foi jogada para a frente, mostrando a arma secreta de que

Nina havia falado ao pé do ouvido de Vítor e Vitório na noite anterior.

Atrás da paliçada estavam enfileirados dezenas de elefantes, leões,

tigres e cavalos; logo depois se encontravam os enormes canhões lançadores

de homens-bomba e centenas de artistas do Circo de Júpiter,

todos prontos para a batalha. Esse era o elemento secreto, a oportunidade

que, somada à força proporcionada pela união dos Mágicos

e Matemágicos, faria a diferença na batalha. Agora eram o fogo e o

vento trabalhando juntos contra as ameaças.

As tropas de Minaco atravessaram a galope as pontes e já começavam

a dar os primeiros passos na praia, quando Júpiter deu um sinal

levantando a cartola. Os artistas do circo então fizeram com que os

elefantes, que estavam camuflados perto da ponte, puxassem inúmeras

cordas enormes que se levantaram da areia, fazendo com que os cavalos

da primeira leva do inimigo caíssem e derrubassem os que seguiam

atrás; os que conseguiram passar caíram em armadilhas feitas com

buracos camuflados na areia.

105


Nina estava voltando pela praia com seu cavalo quando tropeçou e

caiu para a frente, rolando na areia. Ao se levantar, viu que os arqueiros

de Minaco haviam disparado uma enorme saraivada de flechas, que

enegreceram o céu; elas estavam direcionadas para caírem em cima

da linha de defesa. Então, Nina juntou os anéis, direcionando-os para

as flechas, e gritou:

– Fogo e vento juntos e ao mesmo tempo! ‒ a invocação dos anéis

provocou uma grande e forte labareda, que queimou todas as setas por

completo, transformando-as em cinzas em pleno ar.

Os navios do Capitão Costa Negra estavam prontos para iniciar o

ataque com seus potentes canhões. Somente estavam aguardando

o sinal de Minaco ‒ uma grande fogueira do outro lado do istmo.

O cavaleiro deu a ordem para um arqueiro atirar uma flecha com

fogo numa grande pilha de madeira que já estava estrategicamente

preparada na praia. No entanto, assim que o arqueiro pegou a flecha

e a posicionou no arco, ela se transformou em uma enorme cobra

venenosa, assustando o guerreiro e seu cavalo, que foram derrubados.

Era um truque de mágica que Vítor e Vitório estavam fazendo contra

as ameaças. Porém, o maior encantamento estava reservado para as

tropas do guerreiro negro.

Apesar da falha, o Capitão Costa Negra não perdeu tempo e já estava

fazendo os últimos preparativos para alinhar os canhões de seus navios

e bombardear a ilha.

Os primeiros disparos foram dados e começaram a cair na beira da

praia; os próximos seriam contra a aldeia e as forças de defesa. Júnior

trouxe uma luneta para mostrar a movimentação do pirata para Nina.

– Olhe, Nina! Os primeiros tiros foram só para marcar pontaria!

Aquele velhaco vai iniciar o ataque em minutos! ‒ avisou Júnior.

Nina pôde ver o capitão no navio principal dando ordens, por meio

de sinais, para que seus imediatos começassem o ataque final.

– Venha, Júnior! Vamos até a outra ponta da praia para ficarmos

em uma posição melhor para contra-atacarmos – aconselhou Nina.

Os dois saíram no galope. Quando estavam chegando à ponta da

praia, ouviram o estrondo ensurdecedor dos canhões dos navios que

106


finalmente haviam iniciado a investida contra a ilha. Nina instintivamente

juntou os anéis e enviou contra as balas dos canhões uma

saraivada de raios, que explodiram quase todas elas. O estouro daquele

embate fez com que as velas dos navios começassem a pegar fogo, o

que deixou muitas embarcações fora de combate. Vendo que nos navios

que não estavam incendiados continuava a movimentação dos piratas

perto dos canhões, Nina juntou novamente os anéis e jogou uma lufada

de vento congelante contra eles. Os piratas experimentaram a força do

frio e do gelo, e seus ossos começaram a enregelar-se.

Os navios que conseguiram atirar não acertaram nada, pois tinham

perdido a mira. Aproveitando essa oportunidade, Júpiter deu o sinal

para que os canhões do circo atirassem. Em vez de intrépidos artistas,

aqueles enormes canhões dispararam algo que surpreendeu a todos

no campo de batalha:

– Vejam! Uma das balas de canhão atingiu o capitão – gritou o

contramestre, avisando que precisava de ajuda.

Na verdade, o imediato precisava de muita ajuda, pois o Capitão

Costa Negra estava totalmente estatelado, de barriga para cima, com

os braços e as pernas abertos no convés de seu navio.

– Ele está todo verde! Que aconteceu com o capitão? – perguntou

um dos piratas.

– Nossa, que cheiro estranho tem essa coisa – comentou outro,

tampando o nariz.

– Será que é capim molhado? – perguntou o contramestre.

