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CAPÍTULO 5
A imagem do solitário: arte e cinema em busca
do isolamento imagético
Começo este capítulo que pensa a relação entre arte e solidão com um
metatexto. Na verdade, com um metatexto sobre um metatexto. Gaston
Bachelard um dia, olhando para a chama de uma vela, teve um estalo do
muito que aquele clarão bruxuleante pode significar e quanto de solidão tem
em si e ao seu redor. Escreveu um belo livro, híbrido de poesia e filosofia,
chamado prosaicamente A chama de uma vela. A solidão desse oscilante lume é
tamanha, percebe, que, mesmo que se juntem duas velas, a chama de uma
não se funde à da outra. Ao seu redor, quanto já se escreveu, se pensou, viveu
e morreu. Cada umas dessas vivências, mesmos as coletivas, carregam
solidão. Então, em uma passagem, Bachelard comenta a obra de um poeta,
Théodore de Banville, justamente quando ele escreveu um poema sobre
Camões. No poema de Banville, Camões, freneticamente, escreve uma poesia
à luz de vela, sendo observado por seu gato. Quando a luz da vela acaba, a luz
dos olhos do gato continua a alumiar o recinto até que o gênio do poeta
português se esgote e seus versos repousem completos sobre o papel. A cena é
linda e o efeito, mágico. Bachelard explode o sentido de Banville e devaneia
sobre a vela, o gato, o poeta, a poesia e a solidão. Lembra-nos que a vela
começara a vigília sozinha, ao mesmo tempo que o poeta começava seu
poema. A poesia, por meio do fogo criativo do escritor, ganha vida própria,
luz própria, sempre à luz da mesma vela, até então uma simples vela. Mas
cada objeto naquele recinto ganhou auréola própria por conta da mesma luz
tremeluzente. A tudo assistiu e vigiou o gato. Felino e vela olhavam, cheios de