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de uma solidão infinita: nada pior do que a crítica para as abordar. Apenas o
amor pode captá-las, conservá-las, ser justo em relação a elas”. Vamos tirar
a primeira frase um pouco de seu contexto original e reinventá-la: as obras
de arte são de uma solidão infinita. Ou seja, nesse novo sentido, a
representação da solidão torna-se a solidão em si. Há tantos e inúmeros
casos. Vejamos alguns. Pablo Picasso, em sua fase azul, pintou O velho
guitarrista cego. O jovem artista penava para sobreviver em Barcelona quando
um igualmente jovem amigo se suicidou. A dor, a reflexão sobre arte e
existência criaram essa tela cheia de solidão. Olhar para o velho músico cego,
cabisbaixo, quase sem vida, sentado de pernas cruzadas, tocando seu violão,
traz uma imensa sensação de estar sozinho. A solidão dos velhos, sobre as
quais falarei mais à frente no livro. A solidão do artista. A melancolia do
isolamento está nas cores, basicamente azuis – a cor da tristeza desde
sempre. O frio do azul e dos poucos verdes contrasta com o violão do músico,
marrom-terroso. Mais vivo que o artista que o tange, o instrumento é a arte.
Traz vida, sem dúvida, mas não cura a solidão. A esmola que o pobre músico
parece esperar, em seu lamurioso silêncio, viria de nós. A arte não se
sustenta, por mais criativa que seja. Depende da contribuição de alguém,
parece lamentar Picasso, o quadro ou apenas eu mesmo lendo a obra. O
inegável é como ela, em si, é a solidão.
A solidão associada aos velhos é tema recorrente. Guy Rose é um nome
muito talentoso dos impressionistas dos Estados Unidos. Pintou o quadro La
Mère Pichaud em 1890. A pintura é da fase francesa dele, quando estava
próximo a Monet. Uma senhora olha a cadeira vazia de forma expressiva.
Mais uma vez o tema da cadeira vazia, que vimos em Van Gogh, com a
diferença do que mais entristece na cena: há o silêncio dolorido de alguém,
observando a ausência prenunciada no móvel. O mesmo tema volta no pintor
acadêmico inglês Charles Spencelayh, no óleo A cadeira vazia. Os dois quadros
falam do envelhecimento, da espera, dos parentes que não chegam e da
dificuldade em lidar com o abandono. Por fim, a desolação solitária de
Melancolia, de Constance Marie Charpentier. Não vemos uma senhora, mas
uma jovem. A ausência não está num móvel vazio, mas no vazio de toda a
cena. Bem-vestida em túnica de linho, a jovem está sentada, o olhar