O capitão deu sinal de vida, levantou a cabeça, mas não conseguiu

falar muita coisa, zonzo que estava, em parte pelo capim molhado que

acabara de engolir ao abrir a boca.

– Acho que sei o que é! – falou um dos marujos com os olhos arregalados.

– Já vi muito disso lá na África!

– Mas o que é? Diga logo, para sabermos como salvar o capitão –

gritou desesperado um dos corsários.

– É... É... Cocô de elefante! ‒ afirmou o pirata sabido.

Nem deu tempo de os piratas entenderem muito bem o que o colega

107


estava falando, porque logo todos também estavam estatelados no

chão, atingidos por uma bomba igual à que havia nocauteado o capitão.

Todos estavam daquele jeito...

Vendo que os navios do capitão estavam fora da batalha, Minaco

decidiu dar a última ordem de ataque, reunindo todos os guerreiros

ao seu dispor ‒ centenas de soldados e cavaleiros, com suas espadas

e lanças, prontos para a guerra.

Nina e Júnior estavam na linha de defesa, vendo a movimentação

e cuidando dos preparativos finais. Vítor e Vitório estavam com suas

varinhas, apontando sem parar contra as Tropas das Ameaças. Ninguém

conseguiu entender muito bem a cena, porque os dois pareciam rir

como se tudo fosse uma grande brincadeira.

Do outro lado, Minaco estava pronto para levantar sua espada para

dar início ao ataque, quando sentiu uma cócega incômoda, que começou

nas costas e foi subindo até a altura da nuca. Instantaneamente, levou

a mão à nuca e agarrou uma coisa estranha que se mexia. Pegou para

ver o que era: para seu espanto, viu em sua mão uma enorme barata

cheia de molho! Não acreditou no que estava vendo: enquanto a barata

escapulia, entrando em sua luva, o cavaleiro sentiu mais baratas em sua

cabeça. Tirou o capacete e um punhado de insetos caiu bem em cima

dele. Foi o tempo de se virar para trás e perceber que todo o seu exército

estava se coçando, jogando as armas no chão e lutando contra centenas

de milhares de baratas, todas encharcadas dos mais variados molhos.

– Vocês vão pagar caro por isso, seus Mágicos e Matemágicos! –

gritou Minaco.

Ele deu a ordem para todas as tropas atacarem ao seu comando, e lá

foram elas correndo e se coçando, até Minaco quase não poder enxergar

o que tinha à sua frente, de tantas baratas que havia em seu rosto. Eles

chegaram perto da linha de defesa, gritando como malucos. Não se

sabe até hoje se eram gritos de guerra ou de desespero.

Para tormento geral dos inimigos, assim que as tropas de Minaco

passaram as pontes e chegaram até a areia, havia mais uma surpresa

desagradável: todos os bichos do Circo do Vento correram até eles.

Atrás dos animais, todos os Mágicos, Matemágicos e artistas do circo

foram juntos gritando tudo o que podiam.

108


A situação estava péssima para Minaco, que viu seus guerreiros

fugirem do pisoteio dos elefantes, das mordidas e arranhões de outros

bichos e da coceira das baratas. Antes que chegassem às pontes flutuantes,

todos os bichos subiram nelas e as destruíram.

Por uma luneta, Nina podia ver Minaco, do outro lado do istmo, dando

pulos de raiva. Com toda a certeza, ele não podia compreender o que

estava acontecendo. Seu plano foi literalmente “desbaratado”, triste

infortúnio que se virou contra seu criador; já não havia mais nenhum

jeito de continuar aquela batalha. Suas tropas saíram em debandada. A

batalha estava ganha, e os Mágicos e os Matemágicos estavam salvos!

Todos na praia gritaram de alegria, pularam e se abraçaram. Aquele

dia não foi das ameaças ‒ foi de quem se preparou para enfrentá-las.

A tranquilidade voltou a reinar na ilha. Na noite da vitória, foi feita

uma grande comemoração na praça central. O pessoal de Júpiter, que

também tinha sido convidado, fez com que a festa durasse a noite inteira.

Capítulo XVIII

Despedidas

Nina estava na proa do navio que os estava levando até a Gruta

Encantada. A brisa fresca do mar corria pelo seu rosto, embaraçando

seus cabelos; seu olhar fixo e sereno mirava o horizonte que se estendia

à sua frente. Duda andava pelo convés, brincando com um filhote de

cachorrinho que ela adotara em segredo na ilha. Júnior estava conversando

com alguns marinheiros.

Júpiter, Vítor e Vitório haviam decidido fazer uma grande apresentação

do Circo do Vento para todos os Mágicos e Matemágicos na Gruta

Encantada, com a Rainha Sofia como convidada especial e Nina como

anfitriã. Todos iriam comemorar o fim da Grande Maldição e a união

das duas famílias em um espetáculo memorável.

Nina estava segurando a borda da proa. Parecia muito tranquila.

