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Essas experiências religiosas trazem muitas sensações paradoxais. Relatos
de paz, descanso, conforto na solidão. Outros de privação, dor, sofrimento,
mortificação e horror. Por vezes, medo e ameaça são a causa de prazer, de
gozo espiritual. Outras ocasiões, ir ao deserto é enfrentar o que se teme, a
maior ameaça de todas: ouvir a nós mesmos, desnudar-se no espelho
silencioso da consciência. Heidegger, em Ser e tempo, nos lembra que
tememos o que nos ameaça, aquilo com o que não temos familiaridade.
Aproximando-se daquilo que nos aflige, não necessariamente tocamos a
fonte do receio. O terrível da experiência da solidão contemplativa, da solidão
mística, religiosa (mas talvez de toda solidão) é que essa “fonte do mal” pode
não se apresentar. Santo Antão, segundo a Legenda áurea, lamentou várias
vezes que buscara o martírio ou o maléfico e não os encontrou. A
possibilidade desvelada de ausentar-se que aquilo que nos aflige tem,
escreveu o filósofo alemão, “não diminui nem resolve o medo, ao contrário, o
constitui”.
Existe, por fim, a figura do missionário que parte pelo mundo para pregar
a sua fé. Tomemos, por exemplo, jesuítas, do primeiro século da Companhia
de Jesus. Presentes nos charcos do Paraguai, no planalto de Piratininga, nas
ilhas Molucas, no Japão e na China, isolados ou em pequenos grupos: ei-los
falando de uma fé nova, estranha aos locais e, muitas vezes, recebida entre a
indiferença e a hostilidade. Deve ter existido muito entusiasmo e muita
alegria no cumprimento da ordem de pregar o Evangelho a todos os povos.
Também devem ter abundado o medo, o choro, a dor e o sentimento latente
de fracasso. O tempo passa e o sofrimento real ganha terreno. Sai o mártir da
narrativa e entra em cena o homem assustado, com o temor cuja fonte nunca
se apresenta. No romance histórico, além do grito dos algozes e do
sofrimento, existe o silêncio de Deus, que atualiza uma agonia solitária: “Pai,
pai, por que me abandonaste?”. Algum leitor ou leitora, imagino
solitariamente enquanto escrevo, pode argumentar que isso é ficção.
Recomendo estudos sobre jesuítas e suas experiências reais e históricas,
então. O cuidado é óbvio: os inacianos relatam seus sofrimentos, muitas
vezes, de forma proposital, em tom edificante. Quanto maior o sofrimento,
maior a glória de triunfar sobre ele e expandir o nome de Deus. Ainda assim,