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O Dilema do Porco Espinho - Leandro Karnal

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do processo criativo em si, como no diretor Terrence Malik ou em Stanley

Kubrick. Este último não era um homem sem vida social, embora tenha vivido

longe dos holofotes de Hollywood. Foi casado por décadas, teve duas filhas e

uma enteada, com quem, todos os que trabalharam com ele são unânimes em

dizer, tinha uma relação saudável e afetiva. Teve amigos. Seu desapego pela

fama era imenso. Tão grande que, nos mais de quinze anos em que ninguém

do showbiz o viu, um farsante chamado Alan Conway se fez passar por ele, e

muitos acreditaram. Os que tinham certeza estar lindando com o Kubrick real

lhe pagavam refeições, aceitavam papéis em filmes e marcavam entrevistas

com o notório diretor ermitão. Parêntese rápido antes de chegar ao ponto que

me interessa: o assistente pessoal de Kubrick acabou se envolvendo na

produção de um filme sobre o assunto, estrelado por John Malkovich

(Totalmente Kubrick, 2006), num caso em que a arte se apropria de algo

pitoresco, para, por meio da comédia, discutir temas densos como identidade.

Voltando à questão que nos guia: Kubrick era um ser humano com

relacionamentos pessoais estáveis e, de forma muito consciente, retirou-se

do lado paparazzi da fama. Adquiriu uma fama de solitário que não parece ser

justa. Mas, durante seu processo criativo, criava uma redoma em torno de si e

de sua arte. Muito raramente deu entrevistas sobre seus filmes e não

costumava falar sobre projetos nos quais estava trabalhando. Pensava

detalhes da produção. Em Barry Lyndon, por exemplo, pesquisou lentes

específicas para as câmeras, capazes de captar a ambiência que criou em

cenas unicamente iluminadas por velas. Seu último filme tomou dois anos

somente para as filmagens. No processo de edição, retirava-se em sua casa

na Inglaterra e, com a presença de poucos auxiliares, esmerava cena a cena

seu próximo filme. Esse processo de reclusão, essa é a solidão da criação.

Outro caso notório da mesma natureza foi o de Andy Warhol.

Diferentemente de Kubrick, abraçou o estrelato. Viveu o tempo todo cercado

de festa e acompanhado de ricos e famosos. Seu trabalho, contudo, foi uma

eloquente aclamação do isolamento e dos problemas de conexão entre as

pessoas, como definiu corretamente Olivia Laing no livro A cidade solitária. A

autora nos diz dos temas de Warhol, e, invariavelmente, ele abordava a

proximidade e a distância entre as pessoas, a ideia de intimidade e

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