Passavam por sua cabeça as diferentes peripécias que teve de enfrentar

para realizar as etapas do Grande Desafio; tudo estava muito recente

em sua memória. As quatro etapas propostas pela rainha haviam sido

concluídas, e seus mistérios, desvendados.

109


Ela sentia seu pulso bater mais forte, seu olhar mais aguçado e sua

mente pensando naquele exato momento, no aqui e no agora. E não

era para menos: quem encara suas fraquezas, pelo menos uma vez

na vida, também pode continuar enfrentando-as uma vida inteira.

“É uma barreira que devemos romper, para que um ciclo antigo se

renove, para não pararmos no tempo”, pensou Nina. “Sempre devemos

procurar novos desafios e aventuras. Podem surgir novas fraquezas,

ou fraquezas antigas esquecidas podem retornar; mas, tanto em uma

situação como na outra, agora eu sei que a alma de uma guerreira não

deve se importar com isso”.

‒ Concentre-se nos seus pontos fortes, aqueles que representam

o seu melhor! ‒ aconselhou Queli, falando diretamente à alma de

Nina. ‒ Nunca fique na zona de conforto, pois isso vai ajudá-la a ser

melhor a cada dia que passa. Tenha mais coragem e determinação

nas ações que realiza e tenha sempre a mente alerta, para lutar por

objetivos bem definidos. E não se deixe abater por algum fracasso ou

derrota! Busque o aprimoramento constante, sem desistir ou fraquejar,

e aproveite as oportunidades que a vida lhe oferece.

‒ A passagem pela “Ponte do Agora” pode ajudar muito nisso: é

preciso focar o presente, pois é o único momento de que podemos nos

valer, com passos firmes, para realizar nossos objetivos.

‒ As ameaças sempre estarão à espreita, sorrateiras, mas previsíveis;

violentas, porém combatíveis! ‒ falou Hades, que estava disfarçado de

marinheiro. ‒ Elas são os algozes dos desprevenidos e a desculpa dos

fracassados. De agora em diante, Nina, seu lema deve ser o seguinte:

Todo dia é dia de alerta, todo segundo merece atenção e toda vida

precisa de constante vigilância.

‒ Sem se esquecer das oportunidades, claro, mesmo porque elas

são como o vento, passam por entre nossos dedos como num passe de

mágica ‒ comentou Éolo, formando-se nos ventos que empurravam o

navio. ‒ Percepção, foco, informação, tudo é muito importante para

sabermos distinguir as boas oportunidades das más e para não perdermos

o momento único e especial de agarrá-las.

‒ E, finalmente, os Anéis das Desculpas! Muitas vezes, Nina se

sentiu tentada em usá-los durante o desafio... Também é assim na vida

110


real. Quantas coisas deixamos de fazer, quantos objetivos a realizar

esquecemos embaixo de desculpas...

Veio então a imagem da Rainha Sofia, falando na cabana depois que

os anéis mudaram de cor:

‒ Agora não cabe mais chamá-los de Anéis das Desculpas: pode

chamá-los de “A Conquista do meu Destino”, e não se esqueça de que

são seus. Portanto, agora, você é, sim, de fato, dona do próprio destino!

Após o término do Grande Desafio, Nina entendeu que estar no

caminho já faz parte de sermos donos de nosso destino. Porque caminho

não é somente uma direção a seguir. Caminho também significa andar

e estar fazendo alguma coisa para chegar onde desejamos. Portanto

"caminho" é também a vontade de realizar, o desejo de ser e de conquistar,

pensou a aventureira mágica e matemágica. “Não podemos

ficar perdendo tempo pensando se somos fortes o bastante para fazer

as coisas acontecerem, mas sim seguir em frente. Devemos sempre

continuar fazendo e tentando ‒ esse exercício é o verdadeiro desafio!”

Todos já estavam dentro da Gruta Encantada. Nina, Duda, Júnior,

Vitório, Vítor, Ísis, Sofia e Júpiter foram chamados a subir no grande

palco, no qual todos se abraçaram e ficaram em linha à frente de todos os

Mágicos e Matemágicos da Ilha do Meu. Atrás deles, enormes cortinas

vermelhas se abriram para mostrar os artistas do circo e seus animais

amestrados numa linda efusão de imagens, cores e sons que tomou

conta do coração e do espírito de todos os presentes. Todos estavam

solenemente postados, prontos para o início da apresentação, somente

aguardando o sinal do grande mestre de cerimônias.

Naquele instante, Júpiter, bem no centro do palco, levantou sua

cartola com uma mão e sua bengala com a outra. Com um belíssimo

sorriso, direcionou-se a todo o público presente:

– Respeitável público! Digníssimas senhoras e digníssimos senhores:

só deixaremos nossa marca nesta vida se formos os senhores de nosso

destino! Para todos aqueles que escolheram esse caminho, vai começar

o maior espetáculo da Terra!

FIM

111

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!