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Há pessoas que têm ódio, raiva, babam diante de obras ou performances em
museus. Outras parecem flutuar diante da mesma exposição. Há quem chore,
alguns emudecem, sorriem, se inspiram. Cada reação, solitária como a luz da
vela, por mais distinta da outra, é uma forma de afeto. A luz da arte
definitivamente nos afeta, nos dá auréola, como se fôssemos, por instantes,
objetos na mesa de Camões. Nesse sentido, a arte não precisa ser a coisa que
retrata. Ela transcende a coisa, torna-se mais do que ela. A arte nos
maravilha. Spinoza define o maravilhamento como uma imaginação, algo
ainda não articulado, que produz uma espécie de paralisia, uma suspensão
momentânea do entendimento. São aqueles segundos, minutos ou meses em
que demoramos para assimilar plenamente uma experiência transformadora.
Por fim, uma obra de arte é, em si, um artista capaz de criar, como um
poeta. Isso mesmo: a arte cria. Isso tem a ver com a recepção da obra, sempre
viva, cambiante, única, solitária. Cada pessoa, individualmente, lê e relê a
obra, e, a cada releitura, descobre algo novo, algo que, aparentemente, não
estava ali antes. A arte tem vida própria, gênio criativo em si. O artista pode
ter imaginado uma intenção ao fazê-la, um sentido para ela. Pode tê-la dado
por pronta e acabada. Mas ela resiste ao tempo e engendra novos sentidos a
cada geração que desfila diante dela. Não precisamos ir longe para entender:
você nunca releu um livro que tinha adorado? Por vezes, deixamos de gostar
na releitura. Em outras, gostamos ainda mais. Às vezes, por diferentes
motivos. A obra nos recria a cada leitura. Panta rei: mudamos, a obra e eu, a
cada reencontro.
A partir disso, reparem quanto de solidão a arte contém. Comecemos
nosso raciocínio com a solidão do próprio artista em seu processo de criação.
Alguém pode ser um notório notívago, viver em festas cercado de amigos e
amantes, mas, para criar, a centelha divina espoca em cabeça, coração e mãos
solitárias. Posso pintar uma modelo, filmar uma multidão, estar cercado de
colaboradores e ajudantes. Ainda assim, há um tempo próprio do artista e da
obra, uma solidão da criação.
Não me refiro a pessoas que se recolheram depois de se aposentarem,
como Greta Garbo, por exemplo. Ou que se retiraram de seus ofícios por conta
de doenças, distúrbios ou drogas, caso de Syd Barrett. Eu me refiro à solidão