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cabisbaixo e perdido, as mãos inertes, os ombros caídos como se sustentasse
o peso da solidão de toda a floresta escura atrás dela. Solidão, ausência e
melancolia plasmadas em tela. Arte, às vezes, dói.
Há, entretanto, outra forma de solidão na arte. Uma solidão que contém o
abandono não somente como dor e desamparo, mas como condição
primordial para a liberdade. O filósofo Martin Heidegger, em Os conceitos
fundamentais da metafísica: mundo, finitude, solidão, parte de uma pergunta
muito simples para chegar a essa formulação: “O que é mundo?”. Se a
pergunta é simples, a resposta não o é, e para respondê-la Heidegger lança
mão de comparações entre objetos inanimados, animais e humanos em sua
relação com o mundo. Para ele, uma pedra, como ser inanimado, é “sem
mundo”, pois como uma mera coisa, um ente material, ela seria
essencialmente algo sem consciência de pertencer a um todo maior, não teria
forma de acessar nada. Pedra é pedra, e isso não lhe causa dor, infortúnio ou
prazer, pois essa é sua natureza como ser. Já um animal seria “pobre de
mundo”, pois o animal teria outro modo de ser, um meio-caminho, não
chegando a ser consciente do todo, mas participante dele. Explicando como
um epicurista, e não como Heidegger, um animal busca instintivamente
evitar a dor e ter mais prazer. Isso não é uma atitude de um ser consciente,
mas um instinto primal. Por isso o cachorro, se deixássemos, passaria o dia
inteiro recebendo carinho do dono, comendo ou dormindo. Por fim, voltando
ao filósofo alemão, o homem seria “formador de mundo”, ou seja, existiria
“no mundo”, tendo consciência de ser, de intervir e de produzir realidades.
Para Heidegger, e aqui chegamos ao ponto que nos interessa diretamente, o
“ser no mundo” é uma condição solitária. Essa condição seria original:
nascemos sós. Ao virmos ao mundo, rompemos nossa ligação com outro ser e
passamos a vida sozinhos, atravessamos o rubicão, e a sorte está lançada para
cada um de nós lidar com ela. Se por um lado enxergássemos essa condição
basilar de solidão como uma maldição, não nos conformássemos com ela e
tentássemos negá-la, nos tornaríamos seres inautênticos, seríamos
estranhos a nós mesmos. Flutuaríamos ao redor de quem ou o que nos desse
a ilusão de companhia, nos tornaríamos secundários em nossa própria
existência. Por outro lado, se abraçássemos essa condição de solidão inata